Eleições para o Parlamento Europeu em Junho dão 21 mandatos a Portugal

Europeias: com os votos das legislativas, Chega terá quatro deputados, enquanto comunistas e PAN desaparecem

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por Pedro Almeida Vieira // Março 13, 2024


Categoria: Exame

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Nenhuma eleição é igual a outra, mas com a proximidade das Europeias a distribuição dos votos do passado domingo servirão como referência, pelo menos psicológica. O PÁGINA UM foi ver como ficariam distribuídos os mandatos para eurodeputados se as percentagem das eleições de Junho fossem exactamente semelhantes às do passado domingo. Há duas ‘expulsões’ quase certas e duas estreias garantidas, uma delas fulgurante. Conheça também algumas estórias sobre os sufrágios que se iniciaram em 1987, e que não parecem muito estimulante para os portugueses, que os ‘brindam’ com taxas de abstenção que já suplantam os 60%.


Daqui a cerca de três meses os portuguesas serão chamados de novo às urnas. Pela nona vez desde a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia – que evoluiu até à actual União Europeia –, apresta-se a mais uma dança de cadeiras para eleger 21 representantes portugueses para integrar 705 deputados no Parlamento em Bruxelas (e Estrasburgo e Luxemburgo). E, embora as comparações com sufrágios internos possam ser falíveis, não será muito provável, devida à estreita proximidade temporal, que haja grandes diferenças entre os resultados das recentes eleições legislativas – que quebraram, pela segunda vez em democracia, o bipartidarismo clássico – e as eleições para o Parlamento Europeu. Excepto, claro, como disse certo dia Marcelo Rebelo de Sousa, se Cristo descer à Terra.

Nas eleições do parlamento europeu não se aplica os círculos distritais – que, claramente prejudicam os partidos mais pequenos –, entrando todos os votos para o ‘bolo nacional’, mas existe um óbvio obstáculo: como agora são apenas eleitos 21 deputados – já chegaram a ser 25, em 1994 –, mostra-se necessário, em princípio, pelo menos, uma votação a rondar os 3,7% para garantir um eurodeputado.

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Porém, esse valor mínimo depende de outros factores, entre os quais a própria distribuição dos votos, por via do uso do método de Hondt, e que beneficia sobretudo os maiores partidos. Até agora, somente em 1987 – as primeiras eleições europeias em Portugal – houve três partidos a ultrapassarem os 15%, sabendo que os dois maiores (PS e PSD) costumam, mesmo nos maus sufrágios estar acima dos 20% e nos bons acima dos 30%.

No sufrágio de estreia para a Europa, Francisco Lucas Pires, encabeçou a lista de um ainda pujante CDS e conseguiu 15,4%, ficando a cerca de sete pontos percentuais do PS (com Maria de Lourdes Pintasilgo como cabeça de lista), numas eleições ganhas pelo PSD (com Pedro Santana Lopes a liderar a lista), que obteve 37,45%.

Apesar disso, e estando então em jogo 24 eurodeputados, o CDS somente conseguiu quatro mandatos (razão de 3,85% por deputado), ficando o PS com seis (razão de 3,75% por deputado) e o PSD com 10 (razão 3,75% por deputado). Neste sufrágio, a CDU conseguiu 11,5% e elegeu três eurodeputados (razão 3,83% por deputado), enquanto o PRD, já em ‘queda’, ainda elegeu um eurodeputado (Medeiros Ferreira) com 4,5% dos votos.

Saliente-se que estas eleições para o Parlamento Europeu – que elegeram deputados por apenas dois anos, e não cinco como habitualmente, por via da adesão recente de Portugal à CEE – tiveram uma ‘proximidade absoluta’ com as legislativas antecipadas desse ano, por via da queda do Governo minoritário de Cavaco Silva em resultado de uma moção de censura do PRD. Coincidiram na data. E os resultados não foram exactamente semelhantes porque as circunstâncias e os protagonistas eram muito especiais.

