MÁRCIA HENRIQUES, PRESIDENTE DO RIR

‘Estamos a tornar-nos no país do ordenado mínimo’

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Advogada de 45 anos, Márcia Henriques tem, desde 2022, a tarefa de substituir o célebre Tino de Rans (Vitorino Silva), fundador há oito anos do partido Reagir Incluir Reciclar (RIR), depois de uma experiência nas Presidência de 2016, em que obteve 3,3% dos votos. Embora não completamente afastado – o mediático fundador do RIR é o cabeça de lista pelo círculo do Porto – Márcia Henrique é agora a líder de um partido de alma ‘centrista’. Nesta entrevista, critica a falta de pluralismo nos principais media, que não dão visibilidade aos partidos mais pequenos. Apesar disso, mantém a esperança do partido poder vir a ter um deputado eleito. Esta é a terceira entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE MÁRCIA HENRIQUES, PRESIDENTE DO PARTIDO REAGIR INCLUIR RECICLAR, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


O RIR é um partido relativamente jovem. Foi fundado em 2019 por Vitorino Silva, mais conhecido por Tino de Rans. Visto que era um partido que também se apresentava, na altura, como uma alternativa ao sistema político tradicional, o que é hoje o RIR?

O RIR é o que sempre foi desde o início. O RIR foi criado pelo Vitorino Silva, o famoso Tino de Rans. E foi criado porque percebemos que há uma grande parte da sociedade que não se identifica com os partidos que existem e com os chamados partidos do arco da governação. Da esquerda à direita, PS, PSD, e o CDS estão aqui um bocadinho em crise. Foi-lhe dada agora uma grande ajuda com a coligação AD mas, de facto, a história da ideologia à esquerda e à direita deixou de fazer sentido. Começa a deixar de fazer sentido. Porque estamos em crise é já estamos em crise há alguns anos. Crise de valores, crise na sociedade, crise em várias áreas. E a própria democracia está em crise. E isso leva a que apareçam outros partidos com um discurso mais extremado. Isto deve-se ao facto desta bipolarização de esquerda e direita que já não responde às necessidades da sociedade e dos portugueses. E que leva, por outro lado, a que a abstenção cresça, que as pessoas não queiram saber, que ignorem. É o deixar andar e quem lá estiver que se resolva. “Eu tenho o meu ordenadozito e chega-me”… E não pode ser.

(Foto: PÁGINA UM)

Não há confiança na classe política?

Não há. Há uma descrença enorme, e eu posso dizer por mim, o meu exemplo. Eu cheguei a fazer parte da JSD há muitos anos. Portanto, eu tenho 45, faço 46 este ano, e nos meus 18-20 anos, cheguei a fazer parte de uma juventude partidária. E apercebi-me na altura – cheguei a ser deputada municipal na Assembleia Municipal de Peniche, de onde sou e onde nasci – que aquilo não era política. Não se defendia os interesses, naquele caso, da cidade do concelho, mas defendiam-se os interesses partidários, os jogos partidários. E afastei-me. Até que o Tino teve a ideia: “vou criar um partido”. Porque pensa exactamente como eu. E eu, pronto: “então, vamos embora”! E aqui estou.

E ele criou uma dinâmica de trazer também para a política pessoas que não estão propriamente tanto no meio dos partidos.

É como ele diz: o povo. O que é o povo? O povo é a pessoa normal, do doutor ao agricultor, uma pessoa normal. A pessoa que trabalha, que paga impostos, que gere a sua vida, que cria os seus filhos. Quando me dizem “mas descreva lá o RIR”, fico assim um bocadinho… Descrever como? Somos pessoas normais, é o que eu digo. Somos pessoas normais, com bom senso, que gostaríamos muito que, na política, os governantes tomassem decisões como nós governamos a nossa casa. Nós, se na nossa casa ganhamos 500, não podemos gastar 1.000, não é? E dos 500 que ganhamos, temos de ter as nossas prioridades. Há os bens essenciais e, se tivermos de ter um gasto mais supérfluo ou acima do orçamento, temos de gerir bem as prioridades. Eu estou certa que, se os governantes agissem desta forma e com este pensamento, a coisa seria melhor, e, se calhar, o RIR não existia.

E é um partido também que se assume como mais moderado e centrista?

Centrista, porque nós no fundo… Há uns anos, tínhamos o CDS, que se assumia como centrista, mas tinha aquela conotação cristã. Nós não temos essa conotação, nem exigimos que as pessoas sejam desta ou daquela religião para se assumirem como apoiantes, militantes ou simpatizantes do RIR, nada disso. Mas somos centristas. Nós vamos beber tudo o que é bom da dita esquerda ou da direita.

Defende uma racionalidade naquilo que é a gestão do país, e não tanto a questão de se é de esquerda ou de direita?

Um bom senso, sim. E muitas das vezes, se existisse bom senso, equilíbrio, moderação nas decisões a tomar, tudo seria tão mais fácil. Existiria muito mais consenso entre todos os partidos, e a sociedade evoluía e Portugal já estava no topo e não estava a ser ultrapassado por outros países que nunca pensámos que tal seria possível.

(Foto: PÁGINA UM)

No entanto, colocam-se também muitos obstáculos aos partidos mais pequenos… O facto é que o vosso partido está a concorrer às eleições legislativas por todos os círculos.

Vamos por todos os círculos. Aliás, sempre temos ido. Em 2019, foram as primeiras eleições, fomos a todos os círculos, 2022 também, e agora também. Porque temos muitos apoiantes. Aliás, revela-se na expressão do voto, apesar de nas últimas eleições termos descido um bocadinho. Mas foram uns resultados um bocadinho atípicos. A história de voto útil dá-me ideia que deu a maioria absoluta ao PS, mas muita gente se arrependeu. E, daí, estarmos em eleições, novamente. Eu estou convencida que não temos mais expressão, porque, efectivamente, não somos tão conhecidos, porque não nos dão essa oportunidade. Posso dizer que todas as semanas envio comunicados de imprensa aos órgãos de comunicação social, à LUSA – que deveria fazer serviço público –, a todos os meios de comunicação social, e são raras as notícias que saem sobre o RIR e sobre as posições que tem a tomar sobre este ou aquele problema.

