Anthony Fauci 'sacode água do capote" na Câmara dos Representantes

Covid-19: ‘Dr. Medo’ nega envolvimento em esquema ilegal para apagar e esconder dados

por Elisabete Tavares // Junho 3, 2024


Categoria: Exame

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Anthony Fauci, o rosto das políticas covid-19 nos Estados Unidos, sacudiu a água do capote e distanciou-se do seu assessor acusado de cometer ilegalidades, ao apagar e esconder informação oficial durante a pandemia. Ouvido hoje na Subcomissão que investiga a gestão e a origem da covid-19 na Câmara dos Representantes, o antigo conselheiro-mor de Saúde da Casa Branca também ‘chutou’ para outras entidades a responsabilidade por algumas medidas covid-19, como o fecho de escolas ou distanciamento social. Questionado sobre as suas responsabilidades no financiamento de uma organização privada que fez experiências arriscadas num laboratório em Wuhan, Fauci disse que apenas assinou ‘os cheques’, remetendo para a sua equipa o ónus daquela decisão. Aliás, sobre a origem da covid-19, o antigo director do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) disse que, afinal, sempre teve “a mente aberta”, admitindo, agora, que o vírus pode mesmo ter resultado de uma fuga de laboratório. De resto, a audição ficou marcada por uma politização dos temas da covid-19.


Anthony Fauci, visto tanto como o ‘herói’ como o ‘vilão’ durante a pandemia da covid-19, não desiludiu e fez hoje, numa audição, aquilo que os burocratas sabem fazer melhor: sacudiu a água do capote e passou para outros as responsabilidades sobre as mais diversas decisões e acontecimentos. Perante as perguntas duras na Subcomissão que investiga a gestão e a origem da covid-19 na Câmara dos Representantes, nos Estados Unidos, o antigo ‘homem forte’ do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) negou o seu envolvimento num esquema ilegal que visou esconder informação comprometedora e apagar o rasto de dados importantes para se apurar a origem do SARS-CoV-2.

O antigo director do NIAID, apelidado de “Dr. Medo” por um médico e congressista republicano durante a audição desta tarde, distanciou-se o mais que pôde do seu assessor sénior David Morens, que admitiu em e-mails ter apagado informação e comunicações, além de recorria a estratagemas para esconder dados, com o objectivo de escapar à lei da transparência.

Anthony Fauci foi ouvido, voluntariamente, na Subcomissão que investiga a gestão e a origem da covid-19 nos Estados Unidos. (Foto: Imagem capturada a partir de vídeo da audição)

Segundo e-mails escritos por aquele assessor de Fauci, foi criado, durante a pandemia, um esquema que envolveu, nomeadamente, a existência de um ‘canal secreto’ de comunicação de informação oficial para contornar eventuais pedidos de informação ao abrigo das leis da transparência.

Esta foi a primeira vez que Fauci foi ouvido publicamente desde que se reformou, no final de 2022, do seu cargo como histórico director do poderoso NIAID.

Apesar de Morens mencionar, em e-mails obtidos pela Subcomissão, que Fauci estava envolvido nas práticas de esconder informação oficial, o ex-conselheiro de Saúde de Biden negou. Questionado sobre se apagou e-mails oficiais, Fauci respondeu: “não, não o fiz”. Também negou que tivesse usado contas de e-mail pessoais para trocar informação de cariz profissional. admitindo que trocou e-mails através de contas privadas com Morens, mas apenas para tratar da elaboração de artigos científicos. Sobre o ‘canal secreto’ de comunicação, mencionado por David Morens num dos seus e-mails, Fauci disse não saber do que o seu assessor estava a falar.

Ao longo do seu depoimento, Fauci também se demitiu de quaisquer responsabilidades no financiamento que aprovou e que permitiu que uma organização privada, a EcoHealth Alliance, tivesse conduzido experiências arriscadas com manipulação de vírus no Wuhan Institute of Virology (WIV), situado na região de onde se pensa que pode ter surgido o SARS-CoV-2.

O republicano Brad Wenstrup, presidente da Subcomissão sobre a Pandemia de Coronavírus hoje na audição de Fauci. (Foto: Imagem capturada a partir do vídeo da audição)

De resto, além de condenar as ilegalidades cometidas por David Morens, Fauci concordou com a decisão do NIH de suspender o financiamento da EcoHealth e também o financiamento ao presidente desta organização, Peter Daszak. A EcoHealth Alliance é uma organização de pesquisa de vírus com sede em Nova Iorque que tem sido associada a experiências arriscadas em Wuhan com apoios federais. Fauci disse na audição que apenas assinava as autorizações e que era a sua equipa que tratava dos procedimentos.

Sobre a origem da pandemia, Fauci disse que, afinal, sempre admitiu as duas possibilidades, de origem natural e de fuga de laboratório. Mas esta posição contraria o que consta em e-mails e nas suas afirmações públicas, tendo mesmo classificado a tese de fuga de laboratório como uma “teoria da conspiração”. Hoje, na audição, Fauci disse: “sempre tive uma mente aberta sobre o assunto”, admitindo que é possível que a covid-19 tenha tido origem num laboratório.

Questionado sobre um e-mail que aponta que participou num grupo que orquestrou a publicação de um artigo, no início de 2020, para criar a ideia de que a covid-19 só podia ter tido origem na natureza, o antigo director do NIAID afirmou que não editou o artigo.

O estratega da gestão da pandemia nos Estados Unidos aproveitou para ‘limpar’ a sua imagem, ao distribuir as ‘culpas’ para outras entidades por medidas radicais impostas na pandemia, como o fecho de escolas, fecho de empresas ou vacinação forçada para se estudar e trabalhar.

