COMPLEXO TITANIC

América: um sketch teatral

minuto/s restantes

Donald Trump está na sua Trump Tower. Toca o telefone vermelho feito de carbono.

Uma das raparigas que desfila pelo luxuoso espaço aveludado, encaminha-se até ao telefone, a mando de Trump.

A rapariga vê o número e diz ao ex. Presidente que é Jo Bi quem está a ligar. O homem do cabelo laranja veste o roupão e dirige-se para a mesinha onde está o telefone. Atende.

– Olá, Jo. Se é para gozares comigo, mais vale ligares para o Martin.

Atira logo à queima-roupa.

– Não, aliás estou cansado demais para isso.

Responde Jo Biden.

E continua, depois de uma pausa em que pigarreia para aclarar a voz.

Ilustração de Alex Farac.

– Queria mesmo era falar do debate. Uma boa parte do mundo viu mas fomos os menos vistos dos últimos anos.

– Que se foda!

Responde Trump.

– Digo-te já que não gostei nada daquilo que disseste do meu filho.

– Jo… Eu não queria…

Biden interrompe.

– É que ele é muito pior do que insinuaste.

E desata a rir.

– Ah bom! Quase me assustaste.

Trump sente uma espécie de alívio.

– O anormal do Hunter só não está preso por causa de mim. Sempre foi estúpido o parvo do rapaz.

– É como a Melania. As pessoas acham que ela é esperta só porque não fala muito.

– Mas ainda é gira.

– Que se foda! A beleza para mim é coisa do departamento da filosofia.

– Sim, eu sei. Não gostei foi daquilo que disseste a propósito do golf, sabes que tenho um grande orgulho do meu jogo. Aí mentiste mesmo… Ou é impressão minha?

– Não, não. É mesmo verdade que estou menos gordo e ainda bato bem. Talvez tu carregues melhor e sejas mais perspicaz na análise dos buracos, mas eu sou bom no green. O meu pai ensinou-me a jogar e eu sempre fiz tudo para ser melhor que ele.

– Também disseste que eu próprio não percebia o que dizia às vezes. Tinhas razão. Eles deram-me uma merda esquisita para não sei quê, e estive um bocado à toa. Quase que dizia que era contra o aborto.

– Mas tu és contra o aborto Jo.

Riem ambos.

– Jo… Sabes… Acho que vou ganhar, man.

Disse Trump sem grande entusiasmo.

– Espero bem que sim. Eu disse-lhes que, ou metem o holograma, ou não faço mais o espectáculo. Estas merdas já me cansam e eu agora queria desfrutar um bocado da vida. Sempre fui um desgraçado, tu sabes. E ainda tens cabedal para aquilo. Tu és um bom palhaço Donald, nunca te esqueças.

– Obrigado, Jo. E já agora, sabes que temos aí um plano muito interessante na manga…

– Boa!

– Já alguma vez levaste com uma bala?

– O que é isso?

– Um balázio Jo!

– Oh claro. Só de raspão.

– Dói?

– Depende. Porquê?

– Tive um sonho muito estranho. Nada de importante.

Diz Trump cabisbaixo.

– Ouve, está a resultar isto das pessoas acharem que me estou a agarrar ao lugar.

Trump mostra algum desconforto por Jo não ter dado muita importância ao tema do sonho. Biden continua.

– Sempre foste é um desastre nos negócios, um looser… Tive de o dizer. Foi mais forte que eu. Ninguém me escreveu a frase. Saiu-me.

Ilustração de Alex Farac.

– Não tens de estar a lembrar-me sempre disso. O Obama também tem essa mania. E o Michael ainda é pior.

– Tens razão. Já me esquecia. Não digo mais “verdades”, pelo menos sem audiência por perto.

– Certo. Andas muito esquecido, Presidente!.. E já agora… Verdades?.. É para gozar, não?

Desatam a rir.

– Claro. Ainda damos cabo da pós-verdade.

– Qual pós verdade? Andamos mesmo muitos esquecidos, não é Jolito?

Jo está deveras bem disposto. A amizade é o melhor do mundo. Jo continua:

– E ainda não viste nada. No outro dia lá na Casa Branca confundi uma girafa com uma jarra. O pior é que fui dar festinhas à jarra como se fosse a Molly.

