JOAQUIM ROCHA AFONSO, PRESIDENTE DO NÓS, CIDADÃOS

‘Faz falta uma revolução, não de cravos, mas de cidadãos independentes, livres e sem medo’

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Militar, investigador e presidente do partido Nós, Cidadãos desde Novembro de 2020, Joaquim Rocha Afonso, 6o anos, já viu muito e não tem ‘papas na língua’. Crítico da forma como se faz política em Portugal e de como se gerem os recursos públicos, o líder do Nós, Cidadãos defende uma maior participação de independentes na vida política do país e no acesso à Assembleia da República. Nas eleições europeias de 2019, o Nós, Cidadãos teve como cabeça de lista Paulo de Morais, um dos rostos do combate à corrupção no país. O partido, fundado em Junho de 2015, concorre nestas legislativas em cinco círculos eleitorais: Porto, Braga, Madeira, Europa e fora da Europa. Esta é a oitava entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE JOAQUIM ROCHA AFONSO, PRESIDENTE DO NÓS, CIDADÃOS, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


Joaquim Rocha Afonso é militar, investigador e, desde Novembro de 2020, presidente do partido Nós, Cidadãos.

Sim. Eu não gosto muito da palavra “partido”, porque considero que somos um povo inteiro, que quer devolver a cidadania aos cidadãos que estão cansados dos partidos. E uma coisa que está partida, já não se endireita [risos].

Aliás, o Nós, Cidadãos foi um bocadinho “obrigado” a ser partido, não é?

Sim, porque ninguém pode concorrer à Assembleia da República sem ser através de um partido político. Qualquer cidadão independente pode ser eleito fora dos partidos: desde o presidente de uma junta de freguesia até ao Presidente da República, passando pelo presidente de uma câmara; mas, ser deputado, não pode.

(Foto: PÁGINA UM)

Essa é uma das áreas que o Nós, Cidadãos gostaria de mudar e têm essa iniciativa no vosso programa.

Sim, foi a principal razão por que criámos o Nós, Cidadãos. Porque é antidemocrático que os cidadãos que não queiram ter uma veia partidária, não possam participar na política; nem sequer contribuir para as decisões dos destinos do país. Vemos, inclusivamente, entre os nossos jovens, que eles mais depressa preferem fazer voluntariado numa associação humanitária ou de apoio social – até eventualmente ligada a uma agremiação religiosa e uma IPSS – do que envolverem-se em actividades políticas. Porque quem vai para as juventudes partidárias, fica logo rotulado como “jotinha” e acaba por ficar descredibilizado. É triste, mas infelizmente é a realidade, e já era assim quando eu andava no liceu.

Entende que essa mudança no sistema político no país poderia ser fundamental para mudar outras coisas que são urgentes mudar?

Está tudo interligado. Porque como eu estava a dizer, quando andei no liceu, fui delegado de ano – ou seja, representante do meu ano no Conselho Pedagógico – por método electivo, e queriam também que eu fosse para a associação de estudantes, e aceitei. Mas depois vieram os meninos das ‘jotas’ todas, da JC, da JCP, da JS… E disseram-me que tinha de escolher com qual eu queria ir. E eu disse que não queria; ia como Joaquim Afonso, e não queria nenhuma “cor” – nem rosa, nem laranja, nem azul, nem vermelho, “sou independente”. E eles “não, porque o conselho directivo diz que tens de ir com uma cor dos partidos”. E eu não fui.  Entretanto, passado pouco tempo, entrei para a Armada, para a Escola Naval, e nunca mais me pude envolver na política activa.

Se calhar, alguns portugueses, e portugueses de mérito, são afastados da política também por causa deste fechar de portas a independentes.

É deliberado. Na altura em que fui capitão de porto em Caminha, fui a um debate sobre a revisão da lei eleitoral para se poder permitir círculos uninominais, em Viana do Castelo, em 1997, se não me falha a memória. Na altura, António Costa era ministro dos Assuntos Parlamentares e andava a fazer umas sessões de esclarecimento pelo país sobre os círculos uninominais, que é cada pessoa saber quem é o seu deputado. E eu, já nessa altura, portanto, há quase 30 anos, deixei toda a gente falar e, no final, perguntei porque é que não se fazia uma experiência-piloto de democracia directa em que as pessoas, com um cartão ou um bilhete de identidade – ainda não havia cartão de cidadão – numa determinada povoação ligada a uma universidade de estudos sociais, decidiam directamente, sem precisar de serem representadas, os destinos dos assuntos que lhe dizem respeito.

Um pouco como fazer-se referendos sobre determinados temas?

Sim. Todas as questões mais importantes deviam ser referendadas, o mais possível. Isso acontece em vários países. Toda a gente sabe, por exemplo, da actividade referendária da Suíça. Não se percebe porque é que esta gente dos partidos tem medo dos referendos. O referendo é a coisa mais democrática que há.

Têm medo da democracia, estes partidos que têm governado o país?

Têm, porque isto é uma democracia muito musculada e descaracterizada. E agora, toda a gente está cheia de medo deste partido novo que está aí com bastante pujança. O Chega, para mim, não é mais perigoso do que o Bloco de Esquerda. São ambos, um da extrema-esquerda, outro da extrema-direita. Aliás, nunca tivemos sequer partidos de direita em termos ideológicos. Foram todos ilegalizados, pouco tempo depois do PREC – Processo Revolucionário em Curso. Mas acho que sobre a história destes 48 anos, toda a gente sabe e toda a gente está triste. Houve coisas muito boas, mas infelizmente também houve coisas menos boas. E acho que devíamos falar é sobre o que podemos fazer para dar esperança aos portugueses de que Portugal é viável, é possível e pode ser uma coisa muito bonita.

(Foto: PÁGINA UM)

Então vamos falar sobre isso. Mas antes de falarmos sobre o vosso programa, fale-nos um pouco do que é o Nós, Cidadãos actualmente, em termos de organização e da sua participação nas eleições legislativas de 10 de Março. Têm listas, vão ter candidatos?

