Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal

‘Estamos sempre do lado que defende mais liberdade’

minuto/s restantes

Assumiu a presidência da Iniciativa Liberal em 2023, sucedendo no cargo a João Cotrim de Figueiredo. Aos 53 anos, Rui Rocha é o rosto do liberalismo em Portugal. Licenciado em Direito, gestor e antigo ‘enfant terrible’ no Twitter, o presidente da Iniciativa Liberal acredita num crescimento no partido nestas legislativas, fruto do descontentamento dos portugueses perante os casos de corrupção e degradação das condições de vida no país. Atacando o ‘barulho’ do Chega na campanha eleitoral, aponta o caminho para melhorar a vida dos portugueses, que passa por ‘menos Estado’ em diversas áreas. Esta é a sexta entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.



OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE RUI ROCHA, PRESIDENTE DA INICIATIVA LIBERAL, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


É um político relativamente jovem, e está num partido que também é relativamente jovem. Há muitos desafios nesta altura, não só no país, e desafios que são conhecidos, como a crise na Habitação e na Saúde, mas temos também problemas estruturais que já vêm de trás. Como um partido jovem, a Iniciativa Liberal tem trazido propostas diferentes do habitual.  E começo a entrevista por aqui: quais são algumas das principais propostas que têm para os portugueses nestas eleições?

Eu concordo que a Iniciativa Liberal [IL] tem propostas diferentes, muito diferentes mesmo, daquelas que outros partidos apresentam. A primeira proposta é mesmo a do crescimento económico. Para a IL, o crescimento económico é determinante, e nós, sem entrar ainda no detalhe, vemos que o primeiro passo para esse crescimento económico passa por duas áreas fundamentais: primeiro, a descida de impostos para as pessoas, e uma descida significativa no IRS – a mais ambiciosa que os partidos políticos põem sobre a mesa é nossa.

(Foto: D.R.)

E, depois, uma outra parte virada para as empresas, onde temos uma abordagem que passa pela simplificação dos licenciamentos de actividade, a eliminação ou redução daquelas taxas e taxinhas e as burocracias e mesmo as taxas que se pagam. E ainda uma terceira, que diz respeito ao próprio IRC e às derramas, também com uma descida significativa. Porque propomos isto? Porque entendemos que este é o primeiro passo – não é o único, mas o primeiro passo –  para que consigamos, por um lado, que as empresas portuguesas cresçam. Isso é muito importante para nós, porque precisamos de mais produtividade, de mais capital investido, de mais é ciência, mais tecnologia, mais inovação. Isso faz-se libertando capital às empresas e precisamos de atrair capital estrangeiro, investimento estrangeiro que ajude também a produzir esses efeitos que pretendemos com o objetivo final é que os salários em Portugal cresçam, nomeadamente o salário médio. A única forma que conhecemos deste salário poder aumentar é com a economia a funcionar, portanto, isso é uma primeira prioridade. É uma abordagem muito ambiciosa da IL.

Depois, a área da saúde, e aí também nos distinguimos por ser a única proposta que implica uma reformulação estrutural do acesso à saúde. Aquilo que temos hoje, diria que há um sistema de acesso universal a listas de espera. A IL quer um sistema de acesso universal a cuidados de saúde, pondo a decisão no utente e não numa decisão pré-definida, nomeadamente pelo poder político. O utente, quando tem necessidade de um tratamento, consulta ou de uma urgência, deve decidir qual é o prestador que mais lhe convém: se é público, perfeito; se é privado, ótimo; se é do setor social, excelente. Mas é ele que sabe, ele deve saber qual é. A singularidade disto é que estamos a propor coisas que já têm provas dadas que funcionam. Funcionam na Alemanha, funcionam na Holanda. Queremos que o acesso à saúde dos portugueses tenha esse mesmo nível de qualidade e de rapidez que encontramos em países como esses. Isso implica uma reflexão sobre a função do Estado no que diz respeito à saúde.

Para nós, é uma mudança muito grande na forma de estar. Há uma mudança grande. O Estado deve ser financiador deste acesso, deve ser regulador, mas não tem de ser – nem deve ser – o único prestador. O objetivo final é que haja um acesso à saúde mais rápido, de maior qualidade para as pessoas, sem que elas paguem mais.

(Foto: D.R.)

Terminando ­– falando de alguns temas fundamentais neste momento –, temos também uma abordagem muito clara para habitação. São precisas mais casas em Portugal. Precisamos de mais casas e temos que trazer mais casas para a disponibilidade, para a oferta. Temos também uma proposta baseada em três pontos, que vou simplificar, que são os da celeridade nos licenciamentos… Mais uma vez, a burocracia. Esse é um ponto que está sempre presente nas nossas propostas: simplificação; desburocratização. A questão dos impostos também [está] muito, muito presente nas nossas propostas. Estamos a falar, sobretudo, de baixar o IVA da construção. Porque aquilo que se paga em IVA de construção, hoje, para determinados fins, é o mesmo IVA que se paga para a compra de um iate. Isso não faz sentido. Se a habitação é um bem essencial, não pode ter uma tributação de bem de luxo. A eliminação do IMT na aquisição de habitação própria e permanente… Por exemplo – que, infelizmente é um exemplo já mais comum – se comprar uma habitação por 250.000 euros, o IMT vale 7.000 e tal euros. Quando estamos a falar de comprar por de 300.000 euros, vale já 11.000 e alguns euros. Apesar de tudo, [é] um peso grande num momento em que as pessoas já estão a fazer um esforço para a aquisição de habitação. Esse, que é o imposto mais estúpido do mundo – nas palavras de António Guterres –, pois cá persiste passados 30 anos. É preciso eliminá-los também para baixar o custo da habitação.  

Depois, uma coisa que nos parece elementar: justiça. Se a habitação é um bem essencial e se estamos num momento de crise, os devolutos do Estado, os edifícios do Estado, as habitações de que o Estado é detentor – que estão ou abandonadas ou não se sabe exatamente onde estão ou para que servem – deviam ser postos ao serviço das populações, permitindo que privados pudessem licitar esses devolutos do Estado e pudessem colocá-los à disposição de quem procura habitação, através de um sistema de renda acessível.

Aqui está o sumário de uma visão que é muito diferente da IL, daquela que todos os outros partidos apresentam para pontos essenciais da vida dos portugueses.