Entende que há um problema de falta de diversidade e pluralismo em termos da cobertura que a comunicação social faz de todo o processo eleitoral e da democracia em Portugal?

No processo eleitoral e na campanha eleitoral, não podemos dizer que somos afastados. Não podemos dizer isso. Apesar de, por exemplo, nos debates televisivos… E temos de ter em conta que muita gente consome aquilo que a televisão lhes dá e não questiona sequer a existência de outras ideias e de outros partidos. E, nesse aspecto, sim, nós somos atirados ali para um debate de partidos sem representação parlamentar, que, pelo número de intervenientes, nos dá ali cinco minutos para podermos falar, não mais. E, aí, sim, somos discriminados, claramente.

Partidos de segunda?

De resto, durante o período de campanha, não podemos dizer que somos totalmente postos de parte. O problema é durante o resto do período, fora de campanha eleitoral.

Desaparecem?

Desaparecemos, e por isso as pessoas dizem: “ah, mas vocês só aparecem em tempo de campanha”. Não, não é bem assim. Nós existimos: temos o nosso site, as nossas redes sociais, e acaba por ser a única forma que nós temos para comunicar. Porque os órgãos de comunicação social que nos deveriam ajudar nesse sentido, não o fazem. Há uma grande discriminação. Por exemplo, nas sondagens, também. Não acredito que não haja ninguém nenhum entrevistado que não responda que votou no RIR. Aliás, até lhe posso dizer que, há cerca de três semanas, foi a primeira vez que recebi um telefonema de uma sondagem, sobre a intenção de voto e tudo mais. E respondi: “sim, senhora, eu vou votar, e vou votar no partido RIR”. [E ela respondeu] “Ah pois, mas é só sobre estes que aqui estão na minha lista”. [E eu disse] “Pois, olhe, então ponha aí que eu nesses não vou votar”. [E ela respondeu] “Ah, vou ter que pôr que não vai responder”. Pronto, está bem. Portanto, [isto] é para ver como está tudo enviesado.

Tino de Rans na entrega da lista da candidatura pelo Partido RIR do círculo eleitoral do Porto (Foto: D.R./RIR)

As sondagens também acabam por nos influenciar, sabermos as intenções de voto.

Influencia, claro que sim.  Há uma dificuldade.

No vosso caso, por exemplo, utilizam também muitos materiais amigos do ambiente na vossa campanha, com cartazes que acabam por reutilizar, reciclar. Também não têm aqueles meios para fazer os grandes outdoors ou grandes campanhas públicas.

Não temos, nem concordo com isso. Porque essas verbas são financiadas aos partidos que têm representação parlamentar, e são dinheiro dos nossos impostos.

Pensa que poderiam ser melhor aplicados?

Muito melhor aplicados. São esbanjados em campanhas com outdoors gigantes, com frases feitas, com chavões. Os outdoors, as canetas, as viagens, as excursões… Isso a mim tira-me um bocadinho do sério, porque é o nosso dinheiro! As pessoas têm que compreender que tudo o que o Estado gasta vem do nosso dinheiro, do nosso trabalho. Nós trabalhamos, descontamos, e é com esse dinheiro que se paga isso tudo.

Ou seja, não vem de uma entidade abstracta, que é o Estado…

Não, é nosso! E essa é uma das razões de eu ter ido para a política desde muito cedo, porque tenho a noção de que tudo o que é gasto, é do nosso esforço.

Ouvimos, muitas vezes, os ministros, o primeiro-ministro, autarcas a dizerem: “demos isto, ou já demos não sei quanto, ou vamos dar, não sei quanto”. Como se fosse o Governo ou a autarquia a dar…

Exactamente. Mas não. Porque o Governo gere o dinheiro dos nossos impostos, o dinheiro que, eventualmente, vem da União Europeia (UE), mas que a comunidade europeia paga com o dinheiro dos impostos dos europeus. É o nosso trabalho. Por isso é que as pessoas deviam ter mais interesse nesta parte política. Costumo dizer: uma junta de freguesia, ao colocar o banco do jardim naquela esquina e não na outra – isto é política. A política não é um bicho-papão.

É tomar decisões.

É o que gere a vida, o quotidiano das pessoas. Nisso, eu, pelo menos em casa, acho que tenho feito um bom trabalho [risos]. Aos meus filhos, tenho-os educado assim e vejo que realmente são interessados, e perguntam e questionam as matérias.

Márcia Henriques no seu gabinete na sede do RIR, em Lisboa. (Foto: PÁGINA UM)

Mas ainda agora há pouco tempo, grandes partidos com assento parlamentar acabaram por rejeitar uma proposta que visava criar programas de literacia financeira nas escolas, por exemplo.

Isso é um handicap que existe, que não é admissível. Não é admissível que um aluno que termine o 12º ano e que vá trabalhar… E isto mesmo já depois da faculdade acontece. Mas pronto, vamos pensar que quem faz a faculdade tenha um bocadinho mais de capacidade ou de vontade de estudar esses assuntos. Mas, alguém que saia da escola secundária e que vá trabalhar, no primeiro ano de trabalho não sabe fazer uma declaração de IRS. Não sabe. Não sabe que despesas pode deduzir, não sabe o que é retenção na fonte. Não sabe analisar um recibo de ordenado, porque é que aqueles 11% são para quê, de desconto para a Segurança Social, se tem desconto de retenção na fonte… As pessoas pensam, por exemplo, que quando recebem o reembolso do IRS, é o Estado que lhes está a dar alguma coisa, quando não é!