A nossa força maior é apoiar os movimentos independentes a nível autárquico. Ninguém em Portugal sabe: nós tivemos uma câmara municipal só do Nós, Cidadãos, entre 2017 e 2021, a Câmara de Oliveira de Frades, que infelizmente perdemos porque o nosso presidente não concorreu às freguesias todas. Só concorreu a quatro das oito e perdemos por 241 votos. Mas ganhámos outra câmara ainda mais importante, mas aí foi em coligação. Embora o presidente da câmara seja independente – e estou a falar do doutor José Manuel Silva – todos os eleitos como vereadores e deputados municipais do movimento Somos Coimbra entraram como identificados pelo Nós, Cidadãos. Temos também uma vereadora em Évora e mais seis vereadores pelo país inteiro. Aliás, com a quantidade de vereadores do Chega que já se demitiram, neste momento podemos estar já à frente do Chega em termos de eleitos autárquicos. Temos deputados municipais em imensos sítios e, portanto, a nossa maior força é a nível autárquico. E porque é que nestas últimas eleições nós crescemos tanto? Porque o PS e o PSD uniram-se para acabar com os grupos de cidadãos eleitores. Na altura, Rui Rio e António Costa, à socapa, fizeram uma lei para praticamente inviabilizar as candidaturas dos cidadãos eleitores independentes.

Porque estariam a ver o crescimento e a vontade da população de participar activamente?

Sim. E aí, o Nós, Cidadãos, contactou com a Associação Nacional de Autarcas Independentes, inclusivamente com o doutor Rui Moreira, também independente da Câmara do Porto, e disponibilizámo-nos a abrir completamente o Nós, Cidadãos à cidadania, porque é essa a nossa vocação. Somos fundados por pessoas vindas de movimentos de cidadania independentes, e mantemos essa característica. Ou seja, não nos podem rotular nem de direita, nem de esquerda. Aliás, esses termos estão completamente obsoletos. Isso é uma coisa que vem com 200 anos, desde a Revolução Francesa. E hoje, quer se queira quer não, aqui em Portugal não se decide nada, porque é tudo decidido em Bruxelas. Fazemos parte de uma comunidade que, na minha perspectiva, devia ser só económica, mas querem que seja também política. Em termos políticos, unificar muitos países com culturas diferentes demora séculos. Na Europa, a única altura em que se conseguiu fazer isso foi durante o Império Romano, e demorou séculos. Havia regiões que demoravam séculos a ‘romanizar’. Portanto, vai ser muito difícil. Eu acredito que é possível, mas não pode ser à bruta; não pode ser de cima para baixo. Tem de se divulgar as coisas boas da União Europeia junto das bases da população, através da cultura, do bem-estar social e económico. E isso até tem acontecido, mas infelizmente está a ser esboroado por uma série de más práticas a que assistimos em alguns países.

E na própria Comissão Europeia, que tem tido algumas investigações e suspeitas. Mas então, voltando a Portugal e às legislativas, qual é o vosso objectivo para estas eleições?

Olhe, antes de falar do meu objetivo, deixe-me dizer-lhe que estou muito zangado. Porque já sou meio velhote, sou preguiçoso, não gosto de trabalhar e estava aqui descansadinho a pensar que só íamos ter legislativas outra vez daqui a quatro anos, porque estes senhores tinham uma maioria absoluta e, bem ou mal, estavam legitimados pelo voto. Mas pronto, não são capazes de se portar bem, de ser gente decente, de trabalhar a bem do país e do bem comum das populações. E lá vamos nós outra vez ter de ir votar.

Portanto, vem contrariado?

Contrariado, não, porque senão demitia-me e iria outra pessoa para a presidência. Mas simplesmente não estávamos preparados. Um pequeno partido não tem os mesmos meios nem os recursos – tanto humanos como económicos – que têm os grandes partidos. E depois, andámos a ver se conseguíamos fazer uma coligação alargada com os partidos pequeninos todos. Mas infelizmente, há muitos pequeninos que são ainda piores que os grandes – as pessoas têm os seus egos, as suas coisas, e não conseguimos. E depois houve outro pormenor, que foi o facto de se ter demorado a dissolver o Parlamento. Porque, primeiro, marcou-se o dia das eleições e depois demorou-se imenso tempo a dissolver o Parlamento, e isso deu só 10 dias para fazer as listas. E não tivemos tempo para fazer listas nos círculos eleitorais todos, por isso não vamos a todos.

Paulo de Morais foi o candidato do Nós, Cidadãos nas eleições europeias de 2019
(Foto: Imagem capturada a partir de imagem do Porto Canal/2019)

Quais são os círculos em que vão?

Vamos em cinco círculos: Porto, Braga, Madeira, Europa e fora da Europa. Já nas últimas só tínhamos ido em nove, e agora ainda vamos a menos. Vamos começar já a trabalhar para as autárquicas, para ver se conseguimos nas próximas legislativas ir a mais círculos eleitorais. Porque infelizmente, também observamos uma coisa: os movimentos e os cidadãos independentes que nos abordam e que nós apoiamos para as eleições autárquicas, quando chegam as legislativas… Isto é como ser do Sporting ou do Benfica – já não querem saber do Nós, Cidadãos para nada. Porque já veem o Nós, Cidadãos como mais uma cor partidária, enquanto, a nível autárquico, veem como uma cor de cidadania. E nós, o que gostaríamos que passasse para a população civil em geral e nomeadamente para os nossos eleitos autárquicos, é que a cidadania tem de entrar no Parlamento como cidadania, não é como uma cor política partidária. Infelizmente, temos de ser um partido por imposição legal, mas gostaríamos de levar a cidadania para dentro do Parlamento para começar a virar as coisas por dentro.

Mas isso, para já, não é possível.

Possível, é sempre. Nós, aliás, apresentámos um enormíssimo protesto muito bem fundamentado juridicamente. Mas lá está, o sistema funcionou, e não conseguimos; nós estivemos pertíssimo de eleger um deputado no círculo fora da Europa, logo na nossa fundação, em 2015, por causa de o nosso candidato de Macau ser uma pessoa muito forte e muito querida e acarinhada em Macau, o doutor Pereira Coutinho. Mas, enfim, inutilizaram-nos uma série de boletins de voto – aquelas manigâncias que se fazem.

Na secretaria. Portanto, de forma burocrática, conseguem travar isso.

Sim. É completamente injusto, antidemocrático e indecente, que havendo mais de um milhão de eleitores registados no círculo da Europa, só elegem dois deputados. E no círculo de fora da Europa, que são cerca de 610 mil, também só elegem dois.

Ou seja, não há uma verdadeira representatividade.

Não. Setúbal tem muito menos eleitores do que o círculo da Europa, e elege 19, por exemplo.

Ainda para mais quando há mais portugueses a emigrar, e muitos jovens, era bom olhar para essa questão.