Em resumo, também há aqui menos Estado. Há aqui um tentar que o Estado deixe de estar tão presente.

(Foto: D.R.)

O Estado, em várias áreas –  e mencionou aqui, por exemplo, também a questão da habitação  tem lucrado com o facto de haver uma crise na habitação e com esta alta dos preços, tem lucrado com a inflação…  Esse é um aspeto que não tem havido uma grande justiça para os portugueses, visto que “levam” com a crise, mas há quem esteja a lucrar, nomeadamente o Estado.

Pois. Há quem fale muito de lucros extraordinários. Na verdade, o Estado tem tido – chamemos-lhe assim –, se não lucros, mas, pelo menos, receitas absolutamente extraordinárias. A receita de IVA anual, por exemplo, aumentou nos últimos anos 7.000 milhões de euros. Estamos a falar de muito, muito, muito dinheiro, mas acho que o problema é fundamental. É até para lá da questão do esforço fiscal a que os portugueses são sujeitos. E é verdade que são sujeitos a um esforço fiscal grande. Portugal tem o quarto o esforço fiscal mais alto da Europa, que resulta de impostos que estão, em termos absolutos, na média da União Europeia, mas a riqueza que temos é bastante abaixo. O esforço que estamos a pedir aos portugueses é bastante mais alto. Não é a mesma coisa a pagar 500 euros de impostos em Portugal ou pagar 500 euros de impostos na Alemanha, com o nível de rendimento que a Alemanha tem por contraposição com Portugal. Há um esforço fiscal muito grande para os portugueses. Mas ainda é pior do que isso. Porque à medida que esse esforço fiscal cresce e que essa arrecadação fiscal cresce, o que se passa é que vemos uma degradação dos serviços públicos. Portanto, esse esforço fiscal quer os portugueses estão a fazer, não é compensado por serviços públicos que, de alguma maneira, pudessem compensar esse esforço que está a ser feito. Olhamos para a Saúde e vemos que está cada vez mais complicado. Não será por acaso que temos agora a 3.700.000 portugueses com seguro de saúde. Há poucos anos eram 2.200.000. Subiu muito nos últimos. [Há] uma procura cada vez mais pronunciada de soluções privadas de educação, colégios e está a haver aqui um abandono daquilo que são os serviços públicos porque não se lhes reconhece, qualidade e celeridade. Qual é o problema disto? É que ficam nos serviços públicos os mais desfavorecidos que não têm o poder económico para contratar um seguro de saúde ou para pôr os filhos num colégio privado, e isso condiciona muito o desenvolvimento da sociedade. Temos ainda índices de pobreza, infelizmente, muito elevados. Não fomos capazes, nos últimos anos, de os contrariar. Cerca de 20% das crianças portuguesas correm risco de pobreza.

Se cobramos muitos impostos, se os serviços públicos não correspondem, o que estamos é a criar as condições para que essa pobreza estrutural acabe por não ter condições para a combatermos ou não poder ser combatida. Porque quem não tem condições para recorrer a um serviço privado fica com uma saúde que não corresponde às suas necessidades. E quem está na escola pública também não reconhece que a escola pública esteja a funcionar. Aliás, temos, infelizmente, evidência disso com resultados dos últimos instrumentos de avaliação, o Pisa, e os próprios resultados das provas de aferição.

João Cotrim Figueiredo, antigo líder da Iniciativa Liberal e cabeça de lista do partido para as Europeias de 2024, apoiou a candidatura de Rui Rocha à liderança da IL. (Foto: D.R.)

Na Educação tem havido também algumas fragilidades. Na escola pública, por exemplo, também muitos alunos sem professor, os professores também a viverem, muitas vezes, sem as mínimas condições, terem que se deslocar para outras zonas do país. Na Educação, quais são as vossas propostas?

Fazemos um diagnóstico de que continuarmos a ter milhares de alunos sem professor durante… Termos maus resultados nestes instrumentos de avaliação, como o Pisa, que saiu recentemente, ou as provas de aferição que foram divulgadas há menos dias. Temos professores, milhares de professores deslocados, desmotivados. Temos muito poucos jovens que querem ser professores. Os cursos de formação de professores ficaram praticamente desertos nos últimos anos. Tudo isto condiciona muito a tal ideia da educação como elevador social, como a preparação para a vida e como forma de eliminar essas desigualdades, essas dificuldades, essas carências de base, que uma parte da população das nossas crianças ainda enfrenta todos os dias. Todas as nossas soluções são o decorrer da análise que fazemos que isto não pode continuar. Depois, temos um conjunto de soluções de curto prazo de emergência, digamos assim, depois uma visão estrutural para a educação.

Ou seja, também há uma a ideia na IL de que na Educação há que fazer uma reforma grande e as coisas têm de mudar bastante.

Sim, é isso que nos distingue. Em cada tema que falamos, vamos encontrar a visão da IL de reformas estruturais, de que isto já não vai lá com remendos, que precisamos mesmo de mudar o país em muitas áreas, de forma muito significativa. A Educação é uma delas, do ponto de vista daquilo que são medidas de emergência. O que estamos a trazer para o debate político… Há a possibilidade de recorrermos a professores reformados, uma vez que já se alargaram os critérios que permitem leccionar. Isso não é suficiente. Continuamos a ter evidência de milhares de alunos sem aulas a disciplinas. Entendemos que, de forma voluntária, os professores interessados, que se tenham reformado, mas que ainda se sintam com energia –, se calhar não para fazer um horário completo, mas para fazer um horário de oito horas, um horário 10 horas –, possam acumular a pensão com uma remuneração pré-determinada, para que possam contribuir para este esforço de recuperação daquilo que é a escola pública. É uma situação de emergência obviamente. Segunda medida: a questão dos planos de recuperação de aprendizagens. A governação socialista avançou com planos nessa matéria, mas o Tribunal de Contas veio dizer que a execução desses planos ficou muito aquém daquilo que seria esperado, entre outras coisas, porque não foram fixados objetivos, não foram determinadas estratégias. É quase como se tivéssemos pegado em dinheiro e tivéssemos atirado mais uma vez para cima do problema. Mas os resultados estão à vista e o Pisa, como disse, é um bom exemplo. Adicionalmente, entendemos também que é preciso reintroduzir as avaliações de final de ciclo que elas contêm para a nota, porque só isso motiva. Já vimos que as provas de aferição não motivam os alunos para o esforço de tentarem [ter] melhores notas. E, se não tivermos avaliações que são credíveis, não sabemos como é que o sistema está e corremos o risco de andar anos com o problema a agravar-se, sem podermos actuar sobre ele. Isto é a visão de emergência que temos para a Educação.

