Segurança Social e Fisco 'caçaram' títulos por dívidas a partir de 2019

Visão e Exame têm marcas penhoradas pelo Estado desde 2020

a rusted door handle on a wooden door

por Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira // Julho 17, 2024


Categoria: Imprensa, Exame

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Os registos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) comprovam que as marcas das revistas mais emblemáticas da Trust in News — a Visão e a Exame — estão penhoradas desde 2020. Já o título da revista Activa ‘está no prego’ desde o ano passado. Em causa estão processos judiciais de execução iniciados pela Segurança Social e pelo Fisco relativos a dívidas que se acumulavam já desde 2019, segundo documentos consultados pelo PÁGINA UM. Apesar de ter um capital social de apenas 10 mil euros, a sociedade de Luís Delgado conseguiu, surpreendentemente, acumular dívidas da ordem dos 30 milhões de euros e não pagou contribuições dos trabalhadores à Segurança Social nem os descontos de IRS ao Fisco. Em Junho, iniciou um Processo Especial de Revitalização numa tentativa de evitar a declaração de insolvência. Há outros títulos da Trust in News sob penhor, como garantias de empréstimo do Novo Banco, mas Luís Delgado foi registando marcas ‘paralelas’, salvas agora de penhoras. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) nunca foi informada pela Trust in News destas penhoras.


A Segurança Social e o Fisco mandaram penhorar, em 2020, as marcas de dois dos principais títulos da Trust in News, Visão e Exame, na tentativa de recuperar dívidas acumuladas pela empresa desde 2019. A sociedade unipessoal do empresário e comentador Luís Delgado iniciou recentemente um Processo Especial de Revitalização (PER) para tentar evitar a falência quase iminente. O Estado é o maior credor da empresa de media que comprou, em 2018, o portfólio de revistas da Impresa, dona do Expresso e da SIC.

Segundo os registos no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), desde 23 de Novembro de 2020 que a marca da revista Visão tem o seguinte averbamento: “[sic] penhora à ordem do instituto de gestão financeira da segurança social, i.p. exequente: secção de processo executivo de lisboa ii – instituto de gestão financeira da segurança social, i.p. executado: trust in news, unipessoal lda”. Segundo os dados do INPI, o pagamento de taxas relativas à manutenção da marca está suspenso a aguardar “sentença de tribunal”.

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Também a marca da revista Exame tem no seu registo no INPI um averbamento relativo a uma penhora por ordem do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social no âmbito de processo de execução da Trust in News desde a mesma data de 2020. No caso da marca da revista Activa, desde Maio de 2023 que o seu registo no INPI inclui um averbamento de penhora referente a um processo de execução fiscal da Autoridade Tributária, mais concretamente do ‘Serviço de Finanças de Oeiras 1’. Esta marca tem igualmente suspenso o pagamento de taxas a aguardar sentença. O Fisco também penhorou as marcas Tele Novelas e TVMais.sapo.pt.

No total, de acordo com os documentos de reclamação de créditos consultados pelo PÁGINA UM, a Autoridade Tributária efectuou 10 penhoras referentes a dívidas da Trust in News e exigiu ainda duas fianças. A titularidade das marcas é essencial para o exercício da actividade jornalística. Ou seja, Luís Delgado não poderia já usar os títulos se não houvesse uma autorização da Segurança Social e a Autoridade Tributária.

Segundo os documentos, a empresa unipessoal de Luís Delgado acumula dívidas ao Fisco desde Agosto de 2019 até ao anúncio do PER. Só a estas duas entidades, a dívida perfaz um total de 8.125.545,20 euros, sendo relativa a descontos dos trabalhadores para efeitos de IRS, IVA, juros e custas.

A marca da revista Visão é uma das que está sob penhora desde 2020 por parte da Segurança Social. O Novo Banco tem penhora de 2º grau sobre a marca.

Quanto ao incumprimento perante a Segurança Social, este ocorre desde Dezembro de 2019. Até Abril deste ano, a dívida da dona da revista Visão à Segurança Social ascendia aos 8.973.112,22 euros. Este montante engloba sobretudo contribuições não pagas relativas aos trabalhadores, mas também responsabilidades com trabalhadores independentes, juros e custas. Ou seja, há mais de quatro anos que Luís Delgado decidiu deixar de pagar as contribuições à Segurança Social, apesar da Trust in News nunca ter sequer sido inscrita na lista dos devedores, porque alegadamente chegou a um acordo de pagamento faseado que não só incumpriu como manteve a postura de não saldar as novas e sucessivas obrigações.

Tanto o incumprimento do pagamento de IVA como o não pagamento à Segurança Social de descontos retidos dos trabalhadores são considerados crime e passíveis de pena de prisão, independentemente da aprovação do PER.