Com efeito, nas legislativas de 1987, Cavaco Silva arrecadaria a sua primeira maioria absoluta, com uns estrondosos 50,2%, e a grande diferença com o sufrágio para o Parlamento Europeu surgiu da capacidade dos sociais-democratas de ‘capitalizarem’ nas urnas para a Assembleia da República os votos dos centristas. O então líder do CDS, Adriano Moreira, somente conseguiu 4,44%, ou seja, cerca de menos 11 pontos percentuais do que o seu ‘camarada’ Lucas Pires nas europeias, enquanto Cavaco Silva suplantou em quase 13 pontos percentuais a votação de Pedro Santana Lopes. O actual presidente da autarquia da Figueira da Foz referiu, mais tarde, que a estratégia do PSD foi de priorizar as legislativas, mesmo do ponto de vista de materiais de campanha eleitoral. Nos restantes partidos que então elegeram eurodeputados (PS, CDU e PRD), as diferenças entre os dois sufrágios foram mínimas.

Denotando, este exemplo de 1987, a importância dos cabeças-de-lista apresentados pelos diversos partidos, certo é que nunca, como em 2024, houve um quadro político em vésperas de eleições europeias em claro ‘tripartidarismo’. Hoje, a situação apresenta algumas similitudes com aquela saída das eleições de 1985 – com o PRD próximo dos 20% e PSD e PS então também abaixo dos 30% –, mas as Europeias realizaram-se dois anos depois, em 1987, quando o PRD cometera um ‘harakiri’ político ao fazer cair o Governo minoritária de Cavaco Silva.

Pedro Santana Lopes, aos 31 anos, foi o primeiro vencedor das primeiras eleições para o Parlamento Europeu em Portugal, no ano de 1987, obtendo 37,45%. Mas a sua vitória foi ofuscada por coincidir com as eleições legislativas, onde Cavaco Silva ‘cilindrou’ a oposição, conseguindo uma maioria absoluta com 50,2%. Imgem: RTP Arquivo (debate contra Maria de Lourdes Pintasilgo)

Por esse motivo, mostra-se interessante olhar como será a distribuição dos 21 mandatos no Parlamento Europeu nas eleições do próximo dia 9 de Março com as exactas percentagens obtidas pelos partidos nas recentes eleições legislativas. Assim, se no domingo as notícias não foram nada favoráveis aos comunistas, então para as Europeias afiguram-se dramáticas. Com efeito, contas feitas, com a distribuição dos outros partidos, os 3,3% da CDU no passado domingo serão insuficientes para eleger um eurodeputado. Se se mantivesse a abstenção nos 33,7% registada no domingo – nas Europeias a abstenção tem ultrapassado os 60% –, os comunistas necessitariam de mais cerca de 20 mil votos para ‘sacar’ um mandato. Saliente-se que os comunistas (em coligação com o PEV) têm actualmente dois eurodeputados e representação no Parlamento Europeu desde 1987.

Obviamente, se a CDU conseguir Governo os 202 mil votantes do domingo passado e só forem votar os 3,3 milhões de eleitores das Europeias de 2019, então ficará com cerca de 6% do total, garantindo facilmente um mandato. Mesmo assim muito longe dos históricos 14,4% de Carlos Carvalhas em 1989, que permitiu a eleição de quatro deputados, incluindo um (Maria Santos) do Partido Ecologista Os Verdes, parceiro habitual dos comunistas.

Porém, neste exercício de projectar as percentagens das recentes legislativas para o universo das próximas Europeias, a CDU não será o único partido com assento parlamentar em Portugal a não ter representação no Parlamento Europeu. Também o Livre – cujo co-líder, Rui Tavares, foi já eurodeputado pelas listas do Bloco de Esquerda em 2009, desvinculando-se depois em 2011 – não conseguirá qualquer mandato europeu se mantiver os 3,26% do domingo passado. E quanto ao PAN mais difícil ainda se torna: os 1,93% em Europeias valem nada. Perspectiva-se assim a perda do seu único eurodeputado eleito em 2019 com 5,08%.