E há outra coisa:  porque é que não se deixa as pessoas votar electronicamente? Isto continua tudo a funcionar na base do papel. Mesmo agora, para entregar as listas e estas coisas todas, não pode ser nada por e-mail. Tem de ser com papel com carimbo, com presença, com procurações, com delegações… Quando é para fazer coligações, vou directamente com os outros líderes partidários ao Tribunal Constitucional e assinamos presencialmente, porque senão tem de ser com assinatura reconhecidas. É um dispêndio de dinheiro que para os grandes não faz grande diferença, mas para nós é importante.

O vosso programa também fala muito nesta questão da burocracia e da forma como tudo funciona. Para além da carga fiscal, este é um aspecto que trava muito o avanço da sociedade e da Economia em Portugal?

E não só. Quanto mais papel há, menos as coisas avançam. Quando eu estive na NATO em 1993-94, fui ajudante de campo do comandante-chefe. E nós criámos, já nessa altura, um sistema informático, e foi o primeiro quartel-general da NATO, em todo o mundo, sem papel! E isto foi há 30 anos. Portanto, não se percebe porque é que toda esta burocracia do Estado continua assente em papel. Fala-se muito das novas tecnologias, dos ‘data centers’ – às vezes não pelas melhores razões –, mas temos de desburocratizar e descentralizar. Algumas estruturas têm de ser hierarquizadas e piramidais, nomeadamente aquela onde eu estive praticamente toda a vida. A estrutura militar tem de ter uma hierarquia definida, algumas empresas também, mas cada vez mais, as estruturas que funcionam melhor, funcionam em rede. Voltando ao Nós, Cidadãos, a nível de estruturas nacionais, funcionamos em rede. Estatutariamente estão previstas, tal como a lei obriga, as distritais e as concelhias, essas coisas todas. Mas, na prática, funcionamos com células independentes que comunicam entre si, muitas vezes, sem dar cavaco nem à presidência, nem à Comissão Política. Chega o reporte das actividades – isto é verdadeira independência e democracia. E, por outro lado, quando nos querem eliminar uma célula, as outras controlam e tomam conta do assunto. Já aconteceu.

Portanto, é uma organização também flexível, ágil e mais numa lógica de comunidade.

Sim, e muito ligada às populações locais, porque é isso que é cidadania. As pessoas têm de sentir a proximidade de quem os representa. Por exemplo, o nosso cabeça de lista para o círculo fora da Europa é um jovem de 31 anos que nasceu na Venezuela, filho de imigrantes venezuelanos com origem na Madeira, e conhece perfeitamente o mundo da emigração de fora da Europa. E é assim que deve ser. Os nossos candidatos do Porto, de Braga, da Europa e da Madeira são pessoas conhecidas a nível local e a nível regional. Não é só porque é uma pessoa importante… Eu sou mirandês, de Miranda do Douro, e nas primeiras eleições fui cabeça-de-lista pelo meu distrito, por Bragança. E acho que é assim que deve ser; devem ser pessoas conhecidas localmente e até sugerida pelas estruturas informais que nós temos. Mas, como digo, vamos preparar as autárquicas que são daqui a dois anos, e daí nascer uma lista como deve de ser, para ir a todos os círculos a nível nacional nas próximas legislativas – que eu esperaria que fossem daqui a quatro anos, mas alguém já me disse que se calhar serão lá para Novembro [risos]….

Então, tem pouca fé de que as coisas corram bem, nesse aspecto…

Eu não sou analista político, mas nós aprendemos a fazer análise, análise operacional, táctica, estratégica e também política.

E como militar, também a estar preparado antecipadamente.

Sim, e antever todos os cenários possíveis. E, infelizmente, o cenário que me parece mais plausível não tem nada de estabilidade como tínhamos agora com este cenário que ruiu por indecente e má figura – como disse o doutor Passos Coelho. Não se prevê que haja uma maioria de esquerda, e provavelmente o PS será o partido mais votado. Mas na minha percepção da rua, ou me engano muito ou o segundo partido mais votado não vai ser o PSD, mas, sim, o Chega. Porque muitos dos votos dos indecisos são pessoas que têm vergonha de dizer aos tipos das sondagens que vão votar no Chega. É aí, temos uma situação problemática, porque havendo uma maioria de direita, e se o partido mais votado for o PS, o Presidente convida o Pedro Nuno Santos, mas chega ao Parlamento e não passa, com uma moção de censura. A seguir, o Presidente tem de convidar o segundo partido mais votado. Quem é que ele vai convidar? E eu não sou daqueles que diz que é o ‘papão’ do fascismo. É tão papão como o Bloco ou o PCP. São iguais, são extremistas, nunca deveriam ser convidados a formar Governo.

(Foto: PÁGINA UM)

Mas temos alguns países, nomeadamente a Itália, em que também entrou um partido que era supostamente de extrema-direita, rotulado pela tal “Internacional Socialista”, e que nem tem estado a fazer muito má figura. Mas a Itália tem uma coisa e isso é um dado importantíssimo. E nós temos de fazer todos um esforço para obrigar estes nossos políticos a deixarem de ser indecentes e corruptos… É que a Itália pode funcionar com base na estrutura técnica do Estado, porque até um director-geral, as pessoas são nomeadas por competência técnica, há uma progressão na carreira técnica. E nós, infelizmente – isto já começou há mais de 20 anos –, temos directores-gerais nomeados politicamente e agora já é assim com os chefes de serviço, e qualquer dia também será com os chefes de secção. E isto é totalmente desmotivante para quem tem competência, ambição de progredir e motivação. Depois, como já sabe que se não tiver um cartão cor-de-rosa ou cor de laranja, não sobe, e as pessoas marimbam-se, vão para as suas repartições e não querem saber. Como sabem que nunca vão chegar a chefes se não quiserem ter um cartão, pensam, então, “que se lixe”.

Aliás, essa é uma das propostas que o Nós, Cidadãos tem de mudança para Portugal: este ‘despolitizar’ do que ser deve ser o funcionamento do Estado, das suas estruturas e da administração pública.

Sim. E emagrecer o Estado, que o Estado está muito gordo. O Hospital de São José, há 40 anos, se não me engano, tinha cinco administradores. A última vez que fui ver, tinha 56. Agora não faço ideia, mas se calhar já tem mais. Para quê? E depois, faltam médicos nas urgências. E depois, os administradores, se calhar, a maior parte são uns ‘jotinhas’.

O Nós, Cidadãos propõe reformas de fundo. Esta, por exemplo, é uma delas. Os partidos do arco da governação a quererem ceder a esse poder de nomear tantos cargos; os tais “jobs for the boys”.

