Uma Resolução do Conselho de Ministros ainda assinada por António Costa decidiu gastar, sem concurso público, 25 milhões de euros para os novos sistemas de controlo de fronteiras (Smart Borders), alegando, sem justificar, “urgência imperiosa”, um expediente de duvidosa legalidade nestas circunstâncias porque nem sequer é apresentada fundamentação. E o Governo Montenegro, que se queixou da ‘herança’ de despesas do anterior executivo, concordou com o procedimento de ajuste directo e já assinou um contrato de 8,4 milhões de euros com uma empresa (Timestamp), escolhida com base em critérios nada transparentes. A Presidência do Conselho de Ministros nem sequer mostra o caderno de encargos para se saber o que foi comprado com uma inusitada verba para este tipo de aquisições, tratando isto como se estivesse a comprar tremoços para acompanhar umas imperiais de sorte a refrescar uma tarde soalheira.
O Governo de Luís Montenegro – que criticou o Governo de António Costa de lhe ter deixado despesas excepcionais, algumas aprovadas já depois das eleições – não aparenta particulares preocupações uma gestão criteriosa dessas mesmas despesas.
O actual Governo, através da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, concordou em seguir uma resolução do Conselho de Ministros do início de Março, assinada exclusivamente por António Costa, no sentido de autorizar a realização de despesa para aquisição de software até 25 milhões de euros por ajuste directo no âmbito do pojecto comunitário Smart Borders para controlo automatizado de entradas e saída no Espaço Schengen.
O primeiro contrato por ajuste directo – sem sequer se conhecer os detalhes da escolha nem aquilo que foi adquirido por nada constar no Portal Base – foi assinado na sexta-feira passada com a Timestamp no valor de 6,8 milhões de euros, já depois de um despacho no passado dia 17 de David Xavier, secretário-geral da Presidência do Conselho de Ministros. Com IVA, a despesa atingem valores próximos de 8,4 milhões de euros.
A escolha do procedimento por ajuste directo, baseado exclusivamente numa resolução do Conselho de Ministros não é consensual, e terá ainda de ser sancionado pelo Tribunal de Contas. Isto porque a Resolução do Conselho de Ministros do Governo Costa apenas determina que se adopte os “procedimentos de ajuste directo […] por motivos de urgência imperiosa”, mas sem adiantar qualquer fundamentação. Com efeito, no Código dos Contratos Públicos, considera-se aceitável um ajuste directo, independentemente do valor – e este, para o género, é anormalmente elevado –, “na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.
Ora, independentemente do interesse em modernizar o controlo de fronteiras, subsistem muitas dúvidas se a alegada “urgência imperiosa” resulta mesmo de “acontecimentos imprevisíveis” pela Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, e se esta entidade está isenta de culpas por um eventual atraso na implementação do projecto Smart Borders em Portugal, que foi aprovado em 2018 na União Europeia, que integra duas componentes.
Por um lado, o novo sistema de entrada e saída (EES), que deverá começar a estar operacionalizado no segundo semestre deste ano, prevê a agilização do controlo de estrangeiros (fora do Espaço Schengen) em viagens de curta duração, com a eliminação do carimbo do passaporte e automatização de procedimentos. Quanto à outra componente, a começar a funcionar no primeiro semestre do próximo ano, trata-se do novo Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem (ETIAS), que vai passar a exigir a diversos países uma autorização especial de viagem mesmo que não seja exigido actualmente necessário visto.
O PÁGINA UM colocou diversas perguntas concretas à Presidência do Conselho de Ministros, todas respondidas com evasivas. Sobre os critérios que levaram à escolha, em concreto, da Timestamp – e de nenhuma outra –, fonte oficial diz que “a escolha da entidade em causa foi assegurada no estrito cumprimento do Código dos Contratos Públicos […], ou seja, de acordo com critérios técnicos e objetivos e com a rigorosa observância do princípio da imparcialidade”.
E adiantou também que “na situação em apreço procedeu-se a uma consulta preliminar a várias empresas […], tendo em vista o planeamento eficaz do procedimento aquisitivo e assegurando a aquisição pretendida em condições mais favoráveis”. Contudo, não foram identificadas essas empresas consultadas, não tendo sido dada qualquer resposta quando se insistiu na identificação das empresas alegadamente contactadas para além da Timestamp, que garantiu o chorudo contrato de 8,4 milhões de euros.
Em todo o caso, a mesma fonte garante que “não compete a qualquer membro do Governo, anterior ou actual, praticar atos decisórios no âmbito dos procedimentos pré-contratuais para as aquisições” desta natureza, e que, deste modo, “o Governo actualmente em funções não teve qualquer interferência na escolha da empresa seleccionada”.
Apesar de ter sido pedido o caderno de encargos, e insistido, a Presidência do Conselho de Ministros não o enviou, dizendo apenas que se está perante uma “aquisição de infraestrutura tecnológica de suporte à instalação, gestão e manutenção dos novos sistemas europeus de controlo de fronteiras”, sem qualquer discriminação. Trata-se, contudo, e saliente-se, de uma compra de 8,4 milhões de euros, e não propriamente da aquisição de tremoços para acompanhar umas imperiais de sorte a refrescar uma tarde soalheira.
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