– Oh! Quando estive lá, aconteceu-me muito pior. Nem te vou contar as coboiadas man. Tu até estás bem. Acho que a táctica está a resultar. Deixa a maralha pensar que estás demente enquanto o próprio mundo se medica. Não tomes é aquelas merdas verdes. Esses comprimidos são perigosos. São cristais. Se tiveres problemas, já sabes que a lixívia resulta.

– Essa história da lixívia foi muita bem metida.

– Sim eu sei.

Responde Trump.

– Sim, eu sei também… Quanto aos comprimidos, claro. Não estou maluco.

Responde Biden.

– Já agora Jo, não gostei muito de teres dito aquilo referente à prostituta.

Ataca Trump sem atacar.

– O que é que eu disse? Queres ver que cometi uma gafe das minhas outra vez!..

– De certa maneira sim. Disseste que eu devia estar com a minha família, enquanto estava com a prostituta.

– Desculpa. Foi sem intenção.

Lastima Biden.

– Devias era ter dito a verdade. Que eu estava com dez.

Desatam a rir novamente.

– Mas se eu ganhar, aquela ameaça que fiz ao Zelensky é para manter. Ainda ninguém me deu ordens do contrário. O anão não leva mais papel.

– Claro, claro.

Responde Biden sem qualquer emoção.

– É que o ucraniano já anda a abusar. E depois vai para a Vogue fazer aquelas figuras. Não achas, Jo?

– Sim, sim. Está a levar-se muito a sério. Ando a pensar um dia chamar-lhe Putin, como se fosse uma das minhas gafes

Ilustração de Ruy Otero.

– Essa é muita boa.

– E à Kamala vou chamar-lhe… Adivinha!

– Tina Turner?

– Não. Trump.

– Pára Jo. Ainda tenho um enfarte, só de rir.

– Sabes que lá em Hollywood já estão a preparar um filme com o Zel?

Pergunta Jo

– Sim. Mas não vai ser bem ele, pois não?

– Sim, vai. O contrato era esse. Ele gosta mesmo de representar. Não está velho como nós. Mas não é grande actor, digo-te já. O Putin safa-se melhor, mas é frio como tudo. Eu falei com o KGBs (alcunha de Putin no meio diplomático), e parece muito em baixo. O tempo lá em Moscovo também não ajuda, e os aviões têm andado parados. Há umas greves e não sei quê… Comunistas; sabes como é que é. Boa gente, mas…

– Ai sim?

– O último filme do Clint Eastwood já foi com A.I. não foi Jo?

– Dizem que sim. Até acho que o Clint já morreu. Ele e os westerns.

– Pena. Mas não é morrer, morrer.

Lamenta Trump.

– Não. Mas não te liguei para falar de codrilhices digitais. Queria mesmo saber se vais amanhã ver os Chicago Bulls?

– Posso ir sim. Tenho tido bastante tempo desde que sou um avatar de mim mesmo.

Riem, e Biden quase que se engasga.

– Essa… Está…. bo… a!

– Está não está? Saiu-me.

Diz Trump nitidamente contente com a frase

– Agora me lembro, foi também por isso que te liguei.

Ilustração de Alex Farac.

Continua Jo, que, entretanto, superara a tosse do engasgo. E continuou.

– Queria ter uma vida normal. Começo a ficar seriamente cansado desta palhaçada. Levo a outra cara, se é que me entendes…

– Entendo muito bem.

– …E até posso pedir cachorros que ninguém me reconhece. Donald, a tecnologia foi o melhor que nos aconteceu. Esta vida no século XX dava mesmo trabalho e não se ganhava muito. As pessoas nem imaginam. Tu aí nem querias sab…

Trump interrompe.

– Jo, desculpa, mas vou ter de atender mesmo. É o Musk. Ele está em Marte e se não atender em 10 segundos, a merda da chamada ainda não aguenta mais tempo de espera e cai.

– Sim atende. Eu também já falei há uns dias com ele. Está a apanhar uma grande seca lá em Marte.

Confirma Jo.

– Então deixa-me atender. Tchau, meu velho!

– Velho, eu?

(CAI O PANO. O PÚBLICO BATE PALMAS ENQUANTO TRUMP E BIDEN AGRADECEM, MAS TRUMP QUANDO SE AGACHA PARA O AGRADECIMENTO TEM UMA DOR NAS COSTAS QUE O PARALISA. O PÚBLICO RI E BIDEN AJUDA. O PÚBLICO RI AINDA MAIS).

FIM

Ruy Otero é artista media


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