Sou um optimista, um homem com esperança. E a principal razão por que eu aceitei este repto de vir para a presidência do Nós, Cidadãos, é porque tenho quatro filhos e espero deixar-lhes um mundo melhor do que aquele que eu encontrei, e que não era nada mau. E nós temos assistido a tantos casos e casinhos, que qualquer dia, eles começam a ter medo de ir parar ao “xilindró” – para falar numa linguagem mais coloquial – e começam-se a encolher antes de fazer porcaria. E aí, talvez os mais aptos, capazes e mais sérios, pode ser que consigam chegar à frente dos partidos grandes, ou supostamente grandes. É uma esperança que eu tenho e que tem de acontecer, porque o povo não é burro. E eu sempre tive essa convicção e mantenho-a. E dizia-me um senhor que foi meu professor, que eu estimo muito, o Professor Adriano Moreira: “em Portugal, nunca tivemos uma transição política pacífica; nós aguentamos é mais que os outros, mas ao longo dos nossos 900 anos de história, nunca houve uma transição política pacífica, como houve em Espanha, por exemplo, quando morreu o Franco”. Em Portugal, foi sempre um regicídio, um golpe de Estado, ou guerra civil… E dizia-me um cabo GNR, meu compadre, que isto de 50 em 50 anos, vira. Portanto, está quase. Eu gostaria que assim não fosse. E por isso, o nosso lema, que está nos nossos cartazes e nossos panfletos, é uma “revolução da cidadania”. Aliás, temos um grupo de WhatsApp com cerca de 200 pessoas em que provavelmente só 10% é que são filiados, mas que são simpatizantes e amigos desta corrente da cidadania, e o nome do grupo é mesmo “A revolução da cidadania”. Porque é isso que faz falta. Uma revolução, não de cravos, mas de cidadãos independentes, livres e sem medo.

Imagem de campanha do Nós, Cidadãos nas legislativas de 2024. (Foto: D.R.)

Então, sente que essa mudança pacífica e a bem deste regime, vai acontecer?

Poderá não ser já no imediato, mas só tem de acontecer. Porque senão, o país acaba! Infelizmente, o golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 aconteceu pela falência política, social e económica da Primeira República. Andava tudo à ‘bulha’ no Parlamento, alguns, andavam mesmo ao ‘sopapo’. Mataram um Presidente da República, que foi o Sidónio Pais…. E depois, há alguns movimentos subversivos, que no século XXI não fazem qualquer sentido, numa sociedade plural e organizada, que continuam a querer mandar nisto. E o povo não pode deixar. Mas o povo, infelizmente, cada vez é mais velho. E aí, também faz parte do nosso programa, os incentivos à natalidade, e à família; ter uma sociedade normal e viável. Há 15 dias, vimos nas notícias que 30% da população tem mais de 65 anos, e não pode ser. Não podemos ficar à espera de que sejam os imigrantes a resolver os problemas de Portugal; porque nunca assim foi nem será. Eu tenho imenso respeito pela imigração, aliás, Portugal foi o país que mais se miscigenou ao longo do último milénio.

Mas caso haja mesmo necessidade de ir novamente para eleições, como referiu, será um período conturbado que pode abanar as estruturas no país, nomeadamente sociais…

E é bom que abane. Nós, neste momento, já temos polícias na rua. Os agricultores, também. Eu faço parte de alguns grupos, e andam há uma semana a preparar-se.

Em outros países, já estão a bloquear capitais.

Já. E isto tem a ver com uma coisa que ninguém sabe, do dinheirão que a União Europeia tem no seu orçamento… Já na altura em que eu andava por Bruxelas, nas guerras do Ambiente, cerca de metade era para financiar a Política Agrícola Comum [PAC]. E, neste momento, a PAC está dependente de uma série de normativos, alguns muito difíceis de implementar, que têm a ver com esta parte do Ambiente e das regras de consumo.  Recordar-se-á perfeitamente de quando nós deixámos de ver fruta mais pequenina nos escaparates. As padarias foram todas obrigadas a deitar para o lixo as masseiras de Madeira! Isto são regras estúpidas, impostas de uma forma sobranceira por Bruxelas, mas em França eles não cumpriam. Porque eu ia visitar padarias em França e eles continuavam a amassar o pão em cima da madeira, que fica muito mais saboroso. E ainda ontem o novel primeiro-ministro de França estava a dizer que têm um poder tal, que podem alterar as regras da União Europeia [UE]. Mas se isto é uma União, então como é que há um tipo que pode falar mais alto que os outros e falar grosso?

Mas, no fundo, são regras muito favoráveis à industrialização de todas as actividades, não é?

São favoráveis a quem paga mais são, que são os franceses e os alemães. Por isso é que os ingleses se foram embora. Não tiveram para aturar isto. É certo que não deviam ter ido, mas eles nunca concordaram com esta “União Política”. Alguém lhe perguntou se queria fazer parte de uma União Política da Europa? Ninguém lhe perguntou, e a mim também não. Essas coisas perguntam-se.

(Foto: PÁGINA UM)

E estamos todos a vivê-lo, com a implementação destas políticas.

E a perder soberania. Nós chegámos a fazer uma campanha muito forte – também ligada com outros países – que em Portugal foi patrocinada e acarinhada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, contra o artigo 13º da Constituição Europeia. E chegou-se depois a uma altura em que nunca mais falou em Constituição Europeia, morreu o assunto. E esse artigo 13º, o que ia fazer? Ia tornar como área de gestão da responsabilidade de Bruxelas, a coluna da Água e o fundo das áreas marítimas portuguesas. E eu fiz, durante muitos anos, fiscalização da Pesca. E quando nós entrámos para a UE, nos primeiros 15 dias, como havia ainda incerteza e não tenham sido completamente negociadas as derrogações de os outros países poderem aceder às nossas águas, os espanhóis e os franceses começaram a pescar à ‘fartazana’ nas nossas águas, e nós tivemos de os começar a aprender. E mesmo assim não foi muito mau, porque eles também foram para a Irlanda, que entrou ao mesmo tempo que nós, e os irlandeses mandaram algum espanhol ao fundo; afundaram um pesqueiro. E, mesmo assim, voltaram lá uma segunda vez, e afundaram o segundo, e nunca mais lá puseram os pés.

Agora, até já se fala de um exército europeu…

Esqueça lá isso. Nós temos de fazer com que as populações sintam vontade de ser europeias, e para isso, os espanhóis não podem ter medo dos portugueses; os portugueses não podem ter medo espanhóis; nós não podemos ter medo dos franceses. A única coisa que nós temos em comum é esta herança judaico-cristã, que é uma cultura bastante antiga, e daí todas as reacções que tem havido em relação à entrada da Turquia na UE, porque não é um país de cultura judaico-cristã. Apesar da sua vertente europeia, nomeadamente Istambul, que é a sede da Igreja Ortodoxa. Mas isso são questões geoestratégicas e geopolíticas, e infelizmente, mesmo a nível internacional, as nossas perspectivas não são nada boas. Temos um Putin, temos o da Coreia do Norte, e temos mais o outro maluco da China…

E os Estados Unidos.