Depois, estruturalmente, baseámo-nos no princípio da autonomia e da liberdade de escolha na autonomia das escolas. Em nosso entender, as comunidades educativas são quem melhor conhece as condições locais e faz todo o sentido que sejam as escolas a fazer o recrutamento dos professores. Bem sei que, para ser completamente transparente, sou casado com uma professora do ensino público e a nossa família viveu as deslocações. A minha mulher esteve em Faro, esteve em Mirandela. Nós moramos em Braga. Portanto, na adolescência dos meus filhos, ela esteve deslocada vários anos, seis, sete anos. Deu aulas em Lisboa, em Loures. Sabemos bem que os professores, de alguma maneira, estão escaldados com as colocações feitas localmente, porque foram os critérios em determinado momento, foram pervertidos, foram criadas injustiças, mas é possível que o recrutamento seja local. Complementando critérios mais objetivos com avaliações específicas, nem todas as pessoas têm a mesma vocação para trabalhar em diferentes contextos socioeconómicos e a escola sabe melhor os alunos que têm e o perfil do professor mais adequado a cada um, a cada uma das escolas. É importante que as escolas tenham a possibilidade de estabelecer, dentro de determinada base, conteúdos curriculares também mais adequados àquilo que são os alunos, os interesses dos alunos e das suas famílias, a gestão da escola, dos horários, quando é que o ano lectivo começa. Dentro sempre determinados limites, mas há zonas do país onde, se calhar, começar um pouco mais tarde, faz mais sentido. Áreas onde há, por exemplo, muito turismo, onde os pais estão menos disponíveis para acompanhar um determinado momento: se calhar, atrasar 15 dias o começo do ano lectivo não é mau ou antecipar noutras regiões onde, por exemplo, o clima é mais adverso. Depois, as condições são adaptáveis, mas é a escola e a comunidade escolar conhece melhor as necessidades dos alunos e das suas famílias e devia haver uma grande autonomia da escola.

Adaptado, portanto.

Portanto, a nossa visão, mais uma vez, uma visão bastante diferente daquela que outros apresentam. Até porque parece haver aqui um fenómeno estranho que é de Portugal ser conhecido até por ter boas escolas, boas faculdades e dar uma boa formação ao nível universitário. Mas depois, em termos de ensino público, também os testes e os resultados estão muito aquém daquilo que poderiam ser e os últimos anos, com as medidas da grande regressão – sim, houve uma regressão, houve uma regressão nos últimos anos… É óbvio que uma parte da regressão tem a ver com a com a pandemia, com a perda de aprendizagens, mas regredimos mais comparativamente do que outros países da Europa e essa devia ser a nossa preocupação. E, independentemente de haver uma causa que pode ser a pandemia, devemos estar preocupados em como é que recuperamos agora essa perda de aprendizagens que tivemos. Não é seguramente com falta de professores e com conflitualidade laboral permanente nas escolas, que esse esforço de recuperação é viável.

E há uma questão também que depois acaba por afectar aqui mais os jovens, que é a saída de jovens e dos chamados ‘cérebros’. Recentemente, o PÁGINA UM entrevistou, Nuno Palma, economista, professor na Universidade de Manchester, que deu um conselho aos jovens de votarem com os pés e saírem do país. Partilha deste tipo de visão? Imagino que talvez não, mas…

Percebo o contexto em que isso é dito, mas acredito que podemos fazer mais, que Portugal pode fazer mais. E a luta fundamental da IL é construirmos um país, a partir de 10 de Março, em que possamos dizer aos jovens que já saíram que há uma oportunidade para voltarem, e aos que, neste momento, ponderam sair, um bocadinho com base nesse pensamento, que é possível fazermos mais, é possível termos um país diferente e é possível que haja aqui uma oportunidade para eles terem a opção de ficar. Não há nenhum problema especial na emigração de jovens quando ela é desejada, quando faz parte de um percurso de vida, quando se quer ter uma experiência, quando se quer diversificar conhecimentos. Tudo isso é ótimo, que uma ida ao estrangeiro, num contexto profissional, se faça, mas porque é uma opção, não porque é uma condenação. Aquilo que temos, hoje, os números… Ainda há relativamente pouco tempo, em 2022, mais 60.000 portugueses emigraram. É um movimento contínuo de perda de qualificações, de competências que não estamos a conseguir parar. É por isso que falamos do crescimento económico. É por isso que falamos das questões da habitação que afetam, sobretudo, os jovens, e dos salários. Tudo isso faz parte dessa economia que funciona, que tem remunerações mais altas… Também somos capazes de ter empresas com mais valor acrescentado, mais produtividade. Tudo isso faz parte dessa visão que queremos transmitir ao país, porque não desistimos dos jovens, dos salários.

Temos de lutar por um país onde os jovens podem ficar. Tenho uma visão mais otimista no sentido de dizer, é possível. Mas só é possível se mudarmos de governo. Porque, como é óbvio, a IL considera que isso é absolutamente essencial. Mas não basta mesmo mudar de governo. É mesmo preciso fazer as tais transformações estruturais de que a IL fala.

É possível fazer essas alterações estruturais e mantendo no poder esta rotatividade que tem existido entre dois partidos?

Esse é o ponto quando dizemos que é preciso alterar, mudar o governo, porque é essencial. Estes nove anos não mudaram nada de essencial no país, pelo contrário. Foram anos, em muitas áreas, perdidos ou em que tivemos até regressão. Por exemplo, no caso da Educação, como vimos, ou da Habitação ou da Saúde. Não basta mudar o governo. É preciso mudar políticas. É por isso que dizemos uma coisa que foi muito discutida em determinado momento… Porque é que a Iniciativa Liberal se apresenta com os seus candidatos e com as suas listas nas eleições? Porque é que fazíamos questão de não fazer uma coligação pré-eleitoral e de irmos com as nossas ideias? Isso era fundamental, porque não há mais nenhum partido que apresente a reforma da Saúde tal como apresentamos. Não há mais nenhum partido que apresente a reforma da Educação como apresentamos. A reforma do sistema eleitoral, que também já apresentámos aqui na Assembleia da República – [em] que vamos insistir. Não há nenhum partido que ponha o crescimento económico no centro da ação política como a IL põe, e que ponha esta ambição do país – que pode ser mais essa insatisfação com aquilo que vivemos, hoje, e essa vontade de mudar e de mudar, de mudar a série…

A IL no Carnaval de Torres Vedras. (Foto: D.R.)

