A presidente da Associação dos Profissionais de Protecção e Segurança de Dados (APDPO), Inês Oliveira, foi contratada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) através de um ajuste directo usando uma polémica norma do Código dos Contratos Públicos que dificilmente se aplica a tarefas concretas como as de encarregada de protecção de dados. Mas essa não é o única questão: o contrato assinado este mês, com uma duração previsível de três anos, coloca Inês Oliveira a ganhar mensalmente mais do que a directora-geral do Fisco. E sem ter exclusividade. O contrato, que envolve pagamentos mensais, funcionando como uma avença, é de quase 194 mil euros, a que acresce o IVA, garantindo assim à assessora externa um rendimento anual superior a 64 mil euros, que se transforma em 4.600 euros se considerados 14 meses. A AT não quis explicar ao PÁGINA UM a necessidade de contratação externa de um encarregado de protecção de dados, até porque essa tarefa já esteve entregue a funcionários da ‘máquina fiscal’, incluindo uma subdirectora-geral, sem custos acrescidos.
Já diz o ditado que não há duas sem três. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) celebrou o terceiro contrato por ajuste directo com uma assessora externa que, desta vez, não apenas conseguiu prolongar o ‘vínculo’ por três anos como passar a ganhar mais do que um director-geral em funções no Estado. Mais: Inês Oliveira, a contemplada, conseguiu renovar uma vez mais a avença iniciada em 2023, mas agora prolongada até Junho de 2027, para trabalhar como “encarregada de Protecção de Dados” para a AT, sem ter de enfrentar qualquer concorrência.
Mas recuemos para perceber como Inês Oliveira, que preside à Associação dos Profissionais de Protecção e Segurança de Dados (APDPO), recebeu agora este contrato público que a vai colocar a ganhar 64 mil euros por ano durante o próximo triénio. Tudo começou em finais de Novembro de 2022, quando esta consultora foi nomeada ‘encarregado de protecção de dados’ da AT por um despacho assinado pelo então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendes. Até aí, as funções eram exercidas por uma técnica superior da AT.
Nesse despacho, a “designação da mestre Inês Oliveira Andrade de Jesus como encarregada da proteção de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira” era justificada “por reconhecidamente deter as qualidades profissionais e as aptidões necessárias ao desempenho das inerentes funções”. Este despacho revogara a nomeação ocorrida em Abril desse ano de uma técnica superior do quadro de pessoal da AT, ou seja, o Governo decidiu escolher uma opção que custava mais dinheiro público para uma função que exige conhecimentos medianos nesta área, uma vez que se circunscreve à aplicação do Regulamento Geral de Protecção de Dados. Em anos anteriores, mais precismanete em 2017, chegou mesmo a ser indicada uma subdirectora-geral para esta função, que acumulava com a supervisão da Justiça Tributária e Aduaneira.
Na sequência desse despacho, e para formalizar a contratação de Inês Oliveira, foi feito um primeiro contrato público em 17 de Janeiro do ano passado no valor de 25.200 euros, a que acresceu IVA, com a duração de um ano. Nessas circunstâncias, a remuneração mensal foi de 2.100 euros. Mas, em 12 de Junho de 2023, ou seja, antes do fim do primeiro contrato, seria celebrado um novo, e também por de 12 meses, que serviu somente para fazer ‘disparar’ a avença, que avançou para os 61.900 euros. Esta segunda avença garantia assim uma remuneração mensal já de 5.158 euros.
Agora, com o terceiro contrato por ajuste directo, Inês Oliveira garantiu um rendimenro de 193.853,94 euros, a que acresce o IVA, por um prazo de três anos. Neste novo contrato, celebrado no passado dia 14 de Junho, a avença garante um vencimento mensal bruto de 5.384,83 euros. Caso se considerem 14 meses, a avença será de 4.600 euros. Este valor é superior à remuneração base de 4.009,89 euros paga, em regra, a um director-geral.
O caderno de encargos deste contrato não está disponível no Portal Base, como deveria, pelo que não se sabe em detalhe as tarefas que a assessora irá cumprir e em que moldes, nomeadamente em matéria de cumprimento de horário de trabalho e qual será o local onde desempenhará as tarefas de “encarregada de protecção de dados”. Sabe-se sim, porque está no contrato, que o pagamento das verbas será “efectuado em prestações mensais”. Assim, até ao final de 2024, Inês Oliveira vai receber 37.693,82 euros, correspondente a um pouço mais de seis meses . Em 2025, irá auferir a soma de 64.617,98 euros, valor que se repete em 2026. Em 2027, ainda terá a receber o valor de 26.924,15 euros. O contrato pode, contudo, ser ou não renovado em cada ano, “até ao limite de duas renovações”.
A justificação avançada para a não realização de concurso nesta contratação, onde existe concorrência – ou seja, mais pessoas para exercer esta tarefa – é uma norma de execpção do Código dos Contratos Públicos que possibilita o recurso ao ajuste directo quando “a natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação, nos termos do disposto no artigo 74.º, e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida”.
Na verdade, esta norma ten sido abusivamente usada em muitos contratos, sobretudo na área jurídica, quando se pretende contratar por ajuste directo uma sociedade de advogados ‘amiga’, porque aí as tarefas futuras a executar podem ser, de facto, desconhecidas ou imptrevisíveis. Mas num caso de tarefas de análise de situações em que está em causa a aplicação do Regulamento Geral de Protecção de Dados não existem grandes dúvidas sobre as tarefas a executar. O PÁGINA Um contactou o Tribunal de Contas no sentido de saber se existe jurisprudência sobre esta matéria, mas não obteve ainda qualquer resposta.
Saliente-se que Inês Oliveira desempenhou durante pelo menos uma década diversas funções como consultora da Direção-Geral da Política de Justiça, sempre em comissões de serviço, tendo sido encarregada de proteção de dados sem pagamentos-extra. Agora, como consultora externa, e sem exclusividade, deu um salto remuneratório bastante assinalável.
A AT, contactada pelo PÁGINA UM através do Ministério das Finanças, não esclareceu o motivo para o recurso a uma assessora externa paga a ‘peso de ouro’ para desempenhar as mesmas funções que, até 2023, era desempenhadas por uma técnica superior da mesma entidade.
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