Pois. Esta candidata do Partido Republicano [Nikki Haley] tem toda a razão: então os dois tipos que estão a concorrer à Casa Branca são velhinhos, um com 81 anos, que quando sair de lá tem 87, e o outro com 77…

E muitos congressistas no Senado.

Tudo! A Nancy Pelosi, quando foi para a frente do Congresso, já tinha 82 anos. Epá, vão para casa tomar conta dos netos, dar banho ao cão… Eu próprio, para político, com 60 anos, já devia estar fora disto há muito tempo. Nós temos de dar oportunidade aos jovens. É politicamente incorreto isto que eu vou dizer: quando foi feito o golpe de Estado para manter o país na ordem, a 28 de Maio de 1926, foram buscar um professor de Finanças muito competente a Coimbra, que se chamava António Oliveira Salazar – primeiro, foi Ministro das Finanças, depois é que foi Presidente do Conselho de Ministros. E era novíssimo! E os ministros que ele escolheu tinham todos menos de 30 anos. O engenheiro Duarte Pacheco, quando faleceu, depois de uma hemorragia grave que teve num acidente de automóvel, tinha 34 anos e veja-se a obra toda que ele deixou. Agora, estes tipos são os mesmos que andavam cá há 48 anos; eram novos quando foi o 25 de Abril, mas agora estão todos muito velhos.

Aliás, nós entrevistámos recentemente um economista português, professor na Universidade de Manchester, Nuno Palma, que desmontou, com dados, tudo aquilo que se diz de desinformação relativamente àquilo que era a Economia portuguesa no Estado novo. Obviamente, contudo, de negativo, que também houve e que há numa ditadura. Mas, em termos económicos, ele explica como o grande problema tem sido as últimas décadas…

Como comecei por lhe dizer, não sou um saudosista, nem do Estado novo, nem do regime democrático pós-25 de Abril. Houve coisas muito boas, tanto num como no outro. Mas o que temos sempre de perceber e sentir, de uma forma isenta, objectiva, prática, é: o que podemos fazer, cada um nas suas funções e no seu dia-a-dia, para ajudar o próximo, para ajudar o país a andar para a frente, e para acabar com este rame-rame de corrupção e de compadrio. Porque este dinheiro todo que tem vindo da Europa não se traduz no bem-estar das populações. Ainda ontem, estavam os polícias a dizer que têm muito menos poder de compra do que tinham quando entraram para a Polícia. E nos militares é igual, porque não têm poder reivindicativo.

(Foto: PÁGINA UM)

Mas este desinvestimento nas forças policiais, nos militares, na Educação, na Saúde, porque se gasta muito, mas investe-se pouco.

O problema da Saúde não é um problema de investimento, é pura e simplesmente um problema de gestão pura e dura. Ideologicamente, por questões de regime – lá está, por imposição da tal extrema-esquerda – acabou-se com as parcerias público-privadas na Saúde. Todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde que estavam a ser geridos por parcerias público-privadas, estavam a ser geridos com critérios de gestão; é isso que significa “gerir”, aplicar a gestão. Não podem ser geridos com critérios políticos, de compadrio ou de amiguismo. É a mesma coisa que lavar a cara com as mãos abertas.

Entende que é um retrocesso o que aconteceu?

É, e esta reforma que estão a fazer agora é ainda pior. Isto de juntarem os centros de saúde com os hospitais, não dá. Quem é que consegue gerir um orçamento de um grupo desses, que pode ser mil milhões de euros?

Mas entende que este tipo de medidas favorece essa falta de transparência e de escrutínio e o reforço do poder por parte de alguns grupos que têm liderado o país?

Claro. Mas isso, o povo é que tem de perceber e tirá-los de lá. Porque esta gente faz-me lembrar alguns chefes que nós tínhamos… Em geral, tive chefes bons, mas de vez em quando apanhávamos um mais fraquito. E esses mais fraquitos, o que faziam? Nada, não decidiam, porque ao não decidir, não correm o risco de decidir mal.

Então fica tudo na mesma.

Exactamente. Chama-se a isso “despacho-gaveta”. E é o que nós assistimos: ninguém decide, ninguém faz. Andam agora a querer aprovar estas obras milionárias, porque têm lá os ‘grupelhos’ económicos das rendinhas. Aliás, basta ver o programa de ontem à noite do José Gomes Ferreira, em que ele focou isso. Estava lá o meu amigo Paulo Morais, e o Fernando Pereira, também meu amigo. A cidadania tem de se impor a esta corja de gente que não presta! E tem de ser o povo português a escolher os mais competentes, os mais aptos e os mais sérios. E nós temos gente muito boa. Só que não estão para se ligar aos partidos políticos. No Nós, Cidadãos, eu sinto isso.

Tenho imensos amigos inteligentes e competentes, e muito bons profissionais, mas que não querem ter uma conotação político-partidária. E é este tipo de coisas que está a destruir a democracia. E que está a ser cavalgado por aquilo que eles chamam a “extrema-direita”, que é apenas e só um movimento de contestação. E digo-lhe mais: em termos ideológicos puros, para mim, é muito mais perigoso um partido como a Iniciativa Liberal do que um partido como o Chega. Agora vou ser um bocadinho sobranceiro, mas, para mim, o Chega é o partido dos taxistas e das cabeleireiras. Porque quando andamos num táxi ou vamos ao cabeleireiro, são todos muito bons a dizer o que está mal. Mas quando lhes perguntamos o que faziam se fossem para lá, não apresentam soluções. E depois, aquilo é um saco de gatos. Se alguma vez esta gente tiver de governar, o Chega implode, vai cada um para seu lado. Mas, têm uma coisa muito boa: um líder, que eu tenho imensa pena que ele se tivesse apaixonado, porque ele teria dado um padre de excelência. Aquele senhor nasceu para falar em público, e é, de longe, o melhor parlamentar que nós temos no Parlamento português. Tem jeito para aquilo, sai-lhe! Eu não tenho. Eu falo, fui treinado, mas não tenho aquele à-vontade que tem o André Ventura para falar em público. E parece que aquilo lhe sai sempre bem.