Mas está disponível para entrar e colaborar, participar em coligações que surjam para viabilizar um governo?

Somos também muito claros. Da mesma maneira que dissemos que não iríamos com mais ninguém, não prescindíamos das nossas ideias, do nosso programa e das nossas listas nesta eleição, somos também muito claros sobre os cenários em que admitimos algum tipo de entendimento. Admitimos entendimento – temo-lo dito – com o PSD, será o parceiro natural para um entendimento eleitoral, com determinadas condições – as condições, mais uma vez, são fáceis de entender. Ou seja, queremos mesmo que haja uma descida de impostos para as pessoas e para as empresas e isso tem que estar assegurado, porque entendemos que é o motor da recuperação e do desenvolvimento económico e social do país. Esta visão da Saúde, que tem que ser também uma visão estrutural na reforma estrutural à Habitação, a Educação…, portanto, é mais ou menos fácil. Já sabemos que num entendimento não haverá lugar para todas as nossas medidas com um nível de ambição que possibilitem que sejam integralmente cumpridas. Mas, quer destas medidas, quer destas áreas, quer de que se trate de uma visão ambiciosa, não conformista, que não seja mudar só por mudar, só para mudarem as caras. Isso não é suficiente, tem de ser mudar a sério.

Na prática.

Depois, estes casos que aconteceram na Madeira também evidenciaram o porquê da IL ter mantido essa intenção de apresentar as suas próprias ideias e programa. Também não prescindimos de uma visão de exigência no exercício das funções públicas das responsabilidades públicas e não prescindimos de ter o mesmo critério. Portanto, dois pesos e duas medidas. Com a IL não funcionarão. Sabemos que nos sistemas humanos há situações indesejáveis que acontecem. É preciso preveni-las, mas sobretudo, depois, quando elas acontecem, é preciso agir sobre elas de forma determinada. O que não aceitamos é que se apliquem dois pesos e duas medidas a situações que são, em bom rigor, bastante semelhantes e isso fará parte das nossas exigências para a participação em qualquer tipo de entendimento.

No caso do PSD, está também aqui em coligação e, portanto, aí essa abertura, essa disponibilidade da IL também abrange…

Sim. Relativamente aos partidos que integram, a coligação AD, temos mais proximidade com algum deles, depois temos uma menor proximidade a outros. Mas creio que o fundamental é mesmo a posição que, numa eventual negociação, se possa alcançar, que tem que respeitar estes princípios, além daqueles outros óbvios que a IL não prescinde… não é de só a questão da exigência ética no exercício das funções públicas e das funções políticas de responsabilidade, são também as questões fundamentais da liberdade de expressão da liberdade individual, da autodeterminação do indivíduo, a separação de poderes. Tudo isso faz parte das ideias liberais. Seremos muito exigentes nessa matéria, mas creio que só cumprimos as nossas responsabilidades perante os eleitores e perante os membros da IL e [perante] as pessoas que votam em nós e que confiam em nós se tivermos essa exigência. Não se trata de fazer uma exigência absurda. Trata de fazer uma exigência de responsabilidade, de compromisso com aquilo que são as nossas propostas. E uma exigência, sobretudo, com os portugueses que nos apresentamos com esta visão transformadora e diferente de todos os outros partidos. Portanto, o resultado de um eventual entendimento tem de reproduzir essa visão transformadora que temos.

(Foto: D.R.)

Falou na questão dos casos na Madeira, há mais espaço dedicado a estes casos de corrupção, a casos de polícia, do que propriamente àquilo que são as propostas e as soluções para o país. E falo aqui também da questão da cobertura mediática que tem existido numa época que já é pré-eleitoral.

Defendemos, sem nenhuma reserva, a liberdade de imprensa e o critério final tem de ser mesmo um critério de quem faz a cobertura destes acontecimentos, e de quem acompanha a atividade política. Na medida em que valorizem mais as reações e as posições relativamente a estas questões, enfim é um critério jornalístico. Creio que faz parte depois da nossa responsabilidade como políticos ter uma posição sobre os factos relevantes que acontecem, mas depois de ter a capacidade também de apresentar propostas, medidas, ideias que também despertem o interesse. É um trabalho mais de quem está do lado da responsabilidade política, que eventualmente dos órgãos de comunicação social, porque esses seguem os seus critérios que são, obviamente, legítimos, absolutamente legítimos.

Existe pluralismo verdadeiro, ou seja, existe uma capacidade de os grandes grupos de comunicação social de ouvirem as propostas dos partidos, em geral?

Sei, por experiência própria, que se me pronunciar sobre um daqueles factos do dia, que suscitam um interesse momentâneo, instantâneo, se na mesma intervenção falar de um programa estrutural para a Saúde, há mais probabilidade de essa posição sobre o tema do dia ser ouvida e ser reproduzida do que o tal grande programa de reestruturação da Saúde. Há aqui uma preferência, muitas vezes, dos órgãos de comunicação social, sobre as questões que também, provavelmente, geram depois mais audiência e mais interesse. Mas é o que eu digo: creio é que tem que estar mais do lado da responsabilidade política dar corpo a essas ideias, a esses programas, essas iniciativas, de forma a gerar o interesse que equilibra aquilo que é o natural de interesse do momento, que é que nós temos também em Portugal, nesta altura infeliz. É que, de facto, têm acontecido muitas coisas, não é? Têm acontecido muitas coisas. Quer dizer, se nós olharmos, um governo caiu. Mas a pergunta é: o governo podia continuar em funções depois do círculo próximo do primeiro-ministro estar envolvido em questões que são, hoje, conhecidas e isso não é relevante? Não é relevante, do ponto de vista do interesse dos portugueses, o interesse dos órgãos de comunicação social, do interesse político, perceber como é que aquilo acontece, em que condições? Isso não revelará uma menor, uma menor exigência no exercício das funções e não deverá ser objeto de reflexão? Dois meses depois, ou pouco mais de dois meses depois, cai um governo regional. Porquê? Porque são identificados um conjunto de práticas no círculo próximo, muito próximo do presidente do governo regional. O caso Sócrates teve aqui um desenvolvimento. Ou seja, acontecem muitas coisas, mas não devemos desvalorizar isso agora. Mas isso, mais uma vez, é responsabilidade do poder político. Como é que se combate este estado de coisas? É com barulho, é com indignação, que depois não tem consequências que não sejam a de ruído que se faz e da chamada de atenção que se faz por alguns actores políticos, ou é com uma visão concreta que possa ajudar a que este tipo de situações não aconteça tão regularmente? Eu vou mais por esta segunda possibilidade. Como? Primeiro, aquilo que falávamos há pouco, não aplicando dois pesos e duas medidas a estas situações. Isso é fundamental, porque às vezes isto envolve pessoas que estão do outro lado do espectro político e é mais fácil tomar uma posição de crítica. Mas, quando envolve quem está um pouco mais próximo, temos de ter a mesma isenção, acho que é fundamental.