Além das marcas acima mencionadas, outros títulos da Trust in News foram entregues ao Novo Banco como garantia do empréstimo que Luís Delgado assinou para efectuar a compra das revistas a Pinto Balsemão. O banco, que nasceu em 2014 para ficar com os ‘ativos bons’ do antigo BES, é um dos principais credores da Trust in News. Apesar do prolongado incumprimento por parte da empresa de media, só no ano passado é que o Novo Banco exigiu, como garantia, o penhor de sete marcas, nomeadamente, Exame Informática, Jornal de Letras, Visão Júnior, Visão História, Visão Saúde, Visão Biografia e A Nossa Prima (marca da União Europeia, já que o INPI recusou o registo como marca nacional). Mas o banco detém ainda penhor em segundo grau sobre outras marcas, incluindo a Visão, que será exercidas se o Estado permitir.

Registo do INPI que mostra penhora da marca Visão pelo Instituto de Gestão da Segurança Social.

Recorde-se que o Novo Banco arrisca perder 3,5 milhões de euros, uma verba que emprestou à Trust in News em 2018, quando ainda recebia injecções de capital com recurso a empréstimos do Estado.

Não é de estranhar a entrega das marcas como garantia. Numa empresa de media, são sobretudo os títulos o principal activo e Luís Delgado atribui um valor de quase 11 milhões de euros a esses activos intangíveis que detém. Trata-se de um valor próximo ao da venda pela Impresa do portfólio das revistas há cinco anos, que foi de 10,2 milhões de euros. E é essencial para qualquer entidade poder exercer a sua actividade com essa marca.

Contudo, no Portal da Transparência dos Media não se encontra qualquer referência ao facto de a maioria das marcas de publicações da Trust in News estarem penhoradas ou dadas como garantia a um possível futuro dono. Também não existe qualquer menção nas contas certificadas sobre os títulos penhorados, o que não se mostra compreensível por serem activos essenciais para a actividade de um grupo de media.

Questionada sobre se recebeu alguma informação sobre as penhoras por parte da Trust in News, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) indicou ao PÁGINA UM que “não dispõe dessa informação”. A ERC foi apenas “informada”, no início de Junho deste ano, “de que a empresa Trust in News, Unipessoal, Lda., deu início a um processo especial de revitalização”. Aliás, a ERC é uma das entidades credoras da Trust in News: Luís Delgado deixou de pagar taxas de regulação e supervisão de 35.088 euros.

Sobre se deveria ou não constar no Portal da Transparência a informação sobre a penhora das marcas dos títulos da Trust in News, a ERC remeteu para a legislação em vigor sobre a matéria, escusando-se a fazer mais comentários. Segundo o regulamento que estabelece as regras sobre a transparência dos media, as empresas têm de dar garantias de “independência em matéria editorial” e divulgar informação financeira, nomeadamente sobre os maiores credores, como é o caso da Segurança Social e do Fisco. Ora, o facto de existirem marcas de publicações dadas como garantia, constitui uma potencial ameaça à independência editorial.

Recorde-se que, em Julho de 2023, o PÁGINA UM revelou que a Trust in News registava uma dívida gigantesca ao Estado, a qual escondia da ERC e do Portal de Transparência dos Media. A empresa fez rectificação depois dessa notícia, mas mais uma vez enganou o regulador. Na declaração dos indicadores financeiros de 2022 – a Trust in News já está em falta sobre o ano de 2023 –, a empresa de Luís Delgado diz que a Autoridade Tributária e Aduaneira é detentora de 42% do passivo. Esse valor não estará correcto e, além disso, continuou omisso a existência de dívidas elevadíssimas á Segurança Social.

Independentemente disso, estas novas revelações confirmam que as dificuldades financeiras da empresa de media remontam ao primeiro ano da sua existência, após a compra das revistas à Impresa, o que indicia que o negócio nunca deu qualquer indicador de viabilidade financeira. E nem sequer pode ser assacada á pandemia, porquanto as dívidas começaram ainda muito antes de 2020.

Saliente-se também que, apesar de a Trust in News ter os seus títulos principais penhorados e outros dados como garantia, a Trust in News pediu, a partir de 2018, o registo junto do INPI de marcas ‘paralelas’, que estão, actualmente, livres de ónus, tais como Visão Digital; Courrier Internacional Digital; Activa Digital; Exame Informática Digital; Jornal de Letras Digital; e Visão Júnior Digital. Também é titular da marca Exame Digital, registada desde 2001, e da Exame Online, registada em 2000. Nenhuma destas marcas ‘irmãs’ dos títulos principais da empresa estão penhoradas ou dadas como garantia a grandes credores, mas subsistem dúvidas se serão de alguma utilidade sem as marcas originais.

De fora destes imbróglios, estão publicações que a Trust in News tem registadas junto da ERC, mas cujas marcas pertencem a outras entidades, como é o caso da Caras e da Caras Decoração, detidas pelo Grupo Perfil Inversora, e o Courrier Internacional.


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