Se copiasse todos os exemplos, só do último mês, do jornalismo e dos habitantes do espaço público que usaram «empatia», «empático», «empatizar» para este jornal, esse acervo teria muito mais caracteres do que todos os artigos do PÁGINA UM. (Não, não é ironia. É matemática.)
Comecemos com exemplos respigados da linguagem publicada.
«Duas palavras: empatia e humildade», disse o então recém-empossado secretário-geral do Partido Socialista, em 13 de Janeiro de 2024, palavra que repetiria, assim como outros dirigentes políticos, na campanha eleitoral, designadamente nos debates das legislativas. Para muitos problemas de Portugal, não poucos políticos apresentam-nos a solução em sete letras: empatia. Muito recentemente, houve até quem apresentasse a solução para os protestos da polícia e demais sectores profissionais da seguinte forma: «É preciso empatia.»
Outro exemplo, desta vez do jornalismo: «A empatia, de uma forma geral, é enganosa, mas, na área artística, sofre do eterno défice: não chega a 1 %.»
Neste fim-de-semana, no programa televisivo A Grandiosa Enciclopédia do Ludopédio, falavam das grandes duplas futebolísticas e, em dada altura, disseram que dois futebolistas… jogavam com… grande… empatia. Zeus!
É impossível passar um só dia sem ser inundado dos vocábulos «empatia», «empático», «inclusão», «inclusivo» e seus familiares.
Quer insultar alguém? Diga que lhe falta empatia.
Como se resolvem todos os problemas do mundo? Com empatia.
O uso descomedido do vocábulo «empático» e da expressão «com empatia» redundou no inevitável: qualquer palavra que seja utilizada imoderadamente acaba por perder precisão semântica. Hodiernamente, em muitas situações, encontramo-las («empático», «com empatia», «empatizar») para exprimir conceitos distintos (e alguns distantes dos dicionarizados), como «compassivo», «compreensivo», «carismático», «simpático», «com inteligência interpessoal (acima da média)» (diferente de «inteligência intrapessoal»). Quando alguém adjectivar outro como sendo «empático», pergunte-se-lhe a definição.
Temos de ser «empáticos», temos de ser «inclusivos», temos de cultivar e promover a «empatia» e a «inclusão» (a «diversidade» — ora explícita, ora implicitamente — é parceira da «inclusão»). Por paradoxal que possa parecer, a toda a hora, dizem-nos concomitantemente que devemos evitar pessoas «tóxicas» e relações «tóxicas». E temos, claro está, a crescentemente falada e escrutinada «masculinidade tóxica» (não deixa de ser curioso que se empreguem tantas vezes os vocábulos «misoginia»/«misógino», sem nunca se nomear sequer a misandria — certamente, a primeira superabunda, enquanto a segunda é inexistente), temos os «activos tóxicos», temos ambientes de trabalho «tóxicos», entre uma pletora de exemplos.
Ficamos, por conseguinte, sem saber se quem é «tóxico» será digno de «empatia», e se a tão proclamada «inclusão» deverá abranger as pessoas «tóxicas».
O historiador dos primeiros decénios da linguagem publicada do nosso século há-de interrogar-se atónito sobre dois paradoxos: aqueles que mais clamavam pela criminalização do discurso de ódio atiravam, do alto da torre da superlativa moralidade, frases prenhes de ódio, enquanto esbracejavam com as fácies carregadas de ressentimento e ódio, e inúmeras criaturas que tinham a empatia e a inclusão na boca a toda a hora estavam constantemente a sinalizar os outros como entes tóxicos de quem nos deveríamos afastar e, se possível, ostracizar e linchar.
Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.