Tem de haver o mesmo…

O mesmo critério. Porque, senão, aí é que as pessoas não percebem. Se tivermos critérios divergentes, então é que isto fica tudo em crise, crise de valores. Isso é o que devemos evitar. Não creio que as questões da corrupção se possam combater com ruído, com vozes mais altas, com indignações inflamadas. Acho que se combatem, por exemplo, com coisas que estamos a propor: simplificação; desburocratização. Quanto mais complicado é um processo… Por exemplo, hoje, um investimento em energia fotovoltaica em Portugal implica a intervenção de 30 organismos do Estado. E, por isso, demora três anos. Num processo tão longo, é muito fácil imaginar que possa quem se queira aproveitar deste excesso de intervencionismo do Estado, excesso de processos, excesso de burocracia, para instalar um conjunto de práticas que são práticas de corrupção ou lá próximas e absolutamente indesejáveis. O que é que é melhor? A indignação inflamada, não é olharmos para os processos e ver como é que podemos simplificar como é que pode…? Como podemos pôr isto mais ágil, com menos intervenções, com menos meandros que, depois, só quem domina certos circuitos e consegue pôr em causa. Penso que é muito mais útil esta reflexão que fazemos sobre a simplicidade e a desburocratização do que uma indignação inflamada, que, no final do dia, tem muitos decibéis, mas não tem soluções.

(Foto: D.R.)

Ou seja, esta questão de alguns dos casos que temos vindo a assistir também se trata no fundo, da forma como os processos estão a decorrer e como as coisas funcionam.

Sim. Isso também nos leva a uma outra … Há a evidência de que há muita complexidade das coisas, muita, muita falta de transparência. É aí que devemos actuar. Depois leva-nos a outra consideração que também [está] associada a essa, que é a questão da Justiça. E vemos também discursos, pois é a tal história dos dois critérios ou dos critérios diferentes quando toca à porta de uns. E porque a Justiça tem uma agenda, mas quando toca à porta dos do outro lado, não. Nesse caso, a Justiça já está a funcionar. E qual é o final disto? É que os portugueses, depois, também já não acreditam na Justiça. Isso é um discurso muito perigoso. Obviamente, a Justiça tem as suas críticas ou deve sofrer também crítica. Quando olhamos para um processo como o de José Sócrates, que se prolonga por décadas, isso não é aceitável. Não é, não pode ser, mas quando a relação? Se pronuncia e diz que José Sócrates deve ser levado a julgamento por actos de corrupção, isso é ou não é a Justiça a funcionar? Eu digo que é e não vou criticar isso quando estiver num quadrante político que de que eu tenha mais proximidade. Vou dizer: a Justiça próxima é a justiça a funcionar.

Como é óbvio, quando há uma investigação que abrange as pessoas que estão no círculo muito próximo do primeiro-ministro, isso é a Justiça a funcionar. Ou não? Eu digo que é. O que é que preferíamos: que a Justiça não avançasse, que não fizesse investigação. Quando vemos a Justiça na Madeira investigar situações como aquelas que resultaram na demissão de Miguel Albuquerque, isso é a justiça a funcionar. Ou não é? É. Ficávamos mais contentes se estas investigações não acontecessem, se houvesse este tipo de práticas e não fossem investigadas? Por mim, não. Portanto, quero acreditar que, infelizmente, há uma acumulação de casos destes no tempo muito próximo, com situações graves, que implicam a queda de governos regionais e nacionais. Mas quero crer que tudo isto é feito porque a Justiça está a funcionar e é o poder político que tem que se questionar sobre o nível de exigência ética que está a colocar na condução das coisas públicas. Penso que essa reflexão é fundamental.

Na questão da Justiça, também algumas empresas, nomeadamente multinacionais, muitas vezes, um dos travões que as leva a não entrar em Portugal, a não investir, é a morosidade na Justiça e imprevisibilidade nesse campo. Tem alguma proposta sobre o que pode ser feito para minimizar esta situação?

Creio que, quando uma empresa estrangeira olha para um país, avalia três coisas fundamentalmente. Avalia a rapidez dos licenciamentos da atividade. Ninguém quer estar três anos ou quatro anos à espera de poder iniciar uma atividade. Se estiver, provavelmente vai olhar para outro país para fazer o seu investimento. Tem também, obviamente, uma preocupação com a questão dos impostos. Por isso é que queremos baixar o IRC de base para 12%. Depois, será de 15% para as multinacionais por imposição Europeia, mas o IRC de base para nós será de 12%. Precisamente, porque queremos atrair grandes empresas e empresas em geral para trazerem capital para Portugal. Precisamos muito de capital, somos muito deficitários de capital.

Depois, a questão da Justiça, obviamente. Porque se for um investidor estrangeiro e me disserem que, se tiver um problema com o Estado, posso demorar 10 anos, 12 anos a ter uma decisão no Tribunal Administrativo… Isso faz com que … Se olhar, os impostos são os que são, a Justiça tarda como tarda, os licenciamentos são também tão demorados, como são… Provavelmente, é melhor levar este investimento para outro lado. Isso tem acontecido ao longo dos anos, muitas vezes, demasiadas vezes. Na Justiça. o que temos são propostas muito concretas para a justiça administrativa. Hoje, uma decisão em primeira instância num tribunal administrativo pode demorar mais de 850 dias, em média. Estamos a falar de dois anos e meio.

Isso é uma eternidade para os negócios.

