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Campanha eleitoral ou circo?

silver bell alarm clock

por Maria Afonso Peixoto // Fevereiro 27, 2024


Categoria: Opinião

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Seja qual for o resultado das eleições legislativas de 10 de Março, o fim deste período pré-eleitoral só poderá fazer-nos respirar de alívio. Depois do sufrágio, dificilmente poderemos cair num cenário mais deprimente do que aquele que temos vivido por estes dias.

Tem sido penoso ver como a desonestidade assaltou o ‘combate’ político e tomou a democracia como refém, sem pejo nem vergonha. Este jogo do “vale tudo” em que a política portuguesa se tornou só nos pode entristecer e fazer questionar sobre como chegámos a este ponto. Não há margem para dúvidas: batemos mesmo no fundo. 

Desde logo, assistimos a um desfile de “debates” – já bastante criticados – entre os partidos com assento parlamentar, que de pouco servem, para além de ocas acusações mútuas e ‘soundbites’ com fartura. Depois, vimos, nos principais órgãos de comunicação, jornalistas e comentadores cativos a avaliar a ‘performance’ dos candidatos, dizendo de sua justiça sobre quem ganhou ou quem perdeu. Quem ganhou, será sempre discutível, mas quem perdeu, é claro: todos nós, eleitores.

Há quem argumente que mais vale ter debates de 25 minutos do que não ter qualquer debate, e mostram-se optimistas com o elevado número de espectadores, referindo que poderá indiciar um maior interesse e envolvimento dos cidadãos com a política. Discordo. Já nas últimas legislativas tivemos este modelo de “debates”, bastante bem-sucedido a nível de audiências, mas que nem por isso se reflectiu numa redução significativa da abstenção.

Muitos assistem a estes ‘duelos’ como se fosse uma espécie de concurso ou reality show. Tornou-se um espéctaculo e mero entretenimento, parecendo apenas interessar ver quem “arrasa” o adversário – e não necessariamente quem apresenta melhores argumentos ou ou mostra maior credibilidade nas propostas.

Para nós, espectadores, e não eleitores, só faltavam entregarem-nos pipocas para o deleite ser completo; não interessa já a política na sua essência pura e dura, mas sim a dopamina gerada por ver quem atiça mais o oponente, atira as maiores ‘larachas’ ou levanta mais a voz ou interrompe com mais frequência. Posto isto, tenho dúvidas de que a generalidade das pessoas fique mais esclarecida depois de um debate deste tipo.

Também é condenável que alguns candidatos tenham conseguido mais tempo de antena do que outros. Queimaram os já escassos minutos de que dispunham com acusações e gritaria, e assim, foi-lhes concedido pelos jornalistas tempo extra. O mínimo que se exige, neste modelo já de si absurdo, é que, pelo menos, as regras sejam iguais para todos. O candidato perdeu tempo com miudezas? Paciência; se ficar alguma coisa por dizer, a responsabilidade é sua.

No final de tudo isto, o balanço só pode ser negro. Decerto que a maioria dos portugueses sabe de cor que Rui Tavares tem os filhos numa escola privada, que a Mariana Mortágua tem uma avó que entrou em “sobressalto” com a Lei Cristas, e que Luís Montenegro, na ‘visão’ de Inês Sousa Real, é um ‘machista’ porque a interrompeu (os candidatos masculinos que interromperam os seus oponentes serão machistas também por isso?), mas quantos terão assimilado, pelo menos, uma mão cheia de medidas, para cada partido?

E se os líderes dos partidos com representação parlamentar merecem avaliações, seria também pertinente atribuir também notas aos jornalistas moderadores – alguns, puseram questões de pouco interesse público, e contribuem sobremaneira para que os debates, já mauzinhos, fossem ainda piores.

No meio disto, fomos ainda brindados com as presenças de líderes partidários nos programas da manhã e da tarde das televisões, mostrando uma empatia e simpatia que tresanda a artificial, numa tentativa de assacar mais uns votos ao eleitorado mais velho. Uma tristeza.

Igualmente tristes são os argumentos esgrimidos, da esquerda à direita, tanto nos debates como nos pós-debates, que quase se resumem, em muitos casos, a slogans vazios e chavões, ou ainda a uma disputa sobre quem é o mais extremista.

Pedro Costa, presidente da junta de freguesia de Ourique e filho de António Costa, ainda esta semana, acusou Luís Montenegro de um ter discurso de extrema-direita. E porquê? Porque o líder social-democrata disse – espantem-se – , que embora os imigrantes sejam necessários e bem-vindos, Portugal deve continuar a ser português. Acaso diria Pedro Costa o mesmo do presidente de Angola, se João Lourenço defendesse que Angola deve continuar a ser angolana? E de Xi Jinping, se dissesse o mesmo da China? É grave que se desça tão baixo, e que se passe, de forma tão flagrante, um atestado de estupidez a todos nós.

Já os nossos ‘entertainers’ de serviço, como Ricardo Araújo Pereira, ocupam-se com as declarações de Gonçalo da Câmara Pereira. O líder do Partido Popular Monárquico serviu de arma de arremesso da ‘esquerda’ para disparar contra à direita, que usou e abusou deste fait divers. Um líder partidário que não tomará sequer parte do Governo, não deveria encimar a nossa lista de preocupações. Mas muitos mordem o ‘isco’ e despendem tempo a cogitar sobre o presidente do PPM, em vez de dedicar atenção àquilo que fará, de facto, diferença nas suas vidas.

Nesta cacofonia nos media tradicionais salva-se, e surpreendentemente, a internet. Com todos os seus defeitos, é graças às plataformas digitais que podemos ter acesso a entrevistas mais demoradas, vídeos mais elucidativos, e aos próprios programas dos partidos políticos.

A este respeito, o PÁGINA UM, aliás, destaca-se por ter sido o único jornal a conceder espaço e voz iguais a todos. Ao contrário de todos os outros órgãos de comunicação social, não contribuímos para um simulacro de democracia que, qual jogo viciado, ao dar palco aos mesmos de sempre, faz com que nada mude. A imprensa tem, por isso, muitas culpas no cartório, quando à deterioração da democracia. Ainda assim, depois, cinicamente mostram-se apreensivos com a ascenção de forças extremistas e antidemocráticas.

Se tivéssemos apenas os media convencionais para nos esclarecer neste período eleitoral, estávamos desgraçados.

Maria Afonso Peixoto é jornalista


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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