Outra pessoa que eu admiro imenso porque escreve muito bem – e que o pai dele também era oficial da Marinha –, e que pode estar a escrever sobre o maior absurdo que aquilo faz sempre sentido, é o Miguel Esteves Cardoso. Adoro ler os textos dele. E ele, às vezes de propósito, defende absurdos, mas entrelaça lá as coisas de uma maneira, que aquilo faz sempre sentido [risos]. Mas dizia eu: o Iniciativa Liberal, ideologicamente, é muitíssimo mais perigoso. Porque tem aquilo que nós consideramos, em termos de cidadania, o pior da direita, que é o liberalismo total na Economia, e não pode ser. Há sectores essenciais que têm de ter intervenção do Estado e controlo por autoridades independentes. E tem também o pior da esquerda, que é o liberalismo total nos costumes. Uma sociedade não pode ser totalmente liberalizada em termos de costumes, porque há as tradições, as famílias e os sentimentos das pessoas, que não podem ser adulterados por estas agendas “woke”, como se fala agora. E, todos nós, como pais de família ou mães de família, sentimos que isto não é normal. Temos de respeitar quem é diferente, sim, senhor, mas não é tornar a diferença no “normal”, porque não é. E, portanto, para mim, a Iniciativa Liberal é muito mais perigosa do que o Chega. Agora, também não acredito que com este novo líder vão muito longe. Não tem nada a ver com o Cotrim Figueiredo, que tinha outra ‘estaleca’, outra postura.

Mendo Castro Henriques, anterior presidente do Nós, Cidadãos.
(Foto: PÁGINA UM)

E vende-se muito este medo relativamente à extrema-direita, e na Europa fala-se muito nisso, na própria Comissão Europeia, mas não deixa de ser curioso que é com os governos actuais, nomeadamente em Portugal, o governo socialista, que temos assistido a um enorme recuo na democracia. Não será que a população também sente que há uma maior tendência para medidas mais totalitárias, e reage?

Não precisa de ir mais longe. Olhe para o que está a acontecer em Espanha. Esta gente agarra-se ao poder e vem com as agendas todas ao mesmo tempo, e normalizam terrorismo de Estado… Imagine o que seria eu agora criar um movimento de mirandeses, porque até temos uma língua e uma cultura diferentes, e queríamos ser independentes. Vamos fazer a República de Miranda do Douro, se calhar era maior que Andorra. E depois, ter os socialistas a perdoar, porque eu fiz um referendo e todos os mirandeses quiseram ser independentes. E em vez de eu ir parar à cadeia, sou perdoado. A principal razão por que Espanha continua a ser um reino – para além de ter havido uma guerra civil entre republicanos e monárquicos em que ganharam os monárquicos – é porque se fosse uma República, eram cinco países, não era só um. São cinco nações completamente distintas umas das outras. A Espanha nunca reconheceu a independência do Kosovo. Porquê? Não lhes dá jeito. Mas, por outro lado, querem voltar a tomar conta de Gibraltar. Enfim.

Já falou um bocadinho do Serviço Nacional de Saúde, e todos os anos se repete, no pico das doenças do foro respiratório, há sempre uma crise. Já deu algumas pistas, mas para vocês, que soluções podem existir? Porque quem tem mais meios financeiros, mantém sempre a Saúde nos privados, mas quem não tem fica com o que resta…

Aí, eu penso um bocado diferente daquilo que acabou de dizer. Não está escrito em lado nenhum que os médicos do privado são melhores que os do público. Para mim, os melhores profissionais e com mais saber acumulado por muita experiência, estão no público.

Sim, mas a questão é que muitas vezes as pessoas nem chegam a ter acesso a esses médicos no SNS.

O que tem de haver aqui é equilíbrio, bom senso e não haver demagogia. É não deitar fora aquilo que até funciona bem, só porque não está de acordo com o nosso programa do socialismo. Sendo eu raiano e da província de um distrito muito envelhecido… Por todo o interior de Portugal, quem estava na proximidade das populações eram as IPSS, os hospitais das Misericórdias. Porque é que deixou de haver postos médicos nos Bombeiros? Qualquer associação de bombeiros tinha um posto médico onde as pessoas iam tomar uma injecção, ou medir a tensão. Agora, as farmácias começam a fazer isso, mas havia muitos centros de enfermagem. E depois, são regras para aqui e para ali… Maternidades a fecharem nas capitais de distrito, não pode ser. E é a mesma história com a Educação, e as escolas. Cada aldeia deste país tinha uma escola e agora – eu vejo isso no concelho de Miranda do Douro –, há um autocarro da Câmara que vai buscar os meninos para a escola, e eles desde que saem de casa até que chegam às aulas, às vezes são duas horas. Coitadinhos. Vêm de muito longe, quando dantes iam a pé com as botinhas de bezerro a pisar nas poças de lama, todos contentes, iam para a escola. E agora nem meninos há, que é outra coisa. Se os nossos reis há 500 e há 700 anos fizeram a Leis das Sesmarias, para retirar poder económico à Igreja porque ficavam com muitas terras… Tem de haver reformas de fundo para o país ser viável e ser uma coisa harmoniosa.

E para fixar população nas zonas do Interior?

Claro. Porque é que deixou de haver as casas de função do sistema judicial, do sistema de saúde? Os médicos, quando iam para as capitais de distrito ou para as cidades mais importantes, tinham uma casa atribuída pelo Estado. Os juízes, a mesma coisa, e os delegados do Ministério Público. As pessoas não têm que ter vergonha de ir viver para a casa que o Estado lhes dá; é a casa de função, está preparada para isso. E quem diz isso, diz, entre outras coisas, incentivos financeiros.

E habitação, que hoje, mesmo no Interior, às vezes está ainda mais cara

A Habitação é um dos temas que mais tem revoltado, principalmente a classe jovem e a população activa que trabalha e não consegue comprar uma casa nem pagar uma renda. E nós concordarmos inteiramente com a Federação Portuguesa de Cooperativas de Habitação, que foi o regime que se esqueceu deliberadamente. E em que a construção, através de cooperativas, ‘curto-circuita’ completamente o sistema das mais-valias de quem quer ganhar muito dinheiro com este assunto. E, portanto, o Estado tem de incentivar, por um lado, a bonificação dos juros aos jovens. O primeiro apartamento que eu comprei foi com juro jovem bonificado, e comprei-o com 22 anos. E na altura, os juros estava muito acima do que estão hoje. Aliás, nós colocámos nos nossos cartazes de rua, que são poucochinhos, mas já há mais de dois anos que nós estamos a pedir o juro bonificado. E só agora é que começam alguns partidos a falar nisso, nomeadamente o PAN. E porquê? Porque o juro bonificado não dá lucro aos bancos. Nós andámos aqui a salvar os bancos da bancarrota. Sabe quantos é que eu tinha salvado se fosse primeiro-ministro na altura? Nenhum. Tinha feito como fez o primeiro-ministro, apoiado pelo Presidente da Islândia. Se a Elisabete tiver uma mercearia ou a sua mãe tiver uma loja de rua de retrosaria ou uma coisa qualquer, e não for uma boa gestora e aquilo for à falência, então as pessoas todas da rua têm de estar a contribuir para que a loja lá fique, só porque a menina não sabe gerir? Foi mal gerido, paciência, temos pena, vai à falência, como qualquer outra estrutura comercial ou industrial. Uma empresa que não for bem gerida, entra em insolvência, e fecha.

