Tão criticado por ser um método de alocação de deputados que beneficia os maiores partidos com o objectivo claro de promover maiorias, o método de Hondt acabou nas eleições de ontem em Portugal por beneficiar, de forma clara, o Bloco de Esquerda e a Coligação Democrática Unitária.
E deveu-se a um ‘milagre’ extremamente improvável, fruto de diversos condicionalismos, dependentes da distribuição dos votos entre as duas principais forças partidárias (que rondaram, ambas os 32%), entre o terceiro e o quarto (Chega e Iniciativa Liberal, que rondaram os 9-10% e também mesmo de um peso relativamente significativos dos partidos que não elegeram, em particular o Livre, o ADN e o PAN. Só estes três últimos representaram 6,3% dos votos.
Qualquer que fosse a distribuição dos votos pelas diversas forças partidárias, sabia-se que só era garantido um partido eleger em Portugal, com direito agora a 21 eurodeputados, se tivesse uma votação acima de pelo menos 4,762% (divisão de 100 por 21). Isso sucede desde as eleições europeias de 2014. Antes, em 2009 a fasquia era de 4,546%, quando Portugal teve 22 lugares; nas eleições de 2004, 1987 e 1988 era de 4,167%, quando tivemos 24 lugares; e nas eleições de 1994 e 199 era de 4%, quando tivemos 25 assentos no Parlamento Europeu.
Ter menos do que esta fasquia não era, com efeito, sinónimo de derrota evidente, mas certo é que nas oito primeiras eleições para o Parlamento Europeu, somente o Bloco de Esquerda tinha conseguido eleger, em 2014, abaixo da fasquia: para ter garantia de um eurodeputado precisava de 4,762% e obteve 4,56%, reelegendo Marisa Matias. No entanto, note-se: a diferença foi de cerca de 0,2 pontos percentuais.
Ora, nas eleições de ontem, é certo que o Partido Socialista beneficiou, como está no âmago, do método de Hondt, porque teve com 32.08%, o que dá um rácio de 6,7/21, mas obteve oito deputados. A Aliança Democrática e a Iniciativa Liberal beneficiaram de um mero ‘arredondamento’: o primeiro teve um rácio de 6,53/21 e o segundo de 1,9/21, elegendo respectivamente sete e dois eurodeputados. O Chega não se pode dizer que foi prejudicado pelo método de Hondt, pois recebeu dois deputados face ao rácio de 2,05/21.
A distribuição afortunada dos votos dos eleitores pelas diferentes forças partidárias, mesmo daquelas que nada ganharam, foi a causa fundamental para que, desta vez, e de forma completamente insólita, não um mas logo dois partidos abaixo da tal ‘garantia mínima’ tivessem direito a um singelo assento no Parlamento Europeu. E, ao contrário do que sucedeu com Marisa Matias em 2014, nem sequer com uma votação relativamente próxima da tal fasquia. Ontem, o Bloco de Esquerda (com 4,26%) ficou aquém cerca de 0,5 pontos percentuais do limite de eleição garantida, o que significa que precisou de apenas 89,5% dos votos teoricamente necessários, enquanto a CDU ficou aquém de cerca de 0,64 pontos percentuais do limite de eleição garantida, significando, no seu caso, que necessitou somente de 86.5% dos votos teoricamente necessários.
Não deixa assim de ser curioso como um método de distribuição de assentos tão pouco benevolente, em regra, para os pequenos partidos, foi desta vez a salvação de dois, ainda mais em simultâneo. Por um triz, as eleições de ontem não foram uma hecatombe histórica para o Bloco de Esquerda e a CDU.
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