Estátua da Liberdade

A caminho do totalitarismo

Statue of Liberty in New York City under blue and white skies

por Luís Gomes // Março 27, 2022


Categoria: Opinião

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Por diversas vezes, usamos a expressão Estado Totalitário para definir um Estado marcado pela inexistência de direitos, garantias e liberdades, a par com uma forte repressão da população, incluindo a pena de morte.

Existe sempre alguma dificuldade em defini-lo; no entanto, amiúde recorre-se a duas formas extremas que ocorreram no passado recente, em particular nas décadas de 20, 30 e 40 do século passado: o Fascismo e o Socialismo.

Em relação ao primeiro, vem-nos de imediato à memória o regime fascista italiano de Benito Mussolini e o regime nazi de Adolfo Hitler. São exemplos paradigmáticos de regimes totalitários. 

Como podemos caracterizar as principais diferenças entre Fascismo e Socialismo? No primeiro, permaneceu a existência da propriedade privada dos meios de produção; ou seja, existiam donos de fábricas, lojas e escritórios. No segundo, nada disso, atendendo que todos os meios de produção eram colectivizados; o Estado tornou-se o único proprietário e, por essa razão, a iniciativa privada e o livre mercado eram inexistentes.

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Mas será que a diferença era assim tão expressiva? Efectivamente, nos regimes fascistas existia propriedade privada, mas apenas no papel. Na verdade, o Estado determinava o que se produzia, em que quantidade, os métodos de trabalho, como era distribuído o resultado da produção, os salários, os preços, bem como os dividendos que os proprietários podiam receber. Na prática, um planeador central do regime condenava o proprietário a assumir um papel de mero “pensionista”, ou mesmo um fiel depositário dos títulos de propriedade, em lugar de um empreendedor movido pelo lucro. 

Segundo os fascistas, o bem comum estaria sempre acima dos interesses mesquinhos e egoístas de cada indivíduo que constitui a sociedade.

Os planeadores centrais sabiam o que era melhor para cada membro. Neste sentido, nada melhor que a frase definidora do fascismo de Benito Mussolini: “Tudo dentro do Estado; Nada fora do Estado; Nada contra o Estado”. A negação do capitalismo e do livre sistema de preços era uma característica comum a estes regimes.

Em que regime vivemos presentemente?

Desde 2020, estamos a entrar na nova etapa do regime criado com o término dos acordos de Bretton Woods em Agosto de 1971: um regime “socio-fascista” suportado na total digitalização e vigilância permanente de toda a sociedade, castigando qualquer dissidente com um único propósito: evitar a queda do gigantesco esquema em pirâmide que é hoje o sistema monetário internacional, dominado pelo Dólar norte-americano (USD) desde o final da segunda guerra mundial, que favorece em exclusivo um grupo restrito de pessoas.

Como se sustém um esquema em pirâmide? Evitando que as saídas superem as entradas de novo dinheiro.

1 U.S.A dollar banknotes

O Sr. Madoff, nos Estados Unidos, dizia aos seus investidores que caso saíssem não mais podiam regressar ao “clube exclusivo” que constituía a sua “mágica estratégia de investimento”. No caso do USD, este é protegido pelo exército norte-americano: sempre que um país ameaça deixar de realizar comércio internacional em USD, ou coloca em questão a hegemonia do USD, a sua invasão é inevitável – a deposição de Muammar al-Gaddafi, na Líbia, foi imediata assim que este tentou implementar uma divisa ligada ao ouro.

O que se alterou em Agosto de 1971, que permitiu tornar o esquema em pirâmide ainda mais gigantesco? O USD deixou de ser convertível em ouro; o activo do Banco Central, em lugar do ouro, passou a ser a dívida pública emitida pelo Tesouro norte-americano. O dinheiro, que é uma invenção do livre-mercado, por essa razão o ouro foi o dinheiro da humanidade durante cinco mil anos, passou a estar nas mãos de um planeador central, tal como um regime socialista. As taxas de juro – em lugar de resultarem da oferta e procura por poupança – e a quantidade do dinheiro em circulação passaram a ser ditadas por um “comité central”, ao melhor estilo de uma ditadura comunista.