Quanto ao Bloco de Esquerda – que desde 2004 está no Parlamento Europeu, tendo chegado mesmo a eleger três deputados em 2009 –, manter-se-á em Bruxelas se obtiver nas Europeias os 4,46% das Legislativas do passado domingo. Porém, reduzido a um representante.

Francisco Lucas Pires em 1987, como cabeça-de-lista do CDS en , foi quem maior percentagem de votos alcançou em eleições europeias (15,4%) a seguir aos ‘dois grandes’. Será esta faquia ultrapassada nas eleições de Junho?

Quem também perderá deputados, caso tenha a mesma percentagem das Legislativas, será o Partido Socialista. Em 2019, os 33,38% resultaram em nove deputados, mas os 28,66% de agora darão apenas para sete. A perda de dois deputados dever-se-á sobretudo aos acertos finais para distribuição dos últimos mandatos.

Já a Aliança Democrática, com os 29,49% de domingo passado, ficará com oito deputados, o que se traduz num ganho líquido de apenas um eurodeputado se considerarmos o somatório dos mandatos saídos das eleições europeias de 2019, onde PSD conseguiu seis deputados e o CDS apenas um. Aliás, é neste caso que se mostra a vantagem das coligações (se não forem ‘tóxicas’) em termos de optimização da distribuição dos mandatos pelo método de Hondt: em 2019, se se somarem os votos individualizados de PSD (21,94%) e CDS (6,19%), a razão percentagem por deputado fica em 4,0%, enquanto com os 29,49% – que dariam para oito deputados – essa razão passa para 3,7%.

No caso da simulação do PÁGINA UM, esta união mostra-se mais relevante: mesmo com perda de influência eleitoral do CDS – que regressou à Assembleia da República à boleia da AD –, com a distribuição de votos nas Legislativas de domingo passado, o 21º deputado nas Europeia seria ‘entregue’ à Aliança Democrática por uma diferença de cerca de 20 mil votos. Ou seja, sem os centristas – que valem certamente mais de 20 mil votos –, o PSD elegeria sete eurodeputados, tantos como o PS.

Simulação da distribuição dos eurodeputados pelo método de Hondt se os diversos partidos tivessem os mesmos votos das legislativas (ou, obviamente, as mesmas percentagens). Análise: PÁGINA UM, a partir do simulador do Ministério da Administração Interna.

Quem entrará seguramente no Parlamento Europeu se mantiverem as percentagens das Legislativas serão a Iniciativa Liberal e o Chega. No caso dos liberais – que em 2019 tiveram apenas 0,88% nas Europeias, com Ricardo Arroja –, os 5,08% são largamente suficientes para recolher um mandato, embora muito longe de um segundo.

Quanto ao Chega, a estreia vai ser bastante auspiciosa: os 18,06% de domingo darão para quatro mandatos, o que constitui, descontada a eleição de 1987, a estreia mais fulgurante de um partido português no Parlamento Europeu. Com efeito, estas serão as primeiras eleições europeias para o Chega, embora André Ventura tenha sido candidato em 2019 na coligação Basta!, criada antes do final do processo de legalização do seu partido, e que integrava o Partido Popular Monárquico (PPM), o Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC) e ainda o movimento Democracia 21. Os 49.496 votos então obtidos por André Ventura deram apenas 1,49%, deixando-o muito longe de Bruxelas e sem a chama actual. Nas Europeias de 2019, Ventura destacou-se por ter faltado a um debate ‘à molhada’ na RTP com os candidatos dos pequenos partidos, optando por ir fazer comentário sobre futebol na CMTV.

Em todo o caso – e como já referido nas eleições de 1987 para os desempenhos Cavaco Silva & Santana Lopes e Adriano Moreira & Lucas Pires –, muito vai depender não apenas da capacidade de segurar eleitores das Legislativas para as Europeias mas também dos cabeças-de-lista, embora não se esteja a ver que qualquer partidos consiga encontrar um ‘coelho’ para tirar da cartola e entusiasmar o eleitorado a seu favor.