Mais uma vez, o Estado, essa entidade abstracta…

Pois. E sim, faz muita falta, e isso deveria ser ensinado na cadeira de Cidadania, por exemplo.

Mas essa ignorância também não favorece o baixo escrutínio?

Sim, favorece os do costume. O PS e o PSD vivem também um pouco à conta da ignorância das pessoas, isso é visível.

Falando em números, em termos de dimensão, o que é que nos pode dizer do partido hoje, em termos de apoiantes?

Somos poucos militantes, mas também nós não exigimos que haja aquela militância e pagamento da quota. E, até há bem pouco tempo, o nosso Estatuto dizia que a quota é livre de ser paga: paga quem quer. Agora, num dos congressos mais recentes, é que dissemos “não, vamos lá mudar isso”, porque temos despesas e vamos ver se os militantes passam a contribuir com uma quota”. Mas temos. E agora, por exemplo, na campanha, é que começámos a ver que nos chegam. Porque lançámos a ideia… E isto ainda retomando um bocadinho o assunto dos outdoors e dos cartazes. O que é que fazemos? Não temos verbas para gastar, para esbanjar. As despesas que temos de fazer, saem um pouco dos nossos bolsos. É o nosso hobby, digamos assim. E [pensámos]: “somos” reciclar, temos “reciclar” no nome e, portanto, vamos aproveitar materiais. E temos feito com papelões. Temos um colega nosso que se predispôs a recolher papelões, a pintar “Vota RIR”, e a espalhar por aí. E é engraçado que temos recebido fotografias de todo o lado do país, de pessoas que já estão a fazer o “Vota RIR”, no papelão, para pôr na janela ou para pôr no portão… E isso dá-nos algum alento. Porque mal ou bem, a nossa mensagem acaba por passar.

Agarraram na iniciativa e replicaram-na.

Exactamente. E tem de ser mesmo por aí. Porque, para já, não faz sentido gastar o dinheiro que gastam. E digo-lhe uma coisa: as pessoas também ficam cansadas… Aqui, em Lisboa, então, em cada rotunda que passemos, há outdoors por todo o lado, com as caras de todos e mais alguns. Já cansa, porque tivemos eleições há dois anos, e é repetitivo. E se começarmos a ver, são frases que não nos dizem nada. Onde é que estão as soluções? Afinal de contas, o que é que andaram lá a fazer este tempo todo? Discutem, discutem, discutem… “Apalhaçam” a Assembleia da República, e no que é que se traduz, em termos de soluções? Temos agora o PS congratular-se, que realmente baixámos a dívida pública. Muito bem, excelente. Mas à custa de quê?

Mais uma vez, também a fraca literacia financeira ajuda a não escrutinar essa afirmação?

Exactamente. À custa de quê? À custa de um péssimo funcionamento de todos os serviços públicos. Todos. É generalizado. Quando me perguntavam há dois anos: “então, mas as propostas do RIR?”. Eu provavelmente caminhava mais para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), porque tivemos a pandemia há pouco tempo, e estava com problemas. Talvez fosse o sector com mais problemas. Mas, neste momento, é transversal. Temos problemas em todo o lado: na habitação, na saúde, na justiça – que é um tema que quase ninguém fala, mas, como sou advogada, vivo com esse diariamente. É um problema muito grave e que impede o país de evoluir.

O mediático fundador do RIR, Tino de Rans, ao lado do humorista Herman José. (Foto: D.R./RIR)

Até pelos custos, os cidadãos não têm um acesso propriamente fácil à Justiça.

A justiça está com um problema. Não sei, está tudo mal. Já sou advogada há muitos anos e posso-lhe dizer… Converso com outros colegas meus que, há meia dúzia de anos a esta parte, temos vindo a assistir à decadência do sistema judicial. Os funcionários de justiça estão permanentemente em greve, e com razão, porque recebem uma miséria de ordenado. Acho que são os únicos neste país que fazem horas extra e não recebem pelas horas que fazem. Há poucos procuradores, há poucos juízes. E depois, há taxas de justiça muito elevadas. Para o comum do cidadão – que receba 700, 800 ou 1000 euros de ordenado –, que queira socorrer-se a um tribunal para fazer valer um direito que tenha, ter de pagar 300 ou 400 euros de uma taxa de justiça inicial é um absurdo. E dizem-me assim: “mas pode socorrer-se do apoio judiciário e da segurança social”. Será que pode? Não pode, porque um cidadão ou vive abaixo do ordenado mínimo nacional para ter esse apoio, ou não o tem. E, muitas vezes, as pessoas pensam: “para que é que eu me vou chatear? Para que é que eu vou para tribunal? Para que é que eu vou lutar por isto?”. Porque não podem dispor desse dinheiro.

Não há justiça.

E quando dizem que há justiça para ricos e para pobres, é verdade. É a pura das verdades. “Mas não é politicamente correcto dizer-se”… Mas tem que se dizer, porque é verdade. Quem tem dinheiro para pagar um advogado e taxa de justiça, consegue um resultado diferente.

Temos, no jornal PÁGINA UM, essa experiência, esse contacto com a realidade da Justiça. Porque somos o jornal com mais pedidos de acesso a informação, a bases de dados, a informação pública e com recurso à CADA. Percebemos que, pelos custos, a Justiça não é para todos.

Pois não. E, por exemplo, se a pessoa tiver que socorrer-se de um tribunal administrativo ou fiscal, uma penhora das finanças que a pessoa considere… Não pode. Isto não está correcto. Vai socorrer-se no tribunal administrativo e fiscal, e daqui a 10 anos tem uma decisão. Isto não é justiça. Não é. Portanto, as pessoas preferem pagar e esquecer.