Por exemplo, no caso do distanciamento social, ‘chutou’ para o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) o tema, referindo que foi quem decidiu a medida de cerca de dois metros de distância (6 feet) entre pessoas que foi imposta à população.

A audição ficou também marcada por uma politização dos temas em torno da covid-19 – como aconteceu durante a pandemia –, o que impediu uma análise mais factual das provas e testemunhos em análise. Durante o seu testemunho, Fauci foi elogiado por congressistas democratas, com alguns a pedirem desculpa por o antigo conselheiro de Biden estar a ser interrogado na Câmara dos Representantes e sob suspeitas de ter cometido ilegalidades. “O doutor é um herói”, disseram vários congressistas democratas.

Já congressistas republicanos pediram responsabilidades pelos factos apurados pela Subcomissão, não só em torno do processo de financiamento da EcoHealth e do esquema para encobrir o rasto da informação, mas também dos impactos desastrosos de algumas políticas impostas na pandemia.

O médico e congressista republicano Rich McCormick lançou duras críticas a Fauci e à gestão da pandemia, afirmando que foi impedido por “burocratas” como Fauci de tratar convenientemente os seus pacientes. McCormick, que esteve ‘na frente’, a tratar doentes com covid-19 na pandemia desmentiu Fauci – que disse que houve tolerância de opiniões na pandemia. “Fui censurado pelo governo dos Estados Unidos”, disse o médico e congressista, que viu a sua licença médica ser ameaçada e foi alvo de censura nas redes sociais por expressar opiniões médicas diferentes das de Fauci. “Qualquer dissidência era imediatamente classificada de anti-ciência”, lembrou. “Tudo sobre o que fui censurado, eu estava correcto”, disparou.

McCormick defendeu que, numa futura pandemia, nenhum governo deve voltar a poder intrometer-se entre os médicos e os pacientes, desautorizando as opiniões dos profissionais clínicos. Também salientou que não deve voltar a haver a imposição “motivada por questões políticas” de vacinação.

Na conclusão dos trabalhos, o republicano Brad Wenstrup, presidente da Subcomissão sobre a Pandemia de Coronavírus destacou que, em vez de se tirarem lições da covid-19, a pandemia tornou-se num “pesadelo político”. “Os temas [da covid-19] são agnósticos, não políticos”, salientou.

Wenstrup defendeu que se deve aprender com o que se passou na pandemia, para melhorar a resposta a uma outra crise no futuro. Também disse que deve haver uma mudança nos procedimentos no NIAID, questionando como é possível que quem aprova financiamento de experiências arriscadas não seja depois responsabilizado pela decisão, como sucede com Fauci.

De resto, durante toda a audição, falou-se em Ciência mas sem nunca se mencionar o caso da Suécia que, sem impor máscaras, sem confinar, mantendo a generalidade das escolas abertas, mantendo as crianças a brincar nos parques infantis e os negócios abertos, registou níveis de excesso de mortalidade residuais desde 2020, ao contrário da maioria dos países que adoptou medidas extremas, como os Estados Unidos.

David Morens, que foi assessor sénior de Fauci, compõe com o presidente da EcoHealth Alliance, Peter Daszak, os dois bodes expiatórios para as más práticas e ilegalidades detectadas na entidade liderada por Anthony Fauci. (Foto: Imagem capturada de vídeo da audição na Subcomissão)

Vários congressistas falaram na importância de, na covid-19, Fauci ter representado a “Ciência”, sem nunca referirem o evidente ‘grupo de controlo’ que foi a Suécia e que permite concluir que as medidas menos drásticas que o país adoptou funcionaram melhor, em termos de menor mortalidade global e menos danos sociais, na saúde, nas crianças e jovens e na economia.

Na audição, foi recordado que o próprio Fauci afirmou, durante a pandemia, que discordar dele era ser “anti-ciência”, porque ele “é a Ciência”. O médico e congressista republicano McCormick, dirigindo-se directamente a Fauci, disse-lhe: “tenha vergonha”. Frisou que Fauci não era o representante da “Ciência” e que transformou “no Doutor Medo”, alertando que as medidas que promoveu criaram um clima de desconfiança na população nas autoridades de saúde e “vão deixar efeitos nas gerações futuras. Olhando para Fauci, o congressista afirmou: “Eu discordo de si, porque eu discordo do medo”.

Após esta audição, permanecem por esclarecer algumas contradições e dúvidas, mas Fauci continuará, aparentemente, a ser o ‘herói’ de uns e o ‘vilão’ para outros. O ex-director do NIAID chegou a destacar as ameaças de morte que foi recebendo ao longo da pandemia.

Imagem da transmissão da BBC quando Fauci testemunhava as ameaças que recebeu durante a pandemia.

Certo é que o ‘guru’ todo-o-poderoso da covid-19 se reformou no final de 2022 do seu cargo de director do NIAID e continua a beneficiar de um tratamento extremamente benéfico dos mass media, enquanto nas comunidades científica, médica e académica são cada vez mais os que levantam o sobrolho ao legado de Fauci e das medidas extremas decididas por políticos e burocratas e ao clima de perseguição e censura que tomaram conta da saúde pública na covid-19.

A audiência de Anthony Fauci foi pública e transmitida online, tendo durado quase três horas e meia. Desta vez, contou com uma forte cobertura mediática, recebendo destaque em órgãos de comunicação social como a BBC, a CNN, o New York Times, o Washington Post, a Associated Press, a Reuters, a NBC, a CBS e o Politico, entre outros. Em Portugal, no momento em que o PÁGINA UM publica esta notícia (23h00) não havia registo de qualquer abordagem em qualquer órgão de comunicação social portruguês sobre esta importante audiência na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos.


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