A partir desta data, os bancos centrais passaram a emitir moeda sem fim, a âncora ouro deixou de constituir um obstáculo – inflação imparável. O que aconteceu à dívida pública norte-americana desde então? Como podemos observar na figura seguinte, subiu ao ritmo de 8,9% ao ano, multiplicando-se por 71 vezes desde então.

Evolução da dívida pública norte-americana (em biliões de USD) desde o final de Bretton Wood em 1971. Fonte: Fiscal Data (análise do autor)

O mesmo aconteceu a países como Portugal, Itália, Grécia e Espanha desde a adesão ao Euro, onde um gigantesco banco central, o Banco Central Europeu (BCE), encarregou-se de patrocinar a orgia de crédito e gasto público: Jogos Olímpicos em homenagem aos clássicos gregos, estádios faraónicos sem espectadores, aeroportos sem aviões e passageiros, duas e três auto-estradas a cobrir o mesmo trajecto, parcerias público-privadas onde o privado obtém retornos chorudos e sem risco, projectos de comboios de alta-velocidade que nunca saíram do papel, “pandemias” com as clientelas eleitorais sem trabalhar e a ver séries Netflix…

Um sem fim de glórias eleitorais, apesar de algumas bancarrotas pelo caminho.

A impressora dos bancos centrais, para além de comprar as classes dirigentes, também tem servido para destruir o capitalismo e proporcionar uma concentração empresarial sem precedentes, o tal fascismo de um conjunto restrito de grandes empresas globais que tudo dominam. Um dos exemplos paradigmáticos é a Netflix – um dos veículos da propaganda do presente regime e um enorme esquema em pirâmide.

A subida da sua cotação na bolsa de valores norte-americana é do domínio da quinta dimensão: do início de 2009, em que cotava em torno dos 5 USD por acção, à sessão de 25 de Março de 2022, em que encerrou a cotar nos 373 USD por acção, registou uma subida de 7.141%.

Evolução da cotação (USD oor acção) da Netflix. Donte: Yahoo Finance (análise do autor)

A Netflix é, há anos, uma autêntica máquina trituradora de fundos.

Como evita reflectir tal situação na sua conta de resultados? Capitalizando as despesas que efectua na produção de séries e filmes, para depois provisionar apenas uma parte na sua conta de resultados. Como o crescimento das despesas na produção de conteúdos está sempre a subir, constituindo na prática um autêntico esquema em pirâmide, a sua conta de resultados pode exibir uns resultados suculentos, apesar de estar a queimar caixa como se não houvesse amanhã. Este é o capitalismo servido pelos bancos centrais!

Em que consiste o modelo de negócio destas empresas? Vender um serviço ou um produto ao mercado a um preço que não cobre nem de perto nem de longe os seus custos operacionais. Ou seja, a perder sistematicamente rios de dinheiro, mas adquirindo rapidamente clientes e quota de mercado, assente em preços predatórios, justificados quase sempre pela “tecnologia revolucionária” por detrás do “inovador” modelo de negócio.

Ora, num capitalismo com taxas de juro que reflectissem a oferta e a procura por poupança, em lugar da decisão arbitrária de um “conjunto de iluminados”, as taxas de juro seriam consideravelmente mais elevadas que as actuais, obliterando por completo a existência de tais negócios. Teriam, certamente, uma existência de apenas alguns meses, em lugar de estarem anos sem fim a receberem novos fundos dos seus accionistas, enganados pelas taxas 0% dos bancos centrais.

O dono de um restaurante recém-aberto, com poucos clientes e com perspectivas pouco optimistas, enfrenta de imediato escassez de liquidez. Qual a consequência mais provável? Fechar portas.

O capitalismo é precisamente isto: satisfazer as necessidades de um cliente com lucro – essa palavra tão abominada nos dias que correm –, caso contrário haverá lugar para outros. E tem de  haver, a todo o momento, respeito pelas regras do jogo: propriedade privada e acordos assinados entre as partes (clientes, fornecedores, autoridades…).

Como funciona o capitalismo patrocinado pelos bancos centrais? Garantido aos “gigantes tecnológicos” uma fonte inesgotável de fundos grátis, através dos mercados de capitais, em particular junto dos que possuem dimensão e liquidez, como é o caso das bolsas norte-americanas.