E há aqueles casos que prescrevem, de corrupção…

Sim, há casos que prescrevem. E prescrevem porquê? É engraçado. Dizem que temos de alterar a lei. Não, as leis já existem! E até temos um ordenamento jurídico, nesse aspecto, bastante aceitável.

Faltam os meios, os recursos?

Sim! Os megaprocessos de investigação criminal: não temos capacidade humana para fazer face a esse tipo de processos. Não há funcionários suficientes para tramitar o processo, não há procuradores suficientes, não há juízes…  E, portanto, claro que prescreve.

Também falou na questão do SNS. Mesmo antes da pandemia, já assistíamos a um padrão: no Inverno, naquele pico em que há um aumento de doenças do foro respiratório, começam aquelas notícias de que as urgências estão um caos. Isto é cíclico. Como vê esta situação e que soluções é que poderiam ser adoptadas para colmatar ou minimizar o problema?

O grande problema do SNS, nesse aspecto das urgências e de estarem sempre a colapsar, como vemos nos jornais, as 20 horas de espera… Se formos analisar quem é o português que vai à urgência, muitas vezes não é uma situação de ir à urgência. Mas não podemos dizer à pessoa “olhe, não pode estar aqui”. Temos de dar uma solução. E a pessoa vai à urgência porquê? Porque não tem médico de família. Se precisar de ir ao centro de saúde, se calhar, só daqui a 15 dias é que tem uma consulta. E a pessoa está doente, não quer faltar o trabalho. E, portanto, vai à urgência para ser tratada. Falta reforçar a rede primária nos cuidados de saúde, os médicos de família, ter um serviço de maior proximidade, e mais eficiente na resposta ao cidadão. E, para isso, claro, é preciso manter os profissionais cá. E não é com os ordenados baixos que os médicos de família recebem, que conseguem fixar profissionais: os médicos emigram, os enfermeiros emigram. Toda a gente vai à procura de melhor, porque estamos a tornar-nos no país do ordenado mínimo. O ordenado mínimo subiu. Excelente! Está a subir, toda a gente concorda com isso. O problema é que os ordenados médios estão a colar ao ordenado mínimo. Nós temos de encarar o país. E eu não vejo um político de carreira a falar num projecto a 20, 30, 40 anos. Daqui a 50 anos, como é que queremos ver Portugal? Porque, depois, os problemas acumulam-se todos.

(Foto: PÁGINA UM)

E vai-se reagindo e resolvendo só os que surgem no momento, com remendos.

É. E não pode ser assim.

Mas, depois há outros projectos: o novo aeroporto, agora, também o TGV…

E pode ter certeza que daqui a 10 anos vamos estar a falar na mesma, porque não há ninguém que vá tomar uma decisão. Vamos andar eternamente nisto. E pagam-se estudos e mais estudos, sabe-se lá para que empresas. E o dinheiro vai-se gastando, e as obras não se fazem. Nem se vão fazer.

Estava a falar dos salários. De facto, pode ter subido o salário mínimo, mas o custo de vida também disparou. E temos aqui uma situação que está a levar portugueses a sair do país, o que depois também levanta outras questões. Como é que vê este desequilíbrio entre os rendimentos mínimo e médio dos portugueses e aquilo que é hoje o custo de vida?

Temos de reforçar a nossa economia. Só assim é que vamos conseguir. Com uma economia mais forte, e mais investimento de empresas que venham dar mais postos de trabalho, é que poderemos começar a aumentar impostos. Mas isto está tudo encadeado, porque não podemos ter uma carga fiscal tão grande. Não podemos exigir que as empresas, para pagarem um ordenado líquido a um trabalhador de 1500 euros, gastem 2000 e tal. Não dá. E as empresas vão para outro lado, e levam os nossos melhores. Acho um disparate, mas há quem se orgulhe de exportamos quadros e jovens, os “melhores” portugueses. Isto devia ser um alerta de que alguma coisa está errada. Devíamos era conseguir fixá-los cá, mas para isso precisamos de atrair as empresas.

O problema não está só na questão da atracção do investimento, mas também na enorme carga fiscal?

Sim. Depois, está tudo relacionado, novamente, com a Justiça. Não há nenhuma empresa que venha para Portugal que, por exemplo, queira cobrar uma dívida e que demore três ou quatro anos para conseguir fazê-lo, e que no meio do processo, o devedor apresente insolvência e que se perca tudo.

Para além de todos os custos que têm que de ter, com as taxas, de que falou há pouco.

Pois, porque é muito simples: uma empresa tem um crédito espalhado na rua, não lhe pagam, metem uma injunção. Primeiro, que uma injunção se torne título executivo, pode demorar um ano ou dois. E nesse espaço de tempo, o devedor apresenta insolvência. E não há empresas que venham para cá arriscar numa economia e num sistema judicial que não lhes dá garantias, nem respostas. E é a mesma coisa com a habitação. O problema da habitação e das rendas, no meu entender, tem vários pontos. Primeiro: o negócio dos quartos tornou-se atractivo, principalmente nas cidades onde há pólos universitários. Há muitos alunos deslocados e uma pessoa que tenha um T2 ou um T3, tem ali um bom negócio para arrendar quartos. E esse negócio só existe, porque ouvimos os governos a prometer residências universitárias, que não saem do papel. Se essas residências universitárias existissem, o negócio dos quartos descia para metade. Já ficavam mais imóveis livres para arrendar. Depois, temos outro problema, novamente, com a Justiça: um senhorio que tenha uma casa a arrendar e tenha a pouca sorte de ter um inquilino que não lhe pague a renda, para meter uma acção de despejo, pode ter que esperar dois ou três anos para que o inquilino saia da casa. E ainda pode correr o risco de o inquilino sair da casa e deixá-la completamente destruída. Depois, o que recebeu de rendas nem sequer chega para pagar as obras. E depois, as pessoas põem à venda. E vêm grupos económicos grandes que compram e fazem negócio disso.

