RUI ARAÚJO: CADERNO DOS MUNDOS

‘O Diário Secreto que Salazar não leu’: prefácio de Nigel West

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Hoje, na rubrica ‘Caderno dos Mundos’, o prefácio de Nigel West a um dos livros de Rui Araújo: ‘O Diário Secreto que Salazar não leu’. Trata-se de uma obra que chegou à 3ª edição e que se encontra esgotada. Nigel West (Rupert Allason) é um historiador e autor de dezenas de obras, sendo um dos maiores especialistas mundiais em Serviços Secretos e espionagem.


PREFÁCIO

          Os historiadores e os aficionados das operações secretas em tempo de guerra sabem desde há muitos anos que Lisboa foi um dos grandes centros de espionagem da Segunda Grande Guerra. E as razões para esta dúbia reputação da cidade são bem claras. Ao contrário das capitais neutrais de Madrid ou Berna, Lisboa não está cercada por terra, e a sua localização geográfica fez dela uma encruzilhada dos caminhos internacionais. A viagem de Estocolmo para Londres, no auge da guerra, demorava semanas, já que o trajecto mais seguro era via Teerão ou Vladivostok. E embora Istambul pudesse ter rivalizado com Lisboa e tivesse chegado a ser um entreposto importante, a capital portuguesa foi a verdadeira ponte para as Américas a partir da Europa. Assim, entre refugiados e fugitivos, desde famílias reais dos Balcãs a prisioneiros de guerra evadidos, todos se acumulavam em Lisboa à espera de permissão para embarcarem para a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, a América do Sul ou as Caraíbas, e os privilegiados que podiam fazer o voo transatlântico a partir de Baltimore eram obrigados a amarar no Tejo e trocar de avião para a última parte da viagem até Bristol. Porém, a não ser que fossem considerados passageiros prioritários, o visto de passagem podia demorar dias ou semanas a ser concedido.

         Ao mesmo tempo que soldados faziam filas no Serviço Britânico de Repatriamento (British Repatriation Office) e príncipes desterrados contavam o seu tempo no Palace Hotel do Estoril, membros das forças do Eixo e dos Aliados cruzavam-se nos cafés e nos restaurantes. A embaixada alemã, enxameada de membros da Abwehr (a) que se moviam sob a capa diplomática da Kriegsorganisation Lissabon, e mantinham estreitas ligações com os seus congéneres italianos, franceses do governo de Vichy, japoneses e húngaros, sempre com o consentimento do aparelho de segurança da omnisciente PVDE, que tinha a sua sede no sinistro quartel-general da organização, na Rua António Maria Cardoso. Comandados por Albrecht von Auenrode (conhecido pelo pseudónimo de Ludovico von Karstorf), os agentes corriam os bares da beira-rio, ansiosos por alguma informação sobre comboios de navios – deixadas escapar por marinheiros imprevidentes – e sempre à procura de novos agentes para serem enviados para Londres. A KO de Von Auenrode controlava os espiões principalmente para os Abstelles de Bremen e Hamburgo, e tinha relações próximas com as organizações de Madrid, Rio de Janeiro e Buenos Aires, mesmo tendo sido fechada pela DOPS, a polícia secreta brasileira, em Junho de 1943, uma grande parte da rede da Abwher local (que trabalhava sob a capa dos serviços comerciais da AEG, comandada por Albrecht Engels). A KO recebia com frequência visitantes do Reich, incluindo o bem conhecido espião-mor Nikolaus Ritter, mais conhecido por «Doutor Rantzau», que vinha para fazer conferências ou para encontros periódicos com os agentes. Normalmente sediado em Hamburgo, Ritter tornou-se uma figura bem conhecida dos seus adversários, e, com a experiência que tinha de ter vivido vários anos nos Estados Unidos antes da guerra, era um inimigo formidável.

