As recentes alterações propostas ao plano de preparação para pandemias da Organização Mundial de Saúde (OMS) foram insuficientes para tranquilizar os maiores receios em torno do que está a ser planeado. Além de haver apelos para que seja adiado o prazo para a aprovação do polémico plano, um novo revés surgiu nos Estados Unidos. Todos os senadores do Partido Republicano estão contra a adesão do país ao plano que poderá dar mais poderes à OMS em caso de pandemia ou crise sanitária. Os 49 senadores Republicanos enviaram uma carta a Biden e avisam que qualquer acordo ou convenção sobre preparação para pandemias será considerado um tratado e terá de ter dois terços de votos a favor para passar no Senado. Os senadores pedem também que sejam feitas reformas na OMS antes de ser criado qualquer tratado. O plano da OMS envolve a criação de um acordo ou tratado e também alterações ao Regulamento Sanitário Internacional. Ambos estão em discussão e podem ser aprovados já no final de Maio. Entre os principais receios existentes está o alargamento dos poderes da OMS, o desrespeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como ameaças à liberdade de expressão.
O que nasce torto será que se endireita? O plano da Organização Mundial da Saúde (OMS) para preparar o Mundo para novas pandemias enfrenta um novo obstáculo. Apesar de ter sofrido profundas alterações recentemente, as dúvidas em torno do plano persistem, incluindo nos Estados Unidos, onde todos os senadores do Partido Republicano mostraram estar contra a adesão do país ao plano da OMS.
Esta semana, os 49 senadores Republicanos enviaram uma missiva ao presidente norte-americano pressionando Joe Biden a rejeitar o plano que poderá dar mais poderes à OMS em futuras e pandemias crises sanitárias.
Na carta, os senadores deixam um apelo a Biden: “Pedimos fortemente que não adira a nenhum tratado, acordo ou convenção relacionados com pandemias que estejam a ser considerados”. Os países irão adoptar ou rejeitar o novo plano da OMS na 77ª Assembleia Mundial de Saúde, que tem início a 27 de Maio.
O plano da OMS consiste na criação de um acordo ou convenção – o chamado Tratado Pandémico – e também envolve alterações ao Regulamento Sanitário Internacional (RSI). A oitava reunião do grupo de trabalho que está a negociar as alterações ao Regulamento, que decorreu na semana passada, ficou em standby e será concluída numa última sessão de dois dias, a 16 e 17 de Maio, anunciou a OMS. No total, o RSI envolve 196 países – os 194 países membro da OMS, o Liechtenstein e o Vaticano.
No caso do Tratado Pandémico, a nona reunião foi suspensa a 28 de Março e os países acordaram retomar os trabalhos para concluir as negociações do texto entre 29 de Abril e 10 de Maio.
Na carta datada de 1 de Maio, os senadores Republicanos recordaram que qualquer acordo do género seria considerado um tratado, pelo que exige “a concordância de dois terços do Senado nos termos do artigo I, secção 2, da Constituição”.
Os senadores sublinham que “o fracasso da OMS durante a pandemia de covid-19 foi tão total quanto previsível e causou danos duradouros ao nosso país”. Por isso, frisam que o país “não se pode dar ao luxo de ignorar esta última incapacidade da OMS para desempenhar a sua função mais básica e deve insistir em reformas abrangentes da OMS antes mesmo de considerar alterações ao Regulamento Sanitário Internacional ou qualquer novo tratado relacionado com a pandemia que aumente a autoridade da OMS”.
“Em vez de abordar as deficiências bem documentadas da OMS, o tratado concentra-se em transferências obrigatórias de recursos e tecnologia, destruindo direitos de propriedade intelectual, infringindo a liberdade de expressão e reforçando a OMS”, alertam os senadores na carta enviada a Biden.
Mas os senadores também elencam uma série de falhas formais: “O artigo 55.º do RSI exige que o texto de qualquer alteração ao RSI seja comunicado aos Estados-Membros pelo menos quatro meses antes da WHA [World Health Assembly] em que devem ser considerados”. Frisam que, “uma vez que a OMS ainda não forneceu o texto final de alteração aos Estados-Membros, consideramos que as alterações relativas ao RSI podem não ser consideradas na WHA do próximo mês”.
Na carta, é também destacado que “algumas das mais de 300 propostas de alterações feitas pelos Estados-membros aumentariam substancialmente os poderes de emergência sanitária da OMS e constituiriam violações intoleráveis à soberania dos EUA”. Assim, consideram que “era essencial que a OMS respeitasse o período de pré-aviso de quatro meses para dar tempo aos Estados-Membros para garantir que nenhum vestígio de tais propostas fosse incluído num pacote final de alterações para apreciação pela WHA”, contudo, “não o tendo feito, as alterações não são corretas”.
“À luz dos elevados riscos para o nosso país e do nosso dever constitucional, apelamos a que (1) retire o apoio da sua Administração às atuais alterações do RSI e às negociações do tratado sobre a pandemia, (2) mude o foco da sua Administração para reformas abrangentes da OMS que resolvam os seus fracassos persistentes sem expandir a sua autoridade, e (3) caso ignore estes apelos, submeta qualquer acordo relacionado com a pandemia ao Senado para parecer e aprovação”, refere a carta.
