Recensão: Paisagens construídas

E agora construímos

por Mariana Santos Martins // Março 24, 2024


Categoria: Cultura

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Título

Paisagens construídas - O passado e o presente da arquitetura portuguesa em 16+1 obras

Autor

VALDEMAR CRUZ

Editor (Edição)

Valdemar Cruz (Fevereiro de 2024)

Cotação

19/20

Recensão

A nobreza não deveria ser luxo. E não o é nesta edição de homenagem à arquitectura portuguesa.

Em cada vinco das páginas encontramos a dignidade de quem quer que as letras ecoem traços de desenho pelo nosso país, com a leveza e harmonia de notas bem construídas, improvisos inesperados, pontes, refrões, música enfim.

Ou como diria Frank Lloyd Wright, perante boa arquitectura, o nosso ouvido interno capta música (ou foi Goethe que disse que arquitectura era música petrificada?)…

Não importa quem diz o quê se ao passarmos dedos, olhos e corpo em partituras melodiosas como este livro podemos relembrar o porquê da nação de poetas saber cantar poesia com muros. Sem dúvida um livro que recomendo, que encarna o esforço que ultrapassa barreiras, quer pelo seu sucesso na edição, quer pelo seu conteúdo.

É-me impossível fazer uma recensão sem sentir a minha experiência pessoal: a primeira que este livro evoca é o confronto que tive, desde cedo, com o facto de edições desta natureza parecerem inacessíveis, marcos históricos superiores, testemunhos debruados a ouro do tempo das iluminuras, em que laboriosos escribas penavam segundo a segundo, milímetro a milímetro para encapsular na posteridade um arrojo humano, uma visão, um milagre.

Valdemar Cruz e Inês d’Orey parecem-me aqui esses escribas, dedicados com a alma a erguer uma publicação capaz de competir com a Birkhäuser Verlag, mas melhor, porque além da estrutura decassilábica temos cores, texturas e sons; uma prova de que em Portugal cá estamos, de montante a jusante do rio criativo que flui por estas terras, cá ficaram, cá navegam, cá entram e saem pessoas de tanto valor, numa abnegada produção de conhecimento que país e mundo ignoram.

Não o proclamo em vitimização, não! Que se lixe! Assim mesmo o digo, que se lixe! O valor intrínseco não se tolhe pela poluição dos atmosféricos, não se paralisa pelo atavismo dos míopes. Faz. E acontece.

Curioso que, ainda no prólogo, o autor e coordenador nos admita ter chegado à arquitectura não pelos alicerces, mas sim pelo telhado. Ora, curioso, porque nutro eu sentimento igual, que não sacudo por nada, e já nem tento, bem vos digo. Facto é que a cada degrau subido só sinto estar mais longe das fundações e periclitante nos ombros dos gigantes que povoam esta arte, e de cada vez que sinto que esse afastamento se generaliza e atemoriza a sociedade sobre o mundo da arquitectura, eis que livros como este surgem para estender a escada.

Única nota, neste caso também ao prólogo, que lamento, é o infestar de parêntesis de “correcção” do artigo masculino para feminino. Certamente, vários colegas meus discordam de mim nesse aspecto, certamente que sou eu que estou desfasada do Zeitgeist do que considero ser uma artificial paridade da língua e do mundo, mas não poderia deixar de o anotar.

Mas, de novo, que se lixe, não importa - nem sequer vou aprofundar sobre tal, seria mesquinho da minha parte perante a grandeza deste empreendimento e a beleza do resultado final.

Este livro é tão bom, que espero que as edições seguintes se multipliquem. Tão bom, que espero que caiba mais um, e mais outro, para mapear a arquitectura portuguesa que se omite por agora e espera a sua vez. Porque a arquitectura portuguesa espera, pacientemente, diligentemente, sem parar de trabalhar.

Obrigada ao autor, obrigada a todos os seus participantes, na prova de que o esforço conjunto materializa grandes obras. É uma honra poder saltar de telhado em telhado nos projectos que por aí nascem.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

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