Crónica de um infiltrado (especial Taça de Portugal)

Os sócios do Porto votaram para ganhar, eu votei em branco

lion lying on brown grass field during sunset

por Carlos Enes // Maio 27, 2024


Categoria: Opinião

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A conquista do campeonato com recordes de pontos, vitórias, golos bonitos e mulheres notáveis – tanto que já há muitos casamentos marcados –, deixou o plantel do Sporting vulnerável. O balneário começou a meter água e pedidos de autógrafos por todos os lados. Os geniais mas exaustos e aliviados craques deram por eles emaranhados até ao pescoço – os mais baixos até à raiz dos cabelos – numa maré de cornetas de plástico, foguetes e debates sobre comportamentos adequados na sociedade portuguesa.

O Kökçü não é conhecido por ser lá muito trabalhador – comentou um conhecido adepto do Benfica, já a pensar na Taylor Swift para salvar a época. E que época, caramba! Qual Gabriel Alves passado a escrito, o ilustre director do PÁGINA UM bem relatou, ao longo de 17 aborrecidas e aturadas jornadas, como foi enervante e dolorosa a temporada na Varanda da Luz. Apesar do esforço democrático de Pedro Almeida Vieira, o comentário do adepto de bancada parlamentar não mereceu quaisquer desculpas no balneário do Sporting.

A princípio, os jogadores mergulharam em pequenas celeumas sobre direitos humanos e liberdade de expressão, que aos poucos degeneraram num burburinho generalizado, do Paulinho roupeiro ao Paulinho goleador, sobre a qualidade dos treinos do turco do Benfica. A polémica culminou na fundada suspeita quanto à existência de um plano concertado, a partir das mais altas instâncias e palácios, para retirar mérito à conquista do pátrio título e das raparigas mais bonitas de Lisboa. Coube ao presidente anunciar ao balneário um plano terapêutico para o completo restabelecimento da reputação do clube.

Na final da Taça, é para rebentar com eles!

Está bem que faltou ao dr. Frederico Varandas, provavelmente o melhor presidente do Sporting desde que sou nascido, a precisão retórica de um José Hermano Saraiva ou a profundidade científica de um Sousa Veloso. Mas, que diabo, os médicos já não prescrevem com a prosa do dr. Fernando Namora! Mais uma vez, um inocente e desadornado comentário, despido de quaisquer intenções malévolas ou maliciosas, não passou despercebido no balneário do Futebol Clube do Porto.

A final da Taça de Portugal era, pois, um jogo de alto risco.

Fui ao estádio com a irresponsável esperança de curar as traumatizantes memórias das finais recentemente perdidas contra a gloriosa Académica e o colossal Desportivo das Aves. Até mesmo a réstia de fé que arrastei para a tribuna de imprensa era infundada: por ver ao vivo Pedro Almeida Vieira escrever ao vento do Jamor, enquanto eu cruzava os braços de frio, agravei um resfriado com vários dias de evolução. Aprimorado com uma camisola verde que alegremente me cravou, orgulhosamente vestida na bancada dos jornalistas, o Sr. Director animou-me a ir resistindo, sem grandes espirros, a 120 minutos mais descontos daquilo.

 – Viste esta jogada? O Sporting este ano tem mesmo um ataque de rebentar!

A equipa do Sporting entrou em campo com a desconcertante descontracção daquele inocente pónei que foi violado nos seus direitos à alface e à imagem num supermercado de Sintra, sem ao menos o PAN relinchar por ele de indignação em conferência de imprensa. Já os jogadores do Porto apresentaram-se como cavalos selvagens. Matreiro, o Otávio pediu respeitosamente ao Gyökeres para ir atacar para outro lado, que ele não queria passar vergonhas no Estádio Nacional. O St. Juste, qual anjinho a esbracejar as asas, ficou tão extasiado pelo golo mais bonito da tarde que não tardou a afogar a equipa na esparrela do adversário. Talentoso e artista, Evanilson tantas vezes tentou, sem sucesso, encandear o árbitro e enganar um valente guarda-redes de 19 anos, que já no prolongamento caiu morto na relva e foi mesmo penalty.

Eu preparava-me para escrever o nome de Diogo Pinto no boletim distribuído pela Federação Portuguesa de Futebol aos jornalistas para escolhermos o homem do jogo. Senti-me tão confuso e contrariado que engoli em seco e votei em branco.

Confortaram-me, em coro ruidoso mas bem ensaiado, os adeptos do Porto, soltando até ao fim excruciantes gritos de alívio de cada vez que uma quadrilha de defesas roubava a bola ao Puro-sangue do Sporting. Aquele estridente trauma terá sido infligido por dois golos de rajada, ao minuto 86, por volta das dez horas da noite de 28 de Abril de 2024. Acredito que esse acontecimento, que fica para a História dos Clássicos, foi mais chocante para eles do que para nós não termos verdadeiramente chegado a disputar a final da Taça de Portugal.

Na véspera dos petardos do Gyökeres, deu-se um acontecimento muito mais importante para o futuro. Os corajosos sócios do Porto tiveram a sabedoria muito nortenha de votar em massa, limpar o clube e libertar a cidade. Deus ajude sempre quem muda com coragem! O Sporting honrou os seus adeptos e a sua História abrindo alas a um meritório e justo vencedor.

O Pedro levou a camisola verde que lhe emprestei para casa. Diz que já fica para a final da Supertaça.

Fica tu também, St. Juste! Da próxima vez, até ao fim do jogo – e da festa.


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