Portanto, entende que há soluções, não é um caso perdido, e que há mecanismos que podem ser postos em prática para resolver parte do problema?

Há. Não vejo que seja tabular rendas, isso não. Porque uma pessoa se trabalha, e consegue comprar um imóvel que daqui a uns anos lhe vai servir para complementar o rendimento da reforma – que não será muito alta –, não se pode impedir que isso aconteça. Ou alguém que herde dos pais, que trabalharam e deixaram uma casa. Não pode herdar o que os pais, que pagam impostos e contribuições, deixaram? Não vamos limitar.

Então, defendem que haja um incentivo para colocar mais habitação no mercado?

Sim, mas tem de haver mais habitação no mercado e tem de haver também construção pública. Claro que há muitos agregados que não podem pagar as rendas que actualmente estão a ser praticadas. Tem de haver uma resposta pública nesse sentido. Mas, ao mesmo tempo, tem que haver fiscalização, porque, infelizmente, a ‘casinha’ pública serve para muitos anos e passam por ela muitos descendentes. E pagam rendas de cinco euros. Não pode ser. Tem de haver regras e fiscalização. E claro que se isto tudo existir, os preços acabam por reduzir, porque obrigatoriamente é a lei do mercado a funcionar, não estamos aqui a inventar nada de novo.

O RIR promove a reciclagem na criação dos seus posters e cartazes de campanha. (Foto: D.R./RIR)

E já que estamos a falar destes temas que têm estado na ordem do dia, há um outro que também foi agarrado pelo vosso partido: a Educação. E fizeram alguns alertas para o facto de haver problemas naquilo que é a alimentação escolar. Daquilo que tem tido conhecimento, é uma situação que deve ser alvo de forte escrutínio por parte das autoridades?

Sim. É uma situação grave. E eu tenho tomado conhecimento disso, porque a minha filha anda no 9º ano, numa escola pública, e tem a sorte de só ter que almoçar na escola uma vez por semana. E, coitada, eu tenho pena. Porque a semana passada ela mandou-me uma fotografia do prato de comida, e posso dizer-lhe que os meus cães comem melhor do que aquilo. E, depois, começo a ouvir relatos de pais de tios, de avós, de várias partes do país. O problema aqui é igual. E se virmos, qualquer pessoa consegue ir ao Portal Base e ver os contratos que as câmaras municipais fazem com as empresas que fornecem as refeições… E não é barato. Gastam-se milhares de euros na contratação dessas empresas para fazer refeições. Não há fiscalização? Então fiscalizem, mas não podem dar de comer aquilo às crianças. Aquilo influencia claramente o rendimento escolar dos jovens que têm menos apoio em casa e que têm de comer na escola porque é, muitas vezes, a única refeição que poderia ser mais equilibrada. E não acontece isso. Portanto, há que ter os olhos abertos. E isso nem é tanto um problema do Governo. Será um problema das câmaras municipais, porque isto é gerido pelos municípios. Os presidentes das câmaras, façam o favor de aparecerem de surpresa, sem avisar! Porque já me disseram a mim: “a mãe pode vir cá comer à escola, mas tem é que marcar”. Pois, claro, tem de se marcar para nesse dia a refeição ser melhor… Se perguntarem aos professores de todas as escolas se comem nas cantinas, todos lhe vão dizer que não. Por alguma razão será.

Portanto, as crianças também não deveriam ter essa alimentação…

Não pode ser. E depois gastam milhares de euros em campanhas de alimentação saudável, espalhadas por todo o lado. E depois, aos miúdos, dão a comer aquilo. Não pode aparecer na ementa “frango estufado com massa de esparguete”, e ser um prato só de massa e a carne ser um ‘fiozinho’. Arroz de peixe, é só arroz, e onde é que está o peixe? Refeições deslavadas, não há saladas, não há as sopas, não há sobremesa… Não pode ser. Os meus filhos não têm escalão de apoio social. Pago 1,46 euros, salvo erro, por cada refeição. Eu compreendo que, com 1,50 euros, talvez não seja fácil ter uma refeição por aí além. Compreendo que há muitos alunos que beneficiam do escalão e que nem sequer 1,50 euros paguem. Mas prefiro pagar mais – e, de certeza que, como eu, há outros pais que conseguem pagar mais –, mas que deem uma refeição em condições às crianças.

E os próprios contratos que mencionou, no Portal Base, devem prever um determinado critério de qualidade.

Sim, e não está claramente a ser cumprido, pelo país todo.

Ao nível da educação, esse infelizmente não é o único problema. Aliás, tivemos protestos, precisamente devido às condições de trabalho também dos professores, e aos seus rendimentos. Como é que vê isso, já que é apoiante também da escola pública?

Sou apoiante da escola pública porque sempre estudei em escolas públicas. Inclusivamente, a faculdade, fiz na pública, e os meus filhos também. O meu filho mais velho está a acabar a faculdade também, na pública. Portanto, apoio, e sou apoiante do SNS também. Posso dizer que sempre que precisei, mesmo em casos urgentes, fui bem tratada e fui até salva pelo SNS. Não tenho seguro de saúde. O meu marido tem, eu não tenho, nem quero. Porque eu pago impostos suficientes para receber, em troca, do Estado, alguma coisa.

Muitos políticos dos partidos com assento parlamentar têm os filhos em colégios privados ou faculdades privadas. Parece haver um sistema de castas. Um distanciamento.

