Não pára de crescer o pacote milionário de contratos de publicidade que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) tem andado a distribuir por empresas de media para promover os seus jogos e a própria instituição, que está envolta num escândalo com investimentos ruinosos no Brasil. Na tarde de ontem, João Correia, administrador da SCML e antigo secretário de Estado do governo de Sócrates, assinou mais três contratos com grandes grupos de media: a SIC recebe 3 milhões de euros; a TVI arrecada 2,5 milhões de euros; e a Trust in News, dona da revista Visão, encaixa 50 mil euros. No total, com mais estes três contratos, os gastos em publicidade da SCML aproximam-se já dos 14 milhões de euros, sendo provável que ainda aumentem mais, uma vez que, por exemplo, ainda nem sequer está divulgado o previsível contrato com a Medialivre, dona do Correio da Manhã, da CMTV e do futuro canal Now. A forma pouco transparente com que têm sido distribuídos os montantes de gastos com publicidade da SCML tem causado perplexidade.
Na tarde de ontem, em que o Governo decidiu exonerar a Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, liderada por Ana Jorge – acusada de “actuações gravemente negligentes” -, o vogal João Correia ainda teve tempo para assinar mais três contratos de publicidade com empresas de comunicação social. Dois deles milionários.
De acordo com os contratos a que o PÁGINA UM teve acesso – e que integrarão um plano anual com vista à promoção dos jogos e da própria instituição, mas que nunca foi divulgado -, o vogal da SCML João Correia, antigo secretário de Estado da Justiça do Governo de José Sócrates, assinou em dois minutos os contratos milionários com a SIC – Sociedade Independente de Comunicação, do Grupo Impresa, no valor de três milhões de euros, e com a TVI – Televisão Independente, no valor de 2,5 milhões de euros. Os contratos foram também assinados, pelo lado da SIC, por Francisco Pedro Pinto Balsemão, e pelo lado da TVI, por Pedro Morais Leitão. Um terceiro contrato beneficiou ainda a Trust in News, dona da Visão e de outros títulos, mas com um montante muito mais pequeno: apenas 50 mil euros. Os contratos com as duas empresas de televisão foram assinados por volta das 15 horas e 30 minutos.
Aliás, a forma pouco transparente com que têm sido distribuídos os montantes causa perplexidade. Os contratos têm vindo a ser assinados desde Março, a conta-gotas, abrangendo tanto empresas de gestão de outdoors, como agências de comunicação e de publicidade digital (entre as quais as empresas donas do Facebook e do YouTube) e empresas de media, mas nunca se revelaram os critérios para a distribuição das maquias. Na verdade, os contratos funcionam como um plafond a gastar, caso a caso, desde o início de Janeiro passado até ao final do próximo mês de Dezembro.
Com mais estes três contratos, os gastos em publicidade a pagar pela SCML aproximma-se já dos 14 milhões de euros, sendo provável que ainda aumentem mais, uma vez que, por exemplo, ainda nem sequer está divulgado o previsível contrato com a Medialivre, dona do Correio da Manhã, da CMTV e do futuro canal Now, e que tem Cristiano Ronaldo como principal accionista.
Para a generalidade destes contratos é invocada uma norma de excepção do Códigos dos Contratos Públicos – a contratação excluída -, aplicável “à formação de contratos cujo objecto abranja prestações que não estão nem sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua formação”. Um argumento que terá ainda de passar pelo ‘crivo’ do Tribunal de Contas, pelo menos nos contratos de maiores montantes. Em alguns dos contratos, esta justificação serve para nem sequer ser apresentado contrato escrito.
A SIC e a TVI, com os contratos ontem assinados, passam a liderar o bolo publicitário da SCML, ultrapassando assim, largamente, a RTP que, na semana passada, teve direito à promessa de entrega de 1,03 milhões de euros. Mas entre os, por agora, 31 os ‘contemplados’ pela SCML, estão agora também empresas estrangeiras: a Meta – dona do Facebook -, o Google – dono do Youtube – e a Walt Disney – dona de diversos canais por cabo.