Claro. E é a primeira instância. Ainda estamos, depois, à espera depois da conclusão. Isso é uma eternidade. Na Europa conseguem fazer isto abaixo de 400 dias. Um dos cinco objetivos transformadores que apresentamos para Portugal é que as decisões em primeira instância, nos tribunais administrativos, passem para menos de um ano, reduzindo em mais de metade da duração atual. Como é que isto se faz? Por um lado, com a simplificação de que falávamos, porque quanto menos burocracia houver, menos dúvidas de interpretação se geram menos complicações, menos complexidade, portanto, o contencioso tente a diminuir.

Segunda medida importante: a introdução de um mecanismo que faça com que a arbitragem passe a ser uma solução. Quando um processo em tribunal administrativo demora mais do que um tempo determinado, passando esse tempo, o processo vai para arbitragem, permitindo às partes que tenham uma solução mais rápida. Uma outra medida para além de outras, temos no programa a criação de tribunais especializados, de competência especializada. Por exemplo, em matéria de urbanismo, que é uma matéria que tem uma complexidade grande, que gera muito contencioso, hoje, em Portugal. É preciso haver competências especializadas nessa área. Temos outras medidas no programa, todas neste sentido, mas o objetivo final é reduzirem mais de metade o tempo de tramitação de um processo em primeira instância, em termos médios.

(Foto: D.R.)

Ao nível da Comissão Europeia e da União Europeia, tem havido questões relativamente a casos também, infelizmente, de corrupção, de suspeitas, de falta de transparência. A elevada burocracia é também algo que se fala muito. Pensa que há muito trabalho a fazer também nesse campo?

Creio que há trabalho a fazer na União Europeia enquanto tal e há trabalho… Portugal também, na transposição daquilo que são, quer em termos legislativos, quer em termos da legislação que Portugal depois incorpora nas questões que dizem respeito à União Europeia. Na União Europeia, creio que temos um excesso de complexificação. Vemos que os Estados Unidos, em muitas matérias, são muito mais ágeis. A União Europeia tem uma sempre uma grande preocupação de regulamentação, de regulamentar muito cedo todas as questões. Isso é bom, até determinado limite, porque cria um contexto regulatório conhecido estável. Mas quando há excesso de regulação, também estamos a condicionar o crescimento económico.

Por exemplo, a inteligência artificial é um bom tema. A União Europeia avançou com uma regulação da inteligência artificial. Os Estados Unidos estão, neste momento, preocupados em desenvolver, e não tanto em regular ou limitar. O equilíbrio… Também não defendo a desregulação total, obviamente, mas creio que que há um desígnio de contenção no excesso de regulação que a União Europeia muitas vezes acaba por desenvolver. E uma das vantagens da presença de deputados liberais da IL, a representação dos liberais portugueses no Parlamento Europeu nas futuras eleições, é precisamente trazer esta visão, que é uma visão dinâmica que acredita muito na regulação, mas que não acredita numa regulação que condiciona totalmente a atividade económica. Na transposição, quer da visão, quer depois da legislação, Portugal tem às vezes também, estado mal.

Falávamos da corrupção. Ainda agora o GRECO [Grupo de Estados Contra a Corrupção] , a entidade que acompanha a implementação do desenvolvimento das medidas anticorrupção, veio questionar Portugal e desafiar Portugal. Porque, na verdade, há uma estratégia anticorrupção que o Governo socialista aprovou. Mas a implementação concreta das medidas, todas as medidas que dizem respeito à transparência, aos processos, e à sua estruturação, ficamos muito aquém na execução e depois somos sancionados de alguma maneira por essa visão menos abonatória que estes organismos têm. Depois, os investidores conhecem esses relatórios e entendem que Portugal tem custos de contexto demasiado elevados para a rentabilidade que podem aqui encontrar.

Ou seja, há anúncios que é “para inglês ver”…

Sim. Agora já não inglês, porque os ingleses já saíram, já abandonaram a União Europeia, mas para europeu ver. Creio que isso é verdade. Devemos evitar o excesso de regulação, mas devemos também evitar esses anúncios proclamatórias que depois não se concretizam em medidas concretas em áreas fundamentais.

Tem havido uma percepção, não só em Portugal, mas ao nível da União Europeia, há uma predominância em termos de ideologia de esquerda e uma forma de estar que não é tão próxima daquilo que é a visão da Iniciativa Liberal. Num mundo em mudança, em transformação, com cada vez maior presença da tecnologia, com o mundo em que podemos trabalhar a partir de qualquer lado, fazer negócios e investimentos a partir de qualquer lado… faz falta um pouco mais de visão liberal?

Olhando para Portugal, claramente. Depois, para a Europa, creio que falta mesmo esta ideia de dinâmica. Acho que nós perdemos, na Europa, nestes últimos anos… E fomos deixando que essa ambição esmorecesse. Fomos fazendo conquistas, obviamente muito importantes. Não é do ponto de vista da qualidade de vida e dos valores que perfilhamos, da liberdade. E isso, de alguma maneira, pode ter nos tirado esse ímpeto reformista que é verdadeiro na Europa. Essa ambição transformadora e que é ainda mais aguçada em Portugal. Essa energia liberal que nós fizemos questão de ter presente nestas eleições com os nossos programas e as nossas ideias. É algo que faz parte também dessa necessidade de revitalização da ideia Europeia. Porque parece que entrámos aqui numa espiral depressiva em alguns momentos. Tem a ver com todo um contexto, mas essa revitalização, essa energia adicional, creio que é muito necessária nesta altura.

Deixe-me só dizer um ponto que tem a ver com esta ambição ou com esta perda desta ambição, que é muito, muito importante. É que na Europa estamos num momento em que, ao contrário do que acontecia nas últimas décadas, não estamos em condições de garantir que a próxima geração vai ter o mesmo nível de vida que as gerações anteriores tiveram. Isto é um momento marcante. Porque, até agora, nas últimas décadas, foi sempre possível pensar e assegurar que a geração seguinte tinha uma vida melhor, um melhor nível de vida e melhor qualidade de vida. Isso, hoje, está em causa. E isso tem de convocar o poder político, quem tem responsabilidade política, para retomar essa energia, essa ambição. Porque não podemos aceitar como bom esse cenário em que deixamos à próxima geração uma dúvida ou até uma certeza, em muitos casos, de que vão ter pior qualidade de vida do que aquela que a geração anterior teve.

