Informa-me um amigo português que um jornal daquela terra de navegadores [o Diário de Notícias] vai publicar semanalmente uma edição em “português brasileiro” e que manterá um sítio no qual colocará, todos os dias, notícias de interesse da vasta parcela de brasileiros que por aí vivem.
Num primeiro momento, leva-se um susto porque se trata de algo que soa estranho. Ou seja, uma empresa noticiosa se propõe a traduzir informações escritas, em tese, na mesma língua.
Pouco depois, mais calmos, temos que admitir que são grandes as diferenças entre o português europeu e o linguajar brasílico.
A tradução em si já é um baita pepino. Ao se referirem à quase impossibilidade de verter um texto de uma língua a outra sem que se perca parte do sentido original, sentenciam os inventores da pizza: traduttore, traditore.
Como seria a coisa entre “dois” idiomas que têm o mesmo nome?
Vamos por partes, como diria o esquartejador no matadouro.
Imagino que os dirigentes do jornal certamente fizeram estudos sobre a viabilidade dessa empreitada. Torço para que sejam bem-sucedidos!
Ocorre-me, de início, que duas das nossas maiores diferenças linguísticas vêm do futebol: a divisão entre “adeptos” e “torcedores” e entre “times” e “equipas”.
Aliás, por falar no esporte bretão, dele vem grande parte do nosso atual intercâmbio: há incontáveis jogadores brasileiros por aí, enquanto por cá pululam os treinadores lusos.
Nas vezes em que fui a Portugal costumava frequentar as bancas de revistas porque aqui, em Brasília, sumiram. Melhor dizendo: transformaram-se em lanchonetes.
Por que ia às bancas? Porque gosto de ler jornais e, em Lisboa, podia comprar vários.
Aqui os impressos estão virando raridade.
Recentemente, num voo para o Rio de Janeiro, desfraldei um exemplar de O Globo. Na fila dos que entravam no avião, todas as pessoas com menos de trinta anos me olhavam intrigadas, perguntando-se: para que serve essa imensa bandeira (tabloides aqui são raros) de papel borrado?
Voltando. Nas minhas passagens por Portugal, sempre pensei que deveria haver um sítio jornalístico para os nossos exilados em Lusitânia, que são multidão. Uns 5 por cento da população local, dizem. É muita gente!
Na base do puro palpite, acho que esses nativos de Pindorama querem, antes de tudo, notícias da sua “terrinha”.
Mas não será “terrinha” uma expressão privativa dos filhos do país do bacalhau?
Os brasileiros também precisam muito de notícias sobre o país no qual vivem, em especial dos órgãos públicos aos quais precisam recorrer no seu dia-a-dia.
Mas quem é o brasileiro que vive em Portugal?
Quando por aí passei, pareceu-me que o grupo mais numeroso dos brazucas (assim são chamados aqui os que moram nos Estados Unidos) seria o daqueles que, com menor escolaridade, exercem funções mais modestas.
Percebi que há também muitas pessoas com mais estudo, saídas da classe média, na maioria jovens, que se lançam como empreendedores ou profissionais liberais.
Há, ainda, uma ala de pessoas de mais idade, quase sempre aposentadas aqui (seriam reformadas aí), que escolhem viver seus anos outonais sem os muitos sobressaltos das nossas maiores cidades.
Posso imaginar, por fim, que há ricos também, embora as más línguas digam, por aqui, que esses, na maioria, preferem Miami, a Meca Mundial da Cafonice.
Traduzo: cafonice é mau gosto extremo.
Os conterrâneos que encontrei por aí elogiavam, antes de mais nada, o sentimento de segurança. Podiam, em Portugal, flanar pelas ruas, mesmo à noite, sem grandes preocupações.
Eu também pensava o mesmo. Nos anos de 2016 e 2017, quando fui a Lisboa, sentia-me como se estivesse caminhando na minha cidade (Pelotas, 300 mil habitantes, muitíssimos luso-descendentes) no começo dos anos 1970.
Retornando à edição brasílica do periódico lusitano: 600 mil pessoas formam um belo público-alvo, como diriam publicitários ou marqueteiros tupiniquins.
Mas quem serão os tradutores? Tudo nos leva a crer que serão brasileiros conhecedores do idioma de Graciliano Ramos. Não sei se lusos, mesmo tendo residido por muitos anos no Brasil, conseguirão trocar o infinitivo pelo gerúndio.
É missão dificílima.
Ouvi alguém (um brasileiro, claro) dizer certa vez:
– Sempre que leio um texto acadêmico rabiscado em português de Portugal tenho a impressão de estar enfrentando um trabalho escrito originalmente em finlandês e traduzido, depois, por um húngaro.
Não chego a tanto, mas penso, sem ser íntimo de gramáticas e dicionários, que os imensos Machado de Assis e Eça de Queiroz escreviam em uma língua que parecia a mesma. Hoje, sinto que é considerável a diferença entre as duas escritas (no jornalismo, na literatura).
Publicar, em Portugal, um jornal para os que nasceram na nação dos sambistas, além de ser uma árdua tarefa, certamente será uma grande diversão.
Que Camões nos proteja!
Lourenço Cazarré é um escritor brasileiro
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