No caso da empresa de Mark Zuckerberg, a SCML vai pagar 600 mil euros por publicidade na rede social Facebook, não existindo qualquer contrato que estipule preços nem condições. Este será o primeiro contrato da Meta com entidades públicas portuguesas, de acordo com o Portal Base. No caso do Google, o montante é um pouco mais baixo: 400 mil euros, embora também não se saiba se o investimento publicitário será exclusivamente no YouTube, uma vez que o contrato também não foi reduzido a escrito. No caso da sucursal portuguesa da Walt Disney, o montante em causa atinge os 350 mil euros, e até existe contrato escrito, apesar de nada dizer sobre quais os canais onde a publicidade será colocada. A empresa tem vários canais televisivos por cabo, entre os quais o Disney Channel, Disney Junior,Baby TV e National Geographic.
No caso das empresas de media, são agora 16 as beneficiadas, sem se conhecer também as razões da escolha e sobretudo dos montantes. Atrás da SIC, TVI e RTP, por agora a quarta maior beneficiada nos contratos da SCML é a sucursal portuguesa do grupo alemão Bauer Media, dona da Rádio Comercial, M80, Cidade FM, Smooth FM e Batida FM. Prometidas estão, desde já, 766 mil euros em publicidade da SCML.
Contudo, se se somar os contratos da subsidiária que controla a TSF, a Global Media fica próxima dos valores da RTP. Directamente para o grupo liderado por Marco Galinha, que vive uma situação financeira catastrófica, a SCML vai entregar publicidade no valor de 560 mil, mas pode também incluir mais 260 mil euros a receber da sua subsidiária Rádio Notícias. Deste modo, a Global Media encaixará da instituição liderada pela antiga ministra socialista da Saúde um total de 820 mil euros. E então o seu administrador Rui Manuel da Costa Rodrigues só pode tecer loas, por via das verbas a receber da Mol 2.
A distribuição da maior fatia à Global Media não deixa de surpreender ainda mais tendo em conta também a circulação dos seus principais diários, mesmo incluindo a componente digital. Por exemplo, a Impresa ‘só’ vai receber 350 mil euros. Este montante incluirá, em princípio, apenas os títulos da imprensa escrita, uma vez que a SIC é gerida por uma empresa própria. Como a SCML não quis revelar se houve mais contratos ainda não publicados no Portal Base, ignora-se se o grupo de media fundado por Pinto Balsemão terá mais razões para agradecer a bondade da SCML.
Polémicos também são os contratos que beneficiam empresas de Luiz Montez. De modo algo surpreendente, sobretudo pelo fraco alcance da rádio em questão e por envolver indirectamente uma empresa com dívidas ao Estado, é o contrato para publicidade que a SCML celebrou com a empresa da Rádio Amália, que envolve o pagamento de 176.800 euros, que representa 40% dos rendimentos que obteve em 2022. Esta empresa – a Rádio Nova Loures – pertence a Luís Montez, através da Música no Coração que, como o PÁGINA UM já revelou, nem apresentou contas em 2022, estando no ano anterior com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros.
Luís Montez saiu-se duplamente beneficiado neste selecto grupo de adjudicatários para prestação de serviços de publicidade á SCML. Com efeito, a SIRS – a empresa que detém a Rádio Nova, onde ele possui 25% do capital, sendo que outro tanto é de Álvaro Covões e 50% pertence ao Público – vai receber até ao final do ano por serviços de publicidade um total de 62.400 euros.
Nos despachos hoje publicados pelo Governo, assinados pela ministra do Trabalho e Solidariedade Social, a exoneração da Mesa da SCML é justificada por não ter prestado “e “informações essenciais ao exercício da tutela, nomeadamente, a falta de informação à tutela sobre o relatório e contas de 2023, mesmo que em versão provisória, sobre a execução orçamental do primeiro trimestre de 2024, bem como a ausência de resposta de os pedidos de informação até agora solicitados”. O Governo Montenegro acusa também a equipa de Ana Jorge de não ter elaborado “um plano de reestruturação financeira, tendo em conta o desequilíbrio de contas entre a estrutura corrente e de capital”, o que constituirá “actuações gravemente negligentes”.
Através de um comunicado aos trabalhadores, a antiga ministra socialista da Saúde já reagiu ao ‘despedimento’ e aos motivos invocados, criticando a “forma rude, sobranceira e caluniosa” com que o Ministério do Trabalho justifica a sua exoneração”. Ana Jorge diz também que “em política, tal como na vida, não vale tudo”. Mas, enfim, “, prometendo que, “a seu tempo e em sede própria, contarei a minha verdade, que é a verdade de quem serviu a SCML com a mesma entrega e espírito de missão com que desempenhei as várias funções públicas e cívicas ao longo da minha vida”.
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