(Foto: D.R.)

Mas há correntes de pensamento, e têm saído até alguns artigos sobre isso, que defendem que até para se implementarem algumas medidas, as sociedades democráticas não são a melhor opção. E tem havido regulação aprovada ao nível da União Europeia que vem, por exemplo, condicionar a liberdade de imprensa, o que veio surpreender muitos jornalistas por se poder condicionar a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão. Também algumas medidas que foram tomadas durante a pandemia foram vistas como atentados àquilo que é até a visão liberal do mundo e de uma sociedade democrática. Começa a haver correntes que defendem que, para se implementarem certas medidas, é melhor viver em regimes não democráticos. Como é que vê estas ideias, inclusive entre partidos políticos?

Sim. Nós defendemos, sem reservas, o princípio da liberdade individual. É o princípio fundador da nossa proposta política. Assentamos toda a nossa visão política, social, económica, no princípio da liberdade individual. Na pandemia, por exemplo, a IL foi o único partido que nunca votou a favor de um Estado de emergência. Porque é que não o fez? Porque entendeu que estávamos perante situações que abriam a porta ao abuso do Estado. Creio que esse abuso do Estado aconteceu em vários momentos da gestão da pandemia, com medidas que eram francamente excessivas, que violavam de forma desnecessária aquilo que era a liberdade individual. Nós votámos sempre contra os Estados de emergência, ou melhor, nunca votámos a favor. Abstivemo-nos na primeira vez e, depois, tivemos uma posição contrária, enquanto o Chega, por exemplo, queria implementar confinamentos obrigatórios para doenças respiratórias. Estamos do outro lado desta visão do mundo que, em Portugal, pode ser corporizada por um Chega, com essa visão iliberal da sociedade.

Para nós, na dúvida, mais liberdade, mais liberdade individual. Na dúvida, mais liberdade de expressão. Na dúvida, mais liberdade económica. Na dúvida, mais liberdade social. É essa a nossa visão, claramente. Estamos sempre do lado oposto dessas visões mais iliberais que dizem que é preciso regimes mais musculados, que algumas das liberdades podem ser controlo. Porque, depois, quem paga são sempre os mesmos. Começa a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, por aí… E quando, depois, não se corta no início este tipo de vertigem ou tentação, é sempre muito mais difícil recuperar as liberdades que se perderam. Nós estamos sempre do lado que defende mais liberdade.

A pandemia trouxe a oportunidade para certas organizações poderem reforçar os seus poderes. Neste momento, Portugal e os restantes países estão a ter de discutir alterações ao Regulamento Sanitário Internacional, que vão implicar, junto com o chamado Tratado Pandémico, mais poderes para a Organização Mundial de Saúde (OMS), que é uma entidade também financiada por privados e que é vulnerável a influências de privados, alguns deles com interesses em negócios, indústrias, etc. Como pode Portugal dar esse reforço de poderes, mas manter a sua capacidade e a sua flexibilidade para poder, por exemplo, fazer como a Suécia fez na pandemia? A Suécia rejeitou algumas das medidas da OMS e geriu a pandemia com muito mais sucesso, visto que é o país com a menor taxa de excesso de mortalidade, enquanto Portugal é dos países que tem mais.

Respondo a isso dizendo que defendemos na Revisão Constitucional. Uma das questões que estava em cima da mesa nesta Revisão Constitucional e que, quer PS quer PSD mostraram disponibilidade para avançar, era que pudéssemos ter aqui confinamentos decretados por entidades administrativas, sem intervenção prévia de quem a deve ter, do poder político, a Assembleia da República, sem sequer questões de validação judicial ou constitucional. A IL tomou uma posição muito clara. Não aceitamos esse tipo de limitações à liberdade. Não se trata de não termos preocupação com a saúde, com o bem-estar das pessoas. Obviamente, não é disso que se trata. Mas, no momento em que começamos a ceder princípios fundamentais da liberdade e a permitir que decisões que são gravosas para a vida das pessoas, depois que sejam tomadas por entidades administrativas, sem nenhum tipo de validação política, manifestámos imediatamente a nossa oposição. Se isso, por acaso, avançasse, seria um daqueles casos em que faria todo o sentido que a IL fosse para a rua, convocasse os portugueses, em defesa da liberdade. Aí está a nossa posição e é uma posição que tem expressão na nossa visão constitucional.

Então esperemos que Portugal tome uma posição também nesta altura, antes de aderir as estas alterações que estão a ser feitas ao Regulamento Sanitário Internacional. Ainda há tempo. Mas, não falámos ainda de um tema que também é importante, e abrange a União Europeia, porque acaba por ser algo que é feito no espaço comunitário, que é o da imigração. E, depois, temos jovens a emigrar, a sair do país. Temos uma questão de demografia que tem que ser endereçada e da sustentabilidade da Segurança Social. Contudo, também há os desafios trazidos pelo facto de haver um grande fluxo de entrada de pessoas que não falam a língua, que vêm de outras culturas. Há países na Europa que já estão a lidar com problemas graves devido a esta esta questão. Como é que Portugal pode ter a receita certa, equilibrada, para recebermos imigrantes, mas, ao mesmo tempo não entrarmos no desequilíbrio, como acontece já em alguns países?

No que diz respeito ao fluxo que leva portugueses para o estrangeiro, as nossas propostas de que falámos, como o crescimento económico, o aumento dos salários, as questões ligadas à Habitação, também as apostas que temos em termos de transportes, para dotar Portugal de um sistema de ferrovia mais avançado… Fazem parte da nossa proposta virada para tornarmos Portugal o tal país onde quem saiu, pode regressar e quem está, pode aqui construir a sua vida. No que diz respeito ao fluxo inverso de entrada em Portugal, a primeira nota é fundamental: vemos esse fluxo de imigração como um fluxo bom para o país. Temos um país envelhecido, temos um país que tem perdido, pelas circunstâncias que conhecemos, jovens.