Há, e esse é um dos grandes problemas da política, porque os políticos de carreira vivem numa bolha. Não conhecem a realidade, porque têm ordenados acima da média que lhes permitem fazer face a todas as despesas. Não passam por dificuldades. Conseguem ter os filhos em escolas privadas, têm o melhor da educação, o melhor da alimentação na escola, conseguem ter acesso a seguros de saúde e são tratados pelos melhores médicos especialistas. Não têm noção da realidade da pessoa normal que o RIR quer representar. E quando me dizem: “mas aquele partido tem quadros”… É uma expressão que me deixa com os nervos à flor da pele [risos]. Porque “são pessoas importantes, têm quadros”… Nós, no RIR, também temos quadros. Bastantes! Para começar, temos quadros técnico-profissionais: do agricultor, ao calceteiro e ao pescador. Esses, então, são essenciais. Depois, para os mais “esquisitos”, também temos os quadros de que eles falam: temos advogados, médicos, professores, filósofos, escritores, contabilistas. Temos tudo; o cidadão normal que trabalha, recebe o seu ordenado, que enfrenta as dificuldades e conhece realidade. E isso faz falta ao político, ao governante. Não é só daquilo que lhe dizem. Nós sabemos da dificuldade. Precisamos de ir levantar uma certidão a uma conservatória, sabemos que temos que esperar horas na fila para conseguir uma certidão. Eles não, o secretário trata de ir buscar por eles. Se há um português que quer cancelar uma matrícula no IMT, porque há uns anos vendeu um carro para a sucata, e afinal, a matrícula não foi cancelada e anda ali todos os anos a pagar IUC, experimentem fazer uma marcação no IMT para cancelar a matrícula… Não conseguem.

(Foto: PÁGINA UM)

Ou tentar ser atendidos na Saúde 24, por exemplo. Muitas vezes, tem que se carregar em algumas teclas para se chegar a algum lado.

E será uma situação grave: quando se liga para a Saúde 24 é porque se está doente ou tem o filho doente, e precisa de apoio urgente. E quando a própria linha de apoio não sabe qual é o hospital mais próximo? Ainda na semana passada, uma colega me contou que a filha estava com febre, que ligou para a Saúde 24 – ela é residente em Peniche, o hospital mais próximo de pediatria é em Caldas da Rainha – e queriam mandá-la para Coimbra! De Peniche a Coimbra?! “Mas vocês têm noção do que estão a fazer”? Não pode ser.

A Márcia é de Peniche. Sabe que o país não é só Lisboa, nem só Porto, é muito mais vasto do que isso, e tem muitas realidades diferentes.

Exacto, e esse também é um dos grandes problemas. Governam a pensar na Área Metropolitana de Lisboa. Sobre a história dos transportes públicos: dizem que as pessoas têm que utilizar para transportes públicos, aceito. Eu trabalho em Lisboa, tenho o privilégio de ter uma profissão que permite não vir todos os dias e não ter que cumprir horários de entrada e de saída. Mas vim estudar para cá, morei cá muitos anos, entretanto, voltei às origens, mas continuo a ter contacto, e por vezes venho a Lisboa de autocarro. E eu moro a 15 km do centro da cidade de Peniche, onde tenho que apanhar o autocarro. Eu não tenho como ir de minha casa para essa paragem de autocarro de carro. Tenho que ir de carro. Portanto, pelo menos 30 km tenho que fazer por dia.  Num trajecto que se faz em menos de uma hora, demoro cerca de duas horas e meia.

Quem tivesse de fazer esse percurso diariamente, seria quatro a cinco horas por dia.

Exacto. Não é compatível com uma vida familiar, por exemplo.

Ou seja, há de facto um défice em termos da disponibilidade de transportes públicos fora dos grandes centros urbanos.

Completamente. E depois temos valores de combustíveis alucinantes, em comparação com Espanha. São 20 e 30 cêntimos de diferença, que não se compreende. Tudo bem que nos digam que é da guerra. São tudo justificações aceitáveis. Mas quando olhamos para o vizinho ao lado, então como é que eles podem e nós não podemos?

Pois, a fatura acaba por ser muito diferente se pagarmos em Portugal ou em Espanha.

Sim, e estamos todos na mesma comunidade europeia. Como é que os espanhóis conseguem pagar o gasóleo a 1,40 euros e nós temos aqui a pagar a 1,80 euros? Há aqui qualquer coisa que não bate certo.

Hoje, os políticos gostam de falar nas alterações climáticas. E eu, que sou de 1974, sempre ouvi muito falar em ecologia, em protecção do ambiente. E o que é certo é que parece que caiu em desuso falar-se na proteção ambiental e, agora, só se fala em alterações climáticas. Qual é a vossa posição relativamente a isto? Até porque vamos conhecendo casos de problemas, precisamente de não se proteger o ambiente em Portugal, em várias zonas?

Sim, há grandes problemas; e com fábricas, sempre existiu, com descargas poluentes.

Pensa que há uma distração dos políticos relativamente a esse tema, e que não há um investimento naquilo que é a proteção ambiental?

Não sei se será distração, se será um empurrar com a barriga… Sinceramente, não quero saber, mas a proteção ambiental não tem sido uma prioridade. Vivo num concelho que tem praias por todo o lado. E não vejo atenção na limpeza das praias, no recolher do lixo. Muitas vezes, são iniciativas particulares de associações de pessoas que se juntam que vão fazer limpezas à praia. Não há esse interesse dos políticos. Acho que isso não traz votos e, como não traz votos, pode ficar para o lado. Quem quiser que vá, dá-se uns subsídios a umas ‘associaçõezitas’ que fazem o trabalho por nós. E depois, temos indústrias completamente poluentes. Aliás, Lisboa, há umas semanas que cheira a azeitonas, dizem. Não sei se será bem azeitonas, mas que realmente há aqui um cheiro. Tenho ouvido teorias de que será da Margem Sul, de um aterro sanitário. Mas afinal, de onde é que vem? É poluição certamente, mas não se vê isso na agenda de campanha de ninguém. Não traz votos. As alterações climáticas agora estão na moda. Isso leva à história da transição energética que, por um lado, serve para aumentar preços da electricidade e justificar o negócio que existe. Ninguém me tira isso da ideia.