Entende que o sector financeiro tem sido demasiado protegido pelo poder político?

O poder político está lá dentro! É o tal ‘corrupio’ que eu falo, entre as grandes sociedades de advogados, as grandes empresas oligárquicas, os bancos, os governos e o Parlamento. É tudo a mesma gente, andam a saltar de um lado para o outro.

Agora, os grupos de media também estão a precisar de salvação e têm prejuízos, nalguns casos, são mal geridos têm dívidas a grandes grupos. Por exemplo, a dona da Visão deve ao Estado mais de 11 milhões de euros, infelizmente a Global Media também, e que é algo que também não se percebe, como é que podem ter dívidas tão grandes ao Estado.

Eu aí sou muito pragmático e tenho a mesma teoria, tal e qual que tenho para os bancos. Há grupos de media que já estão adaptados ao século XXI e às novas tecnologias e às novas tendências. Vocês são um deles, a rádio Observador, o grupo Cofina… E não quiseram os subsídios do Costa, lembra-se? Nem o Observador nem o Correio da Manhã. Aliás, o Sócrates quis à viva força dominar financeiramente o Correio da Manhã, e não conseguiu. Manteve a independência. Agora, temos 10 jornais diferentes, que todos juntos vendem menos que o Correio da Manhã, e depois andam aqui, só porque têm 400 jornalistas que vêm do tempo dos botequins do Bairro Alto, em que eram todos filiados no PCP e passavam o dia e a tarde nos copos e depois a seguir foram dar aulas para a Escola de Jornalismo? Mas que jornalismo é este? É jornalixo! Jamais alguém me vai convidar para dar uma entrevista, mas paciência, já estou habituado.

(Foto: PÁGINA UM)

Portanto, não concorda que haja, como alguns dizem, apoios do Estado?

Nada! Por acaso tenho pena é do Fafe, coitado. Eu por acaso conheço-o pessoalmente. Se calhar, ele entrou um bocado a matar demais, e caiu-lhe o Carmo e a Trindade em cima. Demitiu-se, não tinha condições. E agora, se calhar, como ele já não vai estar lá, aquilo vai-se resolver tudo… Enfim.

Em relação aos media, também é crítico da actuação e da cobertura que fazem, por exemplo, nas eleições?

Sou muito mais crítico, por exemplo, de não haver controlo nas redes de sociais dominadas pelas multinacionais e pelas grandes tecnológicas. A Meta e a do Elon Musk, o X… Aí sim, tem de haver controlo e regras, e felizmente na Europa já estamos menos mal do que os americanos. Mas inclusivamente, essas sim, deviam ser taxadas brutalmente. Nós somos invadidos por publicidade deles, somos escutados… A minha filha Maria do Mar, no outro dia estava na praia com as amigas e estavam a conversar sobre uma determinada marca de roupa, e começaram todas a receber notificações no telemóvel de publicidade a essa marca de roupa! Isto é completamente pidesco, e tem de ser proibido.

E são grandes tecnológicas que já têm também financiamentos e um pé nos media. Portanto, há um controlo grande de informação por parte dessas empresas.

Isto é transformar as populações em carneiros.

Há pouco falou na questão das forças de segurança, e também dos militares, que é algo que também tem proximidade, naturalmente. Que estratégia é que deveria haver para estas áreas? Porque estamos a falar de sectores que são fundamentais para o país e que, de facto, não têm condições, muitas vezes, para operar.

O problema das forças de segurança e dos militares é que não têm poder reivindicativo. E estes nossos políticos das últimas décadas seguem aquela norma ‘foleira’ que é “quem não chora, não mama”.

Têm de ir para as ruas?

Não podem, os militares não podem, é proibido. Eu ajudei a fundar o Nós, Cidadãos já depois de ter saído do serviço activo. E nós temos um juramento de bandeira que nos impõe manter, em todas as circunstâncias, um rigoroso apartidarismo político. Este articulado faz parte do juramento de bandeira e eu mantenho-me fiel a esse juramento, e por isso estou no Nós, Cidadãos, e não noutro partido qualquer. Mas os militares não têm poder reivindicativo, o seu poder reivindicativo é fazer um golpe de Estado. Só que também não queremos ir por aí, nem se pode ir por aí. Portanto, tem de haver sensibilidade e bom senso, e o Senhor Presidente da República tem demonstrado algum.

Mas o problema não é só de Portugal. Tem havido um desinvestimento atroz em Defesa porque pensávamos que estávamos no mundo da paz. Então e agora que vem o Putin por aí abaixo, o que é que fazemos? Nas televisões russas, já estão a dizer que só param em Lisboa! Não sei se viu essa. Num debate numa televisão russa, com os mais radicais, diziam que agora só param em Lisboa, quando chegarem ao mar. E isto são questões que não são de agora. Eu dei uma entrevista, uma semana antes de começar a guerra da Ucrânia, no “Isto é o Povo a Falar”, em que disse uma coisa que vou repetir: esta guerra começou porque as pessoas não leem a história. Há 170 anos, houve uma guerra na mesma zona, que ficou conhecida como Guerra da Crimeia, em que a Rússia perdeu. Na altura, a Crimeia não era ucraniana, era do Império Otomano. E houve uma coligação internacional da Turquia com a Inglaterra, a Alemanha, e a França, para ‘malhar’ nos russos. Porque o problema dos russos é sempre o acesso ao mar, nomeadamente, naquela região, ao Mar Negro. E a Marinha russa ficou desde essa altura proibida de ter navios militares no Mar Negro. Ainda hoje, isso mantém-se. E ainda hoje, o Estreito do Bósforo é controlado pela Turquia, e quando há conflitos na região, só a Turquia – que são os descendentes do Império Otomano – é que autoriza, ou não, a passar navios militares. Por isso, é que, quando os ucranianos afundaram o Kursk, aquele navio-almirante não foi rendido por mais nenhum, porque não pôde passar para dentro do Mar Negro. Podia andar pelo Mediterrâneo, como eles quisessem, mas para o Mar Negro não passava mais nada.