André Ventura concorreu em 2019 para as eleições parlamentares integrado na coligação Basta!, antes mesmo da legalização do Chega no Tribunal Constitucional. Agora, se mantiver a fasquia alcançada nas recentes legislativas, o Chega elegerá quatro eurodeputados.

Mesmo se se mostra mais difícil em eleger um deputado para Bruxelas, em comparação com a eleição para a Assembleia da República, as Europeias têm sido palco de algumas surpresas e quase-surpresas, o que não será provável nas próximas. A maior surpresa ocorreu em 2014 quando o antigo bastonário da Ordem dos Advogados Marinho e Pinto aproveitou o seu mediatismo para integrar o Movimento Partido da Terra, conseguindo dois eurodeputados com 7,14%. Acabaria tudo em ‘divórcio’, e Marinho e Pinto criaria, um ano mais tarde, o Partido Democrático Republicano que nunca teve sucesso eleitoral interno, ‘evoluindo’ para a actual Alternativa Democrática Nacional (ADN).

A maior quase-surpresa foi protagonizada por Miguel Esteves Cardoso (MEC) em 1987 – um ano antes de ter fundado, com Paulo Portas, o semanário O Independente, que tantas dores de cabeça daria a Cavaco Silva. Aos 31 anos, MEC foi candidato pelo Partido Popular Monárquico e obteve 2,77%, fazendo uma campanha eleitoral marcante. Dois anos mais tarde – numa altura em que o MDP-CDE (um histórico pequeno partido que depois acabaria fundido no Bloco de Esquerda) procurou surpreender com a candidatura do maestro António Victorino d’Almeida –, MEC fez nova tentativa, mas conseguiu somente 2,07%.

Desconhecendo-se ainda, com excepção da Iniciativa Liberal, quem serão os cabeças-de-lista das próximas Europeias, convém salientar que, ao longo das diversas eleições, por lá passaram personalidades que acabariam mais tarde como primeiros-ministros, como Pedro Santana Lopes e António Costa. Ou então mesmo ex-primeiros-ministros, como foram o caso de Maria de Lourdes Pintassilgo e de Mário Soares (que foi também Presidente da República). No caso de Soares, a sua candidatura em 1999 enquadrava-se numa estratégia socialista, defraudada, de o colocar como presidente do Parlamento Europeu.

António Costa detém, como cabeça-de-lista, a maior vitória nas eleições europeias. Em 2004 conseguiu 44,5%, superando por pouco o recorde de Mário Soares em 1999 (43,1%).

O peso do socialista Mário Soares viu-se nessas eleições, obtendo, até então, a vitória mais expressiva em eleições europeias, com 43,07%, um valor que, em legislativas, daria para ‘sacar’ a maioria na Assembleia da República. Porém, como os mandatos das Europeias são atribuídos para todo o território, o melhor que o PS conseguiu foram 12 mandatos, metade daqueles a que Portugal tinha então direito.

Acrescente-se que essas eleições de 1999, em pleno guterrismo, tiveram um ‘cartaz de luxo’: Mário Soares pelo PS, Pacheco Pereira pelo PSD  e Paulo Portas, pelo CDS, que ainda teve como antagonista (não eleito) o seu irmão mais velho, Miguel Portas, que não foi então eleito – seria quatro anos mais tarde.

Cinco anos mais tarde, com António Costa a liderar a lista socialista, o recorde de Soares seria batido: o ainda actual primeiro-ministro conseguiu 44,57% nas eleições europeias de Junho de 2004, beneficiando da insatisfação popular ao Governo de Durão Barroso, que se demitiria no mês seguinte para ocupar o cargo de presidente da Comissão Europeia. Foi a última vez que qualquer partido superou a fasquia dos 40% – aliás, a partir dessas eleições nunca mais ninguém ultrapassou os 34%. E, provavelmente, se se mantiver a linha das eleições legislativas deste mês, pode suceder que nenhum partido utrapassse nas Europeias a fasquia dos 30%.


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