(Foto: D.R./RIR)

Até porque o vosso partido defende as energias renováveis…

Sim. Mas não pode haver uma imposição, de uma forma que não seja, na prática, compatível com a vida das pessoas. Esta imposição das pessoas de terem de optar por carros eléctricos… Podem dizer que é uma grande teoria da conspiração, mas ainda ninguém me convenceu que o carro eléctrico é menos poluente que um carro de combustão. A exploração de lítio também é prejudicial ao ambiente. Não é só o petróleo.

E quando o veículo já está em fim de vida, como é que se faz?

Como é que vai ser com a reciclagem das baterias? Alguém explica isto?

Nas turbinas eólicas, as pás, têm havido essa questão…

Pois, e isto não está a ser contabilizado. E eu, sinceramente, tenho grandes receios de que isto seja um grande embuste, e que no final de contas, os veículos eléctricos não sejam menos poluentes.

Acaba por ser mais um negócio?

Sim.

A questão ambiental, defende que deve ser vista, neste caso, desde o que é necessário para a sua produção até ao seu fim de vida, e não apenas aquilo que acontece enquanto o veículo está a circular.

Exactamente. E depois também temos outro problema: se todos os portugueses agora optassem por comprar um carro eléctrico, nós não tínhamos capacidade para abastecer, não tínhamos uma rede. Colapsava tudo. Portanto, há que haver um bocado de bom senso e de equilíbrio nas propostas; não podem só impor e obrigar. Eu não gosto que obriguem a fazer.

Mas tem havido muito esse “caminhar”. E começámos por falar do recuo do nível de democracia a que temos assistido nos últimos anos. E tem havido essa imposição de medidas, uma forma de estar na política e na gestão da vida pública no caminho de imposição. Medidas que muitas vezes nem sabemos bem de onde vêm, nem com que objectivo, e impostas também ao nível comunitário, algumas positivas, outras um bocadinho mais duvidosas.

Exactamente. Pelo menos expliquem às pessoas o racional, justifiquem a razão de ser desta ou daquela medida. E o que me deixa mais triste no meio disto é que a maioria das pessoas não questiona a razão de ser das coisas; não querem saber. É por isso, também, que eu ando nisto: para alertar, tentar abrir as mentes das pessoas, porque não se podem resignar desta forma que se vê.

Praticamente sem meios para a campanha, o RIR apela ao voto no partido usando os meios que tem ao alcance. (Foto: D.R./RIR)

Mas tem havido uma crescente imposição de políticas que vão muito para além daquilo que é o espectro económico, digamos assim, da UE. E mesmo agora, depois da pandemia, tem estado a ser negociado ao nível da Organização Mundial de Saúde, um novo Tratado Pandémico. Não vemos muito na política, e nos portugueses, noção de como na esfera internacional já há uma grande influência naquilo que são as medidas políticas, das alterações climáticas à gestão da saúde.

Sim, em tudo. Estamos agora o ter o exemplo dos agricultores, que estão em protesto. Mas se as medidas são todas tomadas pela Europa, nós temos de ter ministros que se tentem impor e defender os nossos interesses um bocadinho mais. Como as políticas de pesca, que também são todas implementadas a nível europeu.

Ou seja, haver cooperação, mas também haver um cuidado com a realidade do país.

Exactamente. Temos de ter noção que também temos a nossa soberania e temos o nosso interesse. Portugal é o país que mais mar tem; toda a gente vem cá buscar, e não nos podemos impor? Há aqui qualquer coisa que não está bem. Temos de valorizar aquilo que somos e os nossos interesses. Claro que, depois, passam todos por uma negociação, mas nós não podemos ser o típico bom aluno do “sim, senhor professor” e aceitarmos o que nos dão, e apenas ‘mendigar’. E atenção, que eu sou europeísta; não me vejo fora da União Europeia, acho que não fazia sentido absolutamente nenhum.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Sim. Temos de ter noção que não somos assim tão insignificantes. Toda a gente gosta de Portugal, vêm todos cá passar férias, temos um clima fantástico. E, portanto, temos que nos saber impor um bocadinho.

Uma das políticas que existe e também tem estado na ordem do dia, também ao nível europeu, é a questão da imigração.  Qual é a vossa postura relativamente àquilo que deve ser a política de Portugal de receber imigrantes de os proteger e de os integrar bem, visto que uma das vossas bandeiras é também o combate à discriminação?

Sem dúvida. Não somos nada contra imigrantes. Aliás, Portugal sempre foi conhecido como um país de emigrantes. Os portugueses sempre procuraram melhor lá fora, desde muito cedo. Portanto, venham, mas venham cumprir regras e cumprir a lei. E o que notamos, neste momento, é que a imigração está descontrolada. E isso traz-nos, obviamente, problemas a nível europeu, e Portugal acompanha. E isso nota-se nos cuidados de saúde. Se nós formos procurar um médico, há muito estrangeiro e muito imigrante a fazer a mesma procura: no acesso aos serviços públicos, conservatórias, juntas de freguesia…

(Foto: D.R./RIR)

Ou seja, não está a ser acautelada a vinda de imigrantes e a capacidade de resposta dos serviços?

Não está. Não estamos a conseguir dar resposta. Primeiro que tudo, não está a ser fiscalizada a entrada dos imigrantes em Portugal. Tem condições para vir, cumpra as regras. Tem contrato de trabalho? Se não tem, vai morar onde? É o mínimo que se pode fazer.

E em que em condições…

Sim, porque senão depois é o que nós assistimos: temos 20 pessoas a morar no T1.