Eu julgo que o desfecho terá de ser obviamente uma derrota da Rússia, mas vai-nos custar muito caro, porque andamos décadas a desinvestir.  Ninguém sabe que as ‘batotas’ que se têm feito, e não foi só o PS, mas também o PSD… Nós, em termos de compromissos com a NATO, temos de ter 2% do nosso PIB investido em Defesa – faz parte do acordo da Aliança Atlântica. E isto foi uma das coisas que o Trump exigiu a todos os membros da NATO, ameaçando que os Estados Unidos podiam sair da NATO. E em Portugal, o que se anda a fazer há 40 anos, é integrar nesses 2% todo o orçamento da GNR! Consideram que a GNR se trata de militares, e de facto eles são militares, mas não têm missões de Defesa, têm missões de segurança pública. E mesmo assim, com o orçamento todo da GNR, não chega aos 2%, chega a 1,2%. Porque de Defesa “pura”, é 0,6%! Não pode ser. Depois, há aqui uma questão que estávamos a falar, da estrutura do Estado: nós temos tido ministros de Defesa que vão para lá, pura e simplesmente com as agendas que trazem… Esta actual ministra, a agenda dela é “woke”, fez um doutoramento em igualdade de género… Uma estrutura que tradicionalmente tem regras muito claras, não se pode ter uma ministra que vai pôr uma bandeira arco-íris na janela do gabinete, na Avenida da Ilha da Madeira. Porque isto cria ‘sururu’.

O conhecido empresário Henrique Neto integrou a Comissão de Honra da candidatura do Nós, Cidadãos nas eleições europeias de 2019. (Foto: D.R./Nós, Cidadãos)

E perde-se o foco.

E não só: a liderança tem de ser exercida com um exemplo, com competência.

E a inclusão pode ser feita de outra forma…

É o que eu disse há bocadinho: não pode ser imposta. Senão, cria revolta. Infelizmente, tivemos um almirante – não sei se na altura do Cabo Nogueira – que cortou o orçamento da Marinha. E o Almirante sitiou os navios e disse que então não saiam para o mar, porque não havia dinheiro para combustível. E isto, tendo anteriormente falado com todos os chefes da Marinha, para estar “calçado”. O Governo tirou-o de lá, e pôs lá outro. Passados dois meses, estava resolvida a crise. E no Exército e na Força Aérea, é a mesma coisa. Porque infelizmente, as próprias promoções a altos cargos de chefia, normalmente estão ligadas também a correntes políticas vigentes. E nas forças de segurança, a mesma coisa. Aliás, saiu de lá o Magina da Silva como director-nacional da PSP e aquilo estava pacificado, e a seguir foi o descalabro. Porque provavelmente, esta malta não se revê no actual director-nacional. Não tenho a certeza; estou a falar um bocado ‘de cor’.

Portanto, falta aqui também um bocadinho de ânimo nesse lado.

Tem de haver sentido de Estado e responsabilidade, e bom senso. E não haver aquela ânsia do “sou, quero, posso e mando” e “não precisamos de tropa nem de Polícia, precisamos é de arco-íris e de passadeiras arco-íris”, e de “o meu filho é presidente da Junta e a seguir vai ser Presidente da Câmara, e depois o meu neto vai para embaixador não sei da onde”… Epá, menos! Sejam decentes!

Para além daquelas histórias dos submarinos, que é sempre o que os portugueses também se lembram.

Mas essa história está mal contada. Os “submarinos” é a arma dos pobres. O facto de nós termos submarinos é muito mais dissuasor do que se tivéssemos 10 fragatas ou um porta-aviões. Eu se fosse primeiro-ministro também… Estava num submarino que, quando estávamos a entrar no Estreito de Gibraltar, tinha um comandante maluco que encostou o submarino ao fundo para não ser detectado, e nem os helicópteros, nem os aviões de profundidade variável, nem as fragatas. Passou a escolta toda. E, quando o porta-aviões estava a passar por cima de nós, largámos dois feixes verdes, que é como se o porta-aviões tivesse sido atingido com dois torpedos. E o desgraçado do comandante americano, assim que chegou a Nápoles, foi demitido. Não tinha culpa nenhuma do comandante do submarino português ser maluco. Percebe? O submarino é uma arma terrível. Nós tivemos de ter três forças navais permanentes no bloqueio à Jugoslávia, só porque a Jugoslávia tinha dois submarinos. Nós tínhamos de saber permanentemente onde é que estavam os submarinos deles. Foi uma força da NATO, uma força da União Europeia e uma força multinacional.

Imagem de campanha do Nós, Cidadãos. (Foto: D.R./Nós Cidadãos)

E entende que Portugal pode dar um contributo, apesar da sua dimensão, para que haja maior segurança na Europa?

Portugal, a nível da Aliança Transatlântica, sempre teve muito boas prestações. E a nível das forças internacionais – quer de imposição, quer de controlo da paz –, as forças portuguesas sempre foram muito boas, muito bem cotadas e muito reconhecidas. Mesmo nas forças europeias ou, por exemplo, uma força naval, em que também os nossos militares sempre foram muito bons, porque sempre conseguimos manter o treino e o desempenho. Até mesmo os nossos fuzileiros, paraquedistas… Todos.

E temos o mar, que é algo que não falámos aqui, mas que também está muito presente no vosso programa.

Devia ser obrigatório na escola uma cadeira sobre mar. Porque as crianças são educadas desde pequeninas que mar é praia, e o resto não se vê. E o mar português é de facto infindável, felizmente, ainda se mantêm. As nossas áreas de responsabilidade passam a Sul de Cabo Verde, nomeadamente nas áreas de busca e salvamento. É uma área muito vasta. E agora com a expansão da plataforma continental, ainda mais vasta vai ficar.

Portanto, é bom que haja políticas.

Se calhar. Depois, recomendo-lhe um capítulo que eu escrevi a convite do meu antecessor no Nós, Cidadãos, que foi o Professor Mendo Castro Henriques, que pediu 40 perguntas sobre a pandemia, quando ela apareceu. O livro chama-se “Ressurgir”, e eu escrevi o capítulo sobre Economia Azul.

Transcrição de Maria Afonso Peixoto


Pode consultar AQUI a página do Nós, Cidadãos.


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