Como sobrevivem estes gigantes anos a fio a “queimar caixa”? Por que razão não estão sujeitas às leis económicas do “Restaurante do Zé” ou do “Bar do Tó”?

Tudo se deve à repressão financeira dos bancos centrais, que proporcionam dinheiro grátis a estes desastres empresariais: sobrevivem graças a uma fonte inesgotável de fundos grátis, esta é a actual realidade dos mercados de capitais norte-americanos.

Vamos supor que uma obrigação proporciona um pagamento de 10 Euros todos os anos, tal como se ilustra na figura seguinte. Se o leitor investir apenas 100 euros na aquisição dessa obrigação, a taxa de juro que irá receber será 10%; se investir 200 euros será 5%; mas se investir 2000 euros será apenas 0,5%. Vamos resumir:

a) O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 10% é 100 Euros;

b) O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 5% é 200 Euros;

c) O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 0,5% é 2 000 Euros.

Análise do valor de uma obrigação com um cupão anual de 10 Euros (valor actual vs. rendibilidade)

A uma taxa de juro mais elevada corresponde um valor actual menor e vice-versa.

Vamos agora imaginar que um investidor tem as seguintes expectativas para a empresa ABC, tal como ilustrado na figura seguinte. Hoje, perde muito dinheiro, mas, num futuro longínquo, supõe-se que irá ganhar imenso dinheiro, em resultado de actuar praticamente em monopólio, depois de ter arrasado a concorrência através do dumping de preços e por confinamentos decretados em nome de uma “pandemia”.

Na figura podemos ver que no primeiro ano a empresa perde 250 Euros; ao longo do tempo, espera-se que vá diminuindo as perdas, até que no 9º ano começa a apresentar resultados positivos, passando, a partir daí, a crescer todos os anos a 0,5%.

Expectativa para os resultados (em euros) da empresa ABC

Qual o valor actual dos resultados futuros caso sejam descontados com diferentes taxas de juro? Se descontarmos a 10%, 5% e 4%, trata-se de um investimento não interessante, tal como podemos observar na figura seguinte.

No entanto, para valores inferiores a 4%, o valor actual passa a ser positivo; quando se aproxima dos 0%, o valor actual começa a subir de forma exponencial. Trata-se precisamente do fenómeno que acontece com os mercados financeiros da actualidade. Esta a explicação para as valorizações estratosféricas a que vimos assistindo!

Valor actual de uma empresa com vários cenários de taxas de juro (%)

Se o preço do dinheiro reflectisse o resultado da oferta e procura por poupança, nunca tal situação teria lugar.

Há umas décadas atrás, os depósitos bancários faziam concorrência aos mercados capitais: e porquê? O seu negócio passava por captar poupanças a 4%, 5% e 6% e proporcionar empréstimos a pequenas e médias empresas a 8%, 9% e 10%, obtendo receitas da diferença entre os juros recebidos e os juros pagos aos seus depositantes.

A aplicação de poupanças em pequenos negócios era realizada de forma indirecta, através do sistema bancário, atendendo que este proporcionava condições de remuneração competitivas. Era uma concorrência às bolsas de valores, algo que deixou de o ser no “Novo Normal”; agora só resta investir na bolsa.

Os bancos centrais, na ânsia de “dar uma mão” a governos falidos e grandes empresas, ao decretarem, de forma administrativa, taxas de juro 0%, eliminam a competitividade dos bancos comerciais, pois deixam de proporcionar condições de remuneração atractivas aos aforradores. Os bancos comerciais passam a poder financiar-se “gratuitamente” junto da “máquina de imprimir notas” do banco central.

Os aforradores são forçados a encontrar alternativas, nem que seja jogar na “roleta”, sem terem a percepção de que estão a jogar na roleta. A repressão financeira efectuada pelos bancos centrais, ao colocar os juros a 0%, obriga os investidores a correr para os mercados de capitais e a realizar propostas de compra totalmente especulativas. Quem beneficia? As grandes empresas norte-americanas com acesso às gigantes bolsas de valores norte-americanas – as que proporcionam liquidez, oportunidades e dimensão.

Neste ambiente de taxas de juro a 0%, não é uma casualidade que o índice NASDAQ 100 tenha subido 1.150% entre 2009 e 2022, tal como podemos constatar na figura seguinte.