E muitas vezes, infelizmente, a ser alvo de redes de exploração.

Sim! É isso que nós queremos em Portugal? Temos, espalhados pelos campos do país, milhares de estrangeiros que trabalham a 3,50 euros à hora. E dizem “os portugueses não querem fazer o trabalho”; pois, claro que não! Mas ninguém deveria fazer por esse valor! É a mais pura das explorações. Mas toda a gente sabe isto. Aliás, há presidentes de junta que têm explorações agrícolas, que contratam esses serviços, e sabem isto.

Aproveitam a vulnerabilidade.

Sim, é negócio. Isso não pode ser. Claro que a imigração faz-nos falta, até para equilibrar a segurança social, porque nós estamos a envelhecer. A sociedade está a envelhecer, e precisamos de reformas, e alguém tem de sustentar isso. Mas não pode ser como estamos a ver. Acabaram com o SEF, porque existia corrupção. Criaram a Agência para a Integração, Migrações e Asilo [AIMA], mas está a ser um autêntico desatino. Um estrangeiro que queira renovar a autorização de residência não consegue uma marcação em nenhuma conservatória do país. Não dá, o sistema não funciona.

Ou seja, mesmo que queira seguir as regras, não há resposta.

Sim, mesmo que queira continuar legal, arrisca-se a que o cartão perca a validade e que deixe de ser um cidadão exemplar, porque o sistema português não dá resposta. Venham, são todos bem-vindos, mas cumpram regras e a lei. Nesse aspecto, eu sou muito legalista. Se todos cumprirem a lei, conseguimos mais ou menos conviver saudavelmente dentro da sociedade portuguesa. E tem de haver um respeito. Os meus sogros foram imigrantes no Canadá e eles dizem, tiveram de se adaptar à realidade deles e de cumprir os seus hábitos. E tudo correu bem. E isto é o que milhares de pais e de avós também fizeram. Portanto, não temos de ser contra, não temos de discriminar; pelo contrário. O que vemos agora é os nossos filhos a emigrarem, à procura de algo melhor noutro país. Portanto, ser contra a imigração é completamente descabido.

Imagem de campanha do RIR. (Foto: D.R./RIR)

Tem é de haver regras?

Sim, e também cabe ao Estado controlar o que se passa, e não permitir que negócios paralelos sobrevivam à conta disto. Porque depois, isto beneficia quem explora campos agrícolas, quem tem barcos de pesca. E com os salários que são pagos… Nas habitações, é muito mais atractivo arrendar a 100 euros por pessoa e ter 20 numa casa, do que arrendar a uma família a 500 ou 600 euros de renda. E já é uma renda alta. Portanto, isto tudo está a desequilibrar a sociedade. Faltam regras, falta fiscalização, falta tudo. Mas porque é que não fazem? Não sei.

Em termos de objectivos do partido, o que é que pode nos dizer, não só sobre estas eleições, mas para o futuro? Como é que vê o RIR? O que é que gostariam de alcançar?

Gostava muito, ficava muito contente, se conseguíssemos eleger um só deputado. Era o suficiente, porque eu tenho a certeza que a partir do momento em que lá chegássemos, já não saíamos.

Seria uma voz activa?

Sim, de bom senso e de equilíbrio, de tentar construir consenso. Porque se formos ver, neste momento, as mensagens de todos os líderes dos partidos são exactamente iguais. As promessas… “Temos de melhorar isto e aquilo”. Todos dizem o mesmo. E a pessoa fica a pensar: então, quais são as diferenças? O problema é que depois, na prática, não o fazem. Temos o factor favorável de, efectivamente, viver a realidade, de termos pessoas de várias áreas nos órgãos do partido. As nossas reuniões partidárias são verdadeiras tertúlias. E temos consciência da realidade, porque são pessoas de todo o país. E isso faz falta dentro do Parlamento. Nem tinha de ser eu, qualquer um deputado eleito pelo partido RIR era importante.

Imagem de campanha do RIR. (Foto: D.R./RIR)

Sente que a democracia em Portugal sairia reforçada se houvesse uma maior diversidade e um maior número de partidos representados?

Sem dúvida. Nesse aspecto, a Iniciativa Liberal [IL] foi o partido que tentou dar algum contributo, com o círculo de compensação nacional, que não é nenhuma invenção. Nos Açores têm e funciona. Portanto, não era nada de extraordinário. E fazendo um círculo de compensação nacional, muitos dos votos não seriam desperdiçados. Acabava a história e a propaganda do voto útil. Porque eu não posso aceitar que o voto seja diferente – quando votam no partido do poder, é um voto útil. O voto no RIR é um voto “inútil”? Não é. É um voto igual ao outro e, portanto, são todos úteis. Há que transparecer na Assembleia aquilo que as pessoas escolhem, e que querem que se faça sentir. E, se isso tivesse sido aprovado – a proposta da IL – o RIR estava no Parlamento desde 2019.

Portanto, é algo que defende que deveria voltar a estar em cima da mesa?

Devia. Aliás, todo o sistema deveria ser revisto, porque eu tenho a certeza absoluta que nem o líder do PS, nem o líder do PSD, sabem montar uma candidatura eleitoral. Não sabem que passos têm que dar e a burocracia que existe. São processos da Idade da Pedra, tudo em papel. E basta falarem com o escrivão de um tribunal, com um juiz, e vejam como é um sistema totalmente ultrapassado. Isso, e o voto: porque é que não existe o voto electrónico, se nós temos nos nossos telemóveis o banco, as Finanças, os nossos documentos oficiais? Já assinamos digitalmente tudo e mais alguma coisa, porque é que não podemos votar electronicamente? Portanto, há muito para evoluir.


Pode consultar AQUI o programa do RiR para as Legislativas de 2024.


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