Temos uma visão favorável à imigração, estruturalmente, porque é uma questão de dignidade. É uma questão de respeito pelos direitos humanos e pelo direito de circulação. E isso é um princípio liberal. Mas temos também uma preocupação de que essa migração seja feita com dignidade e que as pessoas tenham condições para estar com dignidade no nosso país. O aspecto fundamental que identificamos nesta matéria é o funcionamento daquilo que era o SEF, AIMA e todas as entidades criadas nesta matéria. Porque, quando recebemos as pessoas e não há nenhum tipo de controlo, nem de estrutura administrativa, que faz o enquadramento destas pessoas em Portugal, o que temos é que as pessoas ficam numa situação de clandestinidade ou semiclandestina e vulneráveis a todo o tipo de exploração, de abuso. Isto é algo que não que nos parece desejável e que não podemos aceitar. Acho que a primeira prioridade, depois podemos discutir outro tipo de políticas, outro tipo de abordagens, mas essas abordagens partirão sempre desse princípio de sermos favoráveis a que Portugal receba a imigração. Somos um país de emigrantes e, portanto, isso faz sentido.

(Foto: D.R.)

Mas a estrutura administrativa tem de funcionar. E podemos aceitar que, depois, faça uma discussão à volta disto, mas sem que isto esteja assegurado, não há nada que funcione. Tem de haver um reforço, se calhar dessas estruturas, para que funcionem.

A governação socialista falhou em muitas áreas. Falámos delas. Falámos da Educação, da Saúde, da Habitação, mas esta não é uma das áreas que tenha falhado menos. Tudo aquilo que aconteceu à volta do SEF, a implosão dos serviços, a demora na reestruturação, a ideia que ainda não ninguém percebeu bem se era mesmo uma necessidade ou se era a necessidade do governo inventar qualquer coisa para desviar atenções daquilo que foi a implosão do SEF. Tudo isto demorou demasiado tempo. Quando dizemos que temos centenas de milhares de pessoas com processos, que estão na tal situação de semiclandestinidade, porque não conseguem que administrativamente lhes deem seguimento aos seus processos é uma área gravíssima de falhanço do Governo socialista. Depois, tem as consequências para todos, sobretudo para aqueles que estão nessas situações sujeitas a abusos e a todo o tipo de exploração, que é francamente indesejável.

Já falou em medidas, mas quais são os objetivos da IL nestas eleições? O que é que espera? Há sempre muitas sondagens… Quais são exatamente as vossas metas?

Definimos essas metas há, relativamente, pouco tempo, há pouco mais de uma semana, e essa meta é para nós muito clara. Queremos mais de 50% relativamente ao resultado que obtivemos nas eleições anteriores, de 2022. Porque é que nós entendemos que temos este potencial? Precisamente, por aquilo que fomos falando ao longo desta entrevista. Temos uma posição muito diferente. Temos uma posição muito diferente na Saúde, na Educação, na Economia, no crescimento, na Habitação. E entendemos que os eleitores, à medida que o tempo for passando e que nos formos aproximando daquilo que são as eleições, compreenderão melhor porque é que tínhamos que ir com as nossas listas, com os nossos programas e com as nossas propostas e valorizarão essa capacidade de desafiar o país, essa ambição, essa vontade de mudar, mesmo mudar o país. É um processo que vemos como sendo de crescimento ao longo desta campanha eleitoral, por diferença daquilo que são as propostas e a visão dos partidos concorrentes. Cremos que teremos a capacidade de desafiar o país, de apresentar esta ambição e de crescermos. Porque, se queremos que o país cresça e se temos a ideia de que as nossas propostas são as propostas que fazem falta ao país, então temos que acreditar que a IL vai mesmo crescer eleitoralmente.

E já é uma preparação para as europeias?

Bom, tudo é uma preparação para tudo, não é? Obviamente que, tendo esta capacidade de comunicar intensamente nesta campanha eleitoral com os portugueses, dando a conhecer a nossa visão, temos esta convicção de que isso vai ajudar todos os atos eleitorais que vierem a seguir. Esta afirmação das ideias liberais no país vai contribuir depois para os actos eleitorais seguintes.

(Foto: D.R.)

O ruído nos media na questão dos casos que têm ocorrido pode ser uma oportunidade para outros partidos, que não os do chamado arco do poder, apresentarem as propostas e os portugueses olharem agora com outros olhos, se calhar com maior atenção, para as propostas dos outros partidos?

Creio que sim, porque estamos, quer naquilo que diz respeito às condições essenciais do país, ao crescimento económico, que tem sido medíocre, aos salários, que são baixos. à emigração de jovens que continua, à natalidade, que cresce muito pouco… Com tudo isto, revela um Estado de estagnação do país que temos que combater. Isto associado a todas as questões mais ligadas aos casos, alguns casinhos, mas outros que não são casinhos, são casos graves, que temos constatado. Eu creio que isso traz aos portugueses primeiro, talvez um momento de estupefacção perante tudo isto. Mas espero, depois, que essa estupefacção seja transformada em energia para mudar. Aí uma escolha muito clara é que não vale a pena mudar para ser mais do mesmo. É aquilo que o Partido Socialista, que esteve no poder praticamente 20 e tal anos nas últimas três décadas, tem trazido. Também não creio que o PSD, por si, tenha essa capacidade de se diferenciar de forma pronunciada. Portanto, faz falta um partido com uma Iniciativa Liberal que tenha essa ambição, tenha essa capacidade, tenha isenção e esse distanciamento de tudo aquilo que foi a governação até esta data e que tem essa energia transformadora. Confio muito é que isto, esta estupefacção que os portugueses podem sentir em determinado momento, se transforme depois em energia para a mudança, mas mudança com soluções, mudança com propostas mudar. Porque alguém faz mais barulho? Tudo bem, estamos no momento de campanha eleitoral. O barulho pode até ser importante, mas e, no dia seguinte, quando for mesmo para concretizar? Soluções, onde é que estão as soluções de quem faz muito barulho? Nós temos, acabámos de falar delas. Temos uma visão concreta de medidas concretas para transformar o país.

Até porque o grande adversário dos partidos acaba por ser a enorme abstenção.

Certo, e é isso. Quem estiver em casa e olhar para tudo isto que tem acontecido no país e se não vir um partido com uma Iniciativa Liberal, com propostas concretas, com visão transformadora, com reformas estruturais, com coragem e energia, o que é que pensa? Mas vou votar nos mesmos de sempre? Vou votar naqueles que fazem muito barulho? Mas, quer dizer, o barulho não resolve. Quem é que tem as soluções para, a partir de 11 de Março, começar realmente a mudar o país?


Pode consultar AQUI o programa da Iniciativa Liberal para as Legislativas de 2024.


O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.