Há 12 dias, o PÁGINA UM revelou que a Leitek Unipessoal, cujo sócio único é um ex-militar condenado por corrupção passiva, obteve uma licença do Ministério da Defesa para comercializar tecnologias militares, contrariando um impedimento legal. Hoje, num sábado, e ignorando a notícia do PÁGINA UM, o gabinete de Nuno Melo anunciou uma auditoria aos licenciamentos de comercialização de tecnologias militares desde 2015 no decurso de uma alegada “averiguação preliminar” que detectou o caso de uma “empresa cujo sócio foi condenado em pena de prisão”. O gabinete de Nuno Melo não quis (ainda) dizer se a ‘averiguação preliminar’ consistiu na leitura da notícia do PÁGINA UM ou se, além da Leitek, há ainda outra empresa licenciada com um sócio condenado por crimes incompatíveis.
Doze dias depois do PÁGINA UM ter revelado que a empresa unipessoal de um antigo capitão de fragata, condenado em 2008 por corrupção passiva, ter recebido uma licença para exercer actividades de comércio e tecnologias militares, o Ministério da Defesa anunciou hoje, num sábado, uma auditoria a todos os licenciamentos desde 2015. Em causa está uma lei de 2009 que proíbe expressamente que, por razões de idoneidade, essa licença está vedada a quem tenha sido condenado, em Portugal ou no estrangeiro, por diversos crimes graves.
Conforme a notícia do PÁGINA UM do passado dia 13 de Maio, o antigo secretário de Estado da Defesa Nacional, Carlos Pires, através de um despacho de 26 de Setembro do ano passado, concedeu uma licença de comércio de tecnologia militar à empresa Leitek Unipessoal, pertencente a Clélio Ferreira Leite, após passar pelo crivo da Autoridade Nacional de Segurança.
No despacho governamental diz-se que “a sociedade comercial [Leitek] cumpre os pressupostos cumulativos para a atribuição de licenciamento para o exercício das atividades pretendidas, previstos no nº 1 do artigo 8º da Lei nº 49/2009, mas esquece completamente o artigo referente à idoneidade – usada também como critério de exclusão, por exemplo, para exercício de funções em instituições financeiras.
Porém, conforme o PÁGINA UM revelou em exclusivo, o passado de Clélio Ferreira Leite não lhe permitia, por razões de idoneidade, obter essa licença por causa de uma condenação por corrupção passiva em actos praticados no final da primeira década deste século. Com efeito, a lei em causa determina que “sem prejuízo de outras circunstâncias atendíveis, considera-se não possuir idoneidade quem tenha sido condenado, no País ou no estrangeiro, por crimes de falência dolosa, falência por negligência, falsificação, furto, roubo, burla, extorsão, abuso de confiança, infidelidade, usura, corrupção, emissão de cheques sem provisão, apropriação ilegítima de bens do sector público ou cooperativo, falsas declarações, branqueamento de capitais ou infracções à legislação especificamente aplicável às sociedades comerciais, ou ainda por crimes praticados no exercício de actividades de comércio ou de indústria de bens e tecnologias militares”, ou que “tenha comprovadamente tido envolvimento no tráfico ilícito de armas ou de outros bens e tecnologias militares ou de dupla utilização ou, ainda, na violação de embargos de fornecimento de bens e tecnologias militares decretados pela Organização das Nações Unidas, pela União Europeia, pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa ou pelo Estado português”.
Ora, em Setembro de 2006, Clélio Ferreira Leite, que chegou a estar indigitado para director-geral de Armamento e Equipamentos de Defesa – um organismo responsável pela execução financeira dos contratos de reequipamento das Forças Armadas –, foi detido numa megaoperação da Polícia Judiciária, ficando em prisão preventiva e acabou condenado a sete anos de prisão efectiva por corrupção passiva.
Apesar de o Ministério da Defesa Nacional nunca ter reagido à notícia do PÁGINA UM – que incidiu sobre factos do Governo socialista e, portanto, anteriores à tomada de posse do actual ministro Nuno Melo – , a nota de imprensa oficial hoje revelada não assume ser uma tomada de posição devida ao caso concreto da Leitek e ao cadastro de Clélio Ferreira Leite, bem como aos falhanços no controlo dos licenciamentos por parte da Direcção-Geral de Recursos de Defesa Nacional e do Gabinete Nacional de Segurança.
A nota do gabinete do Ministro da Defesa Nacional não identifica qualquer empresa e diz apenas que “depois de uma averiguação preliminar, verificou-se que, aparentemente [sic], desde o ano de 2015 não têm vindo a ser cumpridas as exigências” relacionadas com a idoneidade para o exercício de actividades de comércio ou indústria de bens tecnologias.
E acrescenta ainda, sem sequer admitir que o Ministério da Defesa teve conhecimento da notícia de 13 de Maio do PÁGINA UM, “ter sido apurado numa amostragem restrita de processos considerados, o eventual licenciamento […] de uma empresa cujo sócio foi condenado em pena de prisão por um crime” integrado nas incompatibilidades da lei, como é o caso da corrupção.
O PÁGINA UM contactou a assessoria de comunicação de Nuno Melo para confirmar se a “averiguação preliminar” do Ministério da Defesa consistiu na leitura da notícia sobre o caso da Leitek e da condenação de Clélio Ferreira Leite publicada há 12 dias. Ou se, ao invés, o Ministério da Defesa tinha, nessa “averiguação preliminar” detectado outra empresa com sócio cadastrado – e, portanto, estarmos perante duas empresas e não apenas uma. O Ministério da Defesa diz não haver mais nada a comunicar além do constante na sua nota de imprensa.
Ainda sobre Clélio Ferreira Leite saliente-se também que é um destacado membro da World UAV [Unmanned Aerial Vehicle] Federation, um organismo sedeado em Hong Kong e controlada sobretudo por personalidades e empresas chinesas. Os denominados veículos aéreos não-tripulados, vulgarmente designados por drones, têm vindo a ganhar uma grande preponderância em operações militares, como se tem observado nos conflitos na Ucrânia e Gaza, tendo sido desenvolvido nos anos mais recentes quer novas tecnologias de ataque como de defesa. No entanto, a lei de 2009 não estabelece especiais cuidados na análise das ligações empresariais com determinados países.
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