Evolução do índice Nasdaq 100 entre o final de 2008 e Março de 2022. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor)

Por que razão foi tão positiva a evolução para as empresas tecnológicas que constituem este índice?

As receitas potenciais futuras aumentaram consideravelmente, pois os pequenos negócios estão obliterados por confinamentos nunca vistos na História da Humanidade, e onde a interacção entre as pessoas tornou-se crescentemente digital. Por outro lado, a permanente supressão das taxas de juro por parte dos bancos centrais empurrou as valorizações para a estratosfera.

Nem nos nossos melhores sonhos ocorreria tal evolução para os salários da plebe, confrontada agora com uma inflação sem precedentes, em resultado desta orgia de inflação servida pelos bancos centrais. Enquanto os lacaios da Sra. Lagarde restringiam a actividade económica, encerravam pequenos negócios, limitavam a liberdade de circulação, suspendiam o direito à educação, eliminavam o direito à assistência médica, suspendiam manifestações, censuravam dissidentes, limitavam a liberdade de expressão, esta imprimia quatro biliões de Euros (12 zeros atrás do 4!) entre 2020 e o início de 2022!

Evolução dos activos totais (em biliões de Euros) do balanço do BCE. Fonte: Fred Economic Data (análise do autor)

Quais as consequências de tal política?

As principais matérias-primas sobem ao “céu”, tornando a vida miserável para as classes mais desfavorecidas, com a inevitável recessão económica a curto prazo.

Entre o final de 2019 e o final de Fevereiro de 2022, entre outras, a Madeira subiu 230%, a Aveia 139%, o Gás Natural 101%, o Café 81% e o Milho 80%, apesar da Sra. Lagarde e lacaios dizerem-nos agora que tudo é culpa do Sr. Putin.

Variação de preço (%) das principais matérias.primas entre o final de 2019 e fim de Fevereiro de 2022. Fonte; Yahoo Finance (análise do autor)

Para evitar que o esquema em pirâmide não desabe, a repressão sobre a sociedade acentuar-se-á da seguinte forma:

O dinheiro físico será eliminado, dando lugar à moeda digital dos bancos centrais. Desta forma, ninguém poderá retirar notas do sistema, passando a haver apenas saldos electrónicos disseminados por carteiras digitais e saldos bancários, obviamente sob vigilância das autoridades;

Ninguém poderá fugir ao confisco de juros negativos, dado que deixamos de levantar notas dos bancos e a guardá-las em casa ou no bolso. Se as autoridades decidirem implementar juros negativos sobre os depósitos bancários não haverá fuga possível, pois apenas posso movimento o saldo do banco A para o banco B ou da carteira A para a carteira B;

O anonimato do dinheiro físico irá desaparecer: cada cidadão irá receber uma carteira digital do estado, movimentada apenas por dispositivos associados a uma identidade digital. Nem as Criptomoedas irão escapar, tal como decorre da proposta de lei na União Europeia para regular estes activos digitais (ver proposta), onde se pretende a identificação exaustiva de cada movimento financeiro;

A moeda digital dos bancos centrais será programável, podendo haver limites de consumo, justificados pela protecção do ambiente – “já encheste o tanque demasiadas vezes” – ou castigo por algum comportamento considerado repreensível pelas autoridades;

A identidade digital será obtida através da recolha de dados genéticos dos cidadãos – a coacção para uma vacinação experimental foi um primeiro passo. Em lugar de um cartão de cidadão, iremos ser um chip em movimento, vigiado 24 horas por câmaras e dados recolhidos pelas grandes empresas tecnológicas e transmitidos às autoridades.

A eliminação de dissidentes já não será através da força, sem prisões ou execuções: bastará o congelamento da carteira digital do cidadão para o fazer desaparecer. O tirano do Canadá já iniciou há semanas esta experiência;

A informação será absolutamente censurada, controlada por um oligopólio de empresas que define a narrativa oficial que devemos seguir. A Google já nos informa carinhosamente porque a censura é necessária – why censorship is important. É pelo bem comum, tal como proclamavam os fascistas.

Estamos a caminhar para um autêntico regime “Socio-Fascista”.

Adolfo Hitler ou Stalin não imaginariam tal, nem nos seus melhores sonhos.

Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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