Outra preocupação dos senadores Republicanos é de que “avançar com um novo tratado de preparação e resposta à pandemia ignora o facto de que ainda não temos certeza das origens da covid-19 porque Pequim continua a bloquear uma investigação independente legítima”.
Uma das hipóteses fortes levantadas desde o início da pandemia é de que a covid-19 teve origem numa fuga de um laboratório, uma tese que a administração Biden ordenou que as redes sociais censurassem em 2021, como o PÁGINA UM noticiou ontem. Ainda esta semana, Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, esteve a ser ouvido no Subcomité sobre a Pandemia de Coronavírus, nos Estados Unidos, sobre as ligações da organização a pesquisa conduzida num laboratório em Wuhan, na China. A EcoHealth tem sido também financiada pelo National Institutes of Health dos Estados Unidos, que chegou a ter Anthony Fauci – que foi o rosto da estratégia da covid-19 da Casa Branca – como director.
Desde cedo que os textos do novo Tratado e as alterações ao RSI levantaram dúvidas e desconfiança por mutilarem o conceito de direitos humanos e liberdades fundamentais do Regulamento e por reforçarem os poderes da OMS em caso de novas pandemias, entre outros temas controversos, incluindo em torno do tema de financiamento de projectos de saúde em países mais pobres. Além disso, teme-se que o plano pandémico represente uma forte ameaça à liberdade de imprensa e liberdade de expressão, com medidas que podem ser adoptadas com a justificação do combate à ‘desinformação’.
Mas o director-geral da OMS, Tedros Adhanom, tem tentado, em diversas declarações públicas, pressionar os países a rubricar o plano, tentando afastar os receios em torno do reforço dos poderes da OMS em futuras pandemias face à soberania dos diversos países.
Recentemente, os textos sofreram alterações de fundo, tendo sido reposto o conceito de defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em saúde, como o PÁGINA UM noticiou, mas as mudanças foram insuficientes e crescem os apelos para que a votação do plano seja adiada para que os países tenham mais tempo para preparar textos mais sólidos e que respeitem a autonomia dos países e a defesa dos direitos humanos e civis em futuras pandemias.
Existem receios de que, com o plano pandémico que está a ser desenhado na OMS, acabe por ser criada uma indústria de pandemias focada na venda de produtos e medicamentos à custa de dinheiros públicos. Recorde-se que na covid-19, os países da União Europeia, incluindo Portugal, tiveram de pagar vacinas que vão para o lixo, entre outros desperdícios e gastos com equipamento e medicamentos que eram desnecessários ou até contraproducentes.
Também se teme que se repita o desastre que foi a gestão da pandemia de covid-19 na maioria dos países. A estratégia seguida pela maior parte dos países foi um fracasso o que é comprovado, nomeadamente, pelo enorme excesso de mortalidade registado em países que seguiram indicações da OMS e aplicaram medidas radicais e, muitas vezes, sem fundamentação na evidência científica. Além dos danos causados na economia, o que levou a um aumento do nível de pobreza, os mais vulneráveis foram muito prejudicados, incluindo crianças e jovens, devido ao fecho de escolas, mas também os mais idosos e doentes que ficaram sem acesso a tratamentos.
A excepção foi a Suécia, que implementou o habitual protocolo, não impôs confinamentos nem uso de máscara, em geral, não encerrou a generalidade das escolas e manteve a economia a funcionar. É um dos países com o menor nível de excesso de mortalidade, desde 2020.
Tal como aconteceu durante a pandemia de covid-19, no caso do Tratado Pandémico, em vez de estar a ser debatido publicamente, tem estado envolto numa polarização política, o que tem impedido um debate e análise profundos e sérios do tema, incluindo nos media. A imprensa, em geral, tem ignorado as negociações em curso na OMS e também tem abafado a polémica em torno de algumas propostas controversas que estão na mesa.
O tema do Tratado Pandémico não tem sido alvo de debate público, incluindo em Portugal, e os mass media também têm ignorado o tema, apesar da sua relevância. A polémica e as propostas controversas em torno do plano têm sido abafados pelos media mainstream, chegando pouca ou nenhuma informação ao público em geral. Por exemplo, em Portugal, as poucas notícias sobre o tema – incluindo uma recente da agência Lusa que foi amplamente difundida pela generalidade dos media – escondem o facto de terem caído as propostas mais controversas e não mencionam as dúvidas e críticas existentes face ao plano.
Em Portugal, o plano pandémico foi alvo de debate no Parlamento, como o PÁGINA UM noticiou, por força de uma petição que obrigou os deputados a discutir o tema, mas acabou por ser debatido de forma superficial, com deputados a fugir completamente à discussão em concreto das propostas que estão na mesa para os textos do plano da OMS. Uma proposta do partido Chega para recomendar ao governo que Portugal não adira ao Tratado Pandémico foi rejeitada, tendo tido apenas o apoio da Iniciativa Liberal.
Agora, com a oposição do Partido Republicano, resta saber se os Estados Unidos vão acabar por ser a pedra final no sapato de Tedros Adhanom e fica no ar a dúvida sobre como a OMS vai agora conseguir descalçar esta bota em que se tornou o controverso plano para preparar o mundo para futuras pandemias.
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