         A informação que os britânicos tinham das actividades de von Auenrode partia de muitos agentes duplos coordenados pelo MI5 e MI6, e era obtida através da vigilância directa, intercepção de correio endereçado a moradas fictícias referenciadas, e, acima de tudo, os relatórios ISOS (b), que revelavam com bastante pormenor as actividades da KO, a partir da decifração de mensagens de rádio codificadas, trocadas com Berlim e Madrid. Todos os sinal, interceptados por uma cadeia mundial de “Estações Y”, eram processados por uma grande equipa do MI6 sediada em St. Albans, no condado de Hertfordshire, onde os analistas da Secção V decifravam e traduziam os textos um a um, e, posteriormente, adicionavam fichas individuais a um vasto índice que cobria todas as operações ou nomes de pessoas mencionados nas mensagens, o que permitia o cruzamento de referências com telegramas mais antigos e o esclarecimento de quaisquer ambiguidades nas mensagens. Qualquer informação adicional que fosse necessária era buscada no terreno por agentes da Secção V especialmente documentados, que seguiam para as células do MI6 no continente. À medida que o volume de relatórios foi aumentando, a Secção V ganhou o estatuto de um serviço secreto dentro dos serviços secretos, escrutinando as mensagens mais secretas do inimigo com os seus peritos organizados por áreas geográficas. Assim, a subsecção ibérica da Secção V, designada por V (d), comandada por Kim Philby e mais tarde Tim Milne, era formada por seis agentes dedicados à monitorização das «operações dos serviços de informações das potências inimigas na Península Ibérica, no Marrocos Espanhol, em Tânger e nas Ilhas Baleares e Atlânticas». A subseccção V (d) tornou-se um vasto arquivo, no qual os elementos do campo inimigo, tanto os agentes como outros suspeitos, eram «fichados» para que as suas mensagens pudessem ir sendo postas em contexto, e, sempre que surgisse a ocasião, esses elementos pudessem ser detidos mal estivessem ao alcance, fosse numa inspecção a um navio em Trinidad, Gibraltar ou Cidade do Cabo, ou em qualquer fiscalização de documentos noutros territórios sob a jurisdição dos Aliados, e sob o seu controlo.

Nigel West numa visita ao National Churchill Libray and Center, em Dezembro de 2018.
(Foto: Captura de imagem a partir de vídeo da visita)

         O ISOS foi o responsável pela exposição do agente Ricardo, um intérprete que trabalhava ao mesmo tempo para as delegações diplomáticas britânica e americana, e que tinha garantido à KO ter acesso a informações rigorosas a respeito de comboios de navios planeados. Esse tipo de informação antecipada era considerada de grande prioridade, a ser transmitida aos submarinos que cruzavam as águas próximas dos Açores, preparados para afundar navios Aliados que transportavam material de guerra para os teatros de operações do Médio e Extremo Oriente. Embora houvesse suspeitas de que Ricardo por vezes inventava os seus relatórios, acabou por ser considerado uma fonte perigosa, e responsável por uma lenta hemorragia de segredos Aliados, até ao dia em que foi identificado e posto de parte. Ainda assim, a KO conseguiu penetrar os gabinetes Polaco, Checo e Holandês – o Deuxiéme Bureaux. No combate clandestino, os alemães nunca estiveram em desvantagem. Sabiam bem como aplicar pressão sobre as famílias que permaneceram nos seus territórios ocupados, e bem capazes eram de ser absolutamente cruéis em conseguir que as pessoas cooperassem. É certo que a coerção nunca foi um grande motivador, e não faltaram espiões relutantes que à primeira oportunidade se dispuseram a ir revelar aos serviços Aliados a sua situação. Mais tarde na guerra, à medida que os Estados Unidos se tornavam o destino preferido dos refugiados, o delegado do FBI na Secção V para assuntos legais, Ivan W. Newpher, aplicava-se no exame de candidatos a vistos, em busca de suspeitos de espionagem.

         O ISOS também foi fundamental na resolução do imbróglio das cifras de Robert Solberg, que foram copiadas pela KO e aproveitadas com grandes vantagens. Solberg, representante em Lisboa do Departamento de Serviços Estratégicos (Office of Strategic Services, OSS), tinha a reputação de ter comportamentos amadorísticos e indiscrições ocasionais, mas o desaparecimento, do seu escritório, dos seus códigos confidenciais , permitiu à Abwher a leitura de uma quantidade considerável do tráfego de comunicações para o quartel-general do OSS, em Washington, até a fuga ser descoberta e reparada. Felizmente, Solberg não tinha sido admitido no circuito do ISOS e esse foi, ao menos, um segredo que os seus erros não puseram em causa. Todavia, um dos seus esquemas irreflectidos, um plano de roubo de equipamento criptográfico aos alemães, podia ter tido repercussões duradouras se não tivesse sido interrompido a tempo.

          Na frente contra as actividades da Abwehr e o SD (c) havia profissionais de informações britânicos, americanos, holandeses, jugoslavos, polacos e checos, que geriam redes que se estendiam pela França ocupada e por todo o Mediterrâneo, até ao Norte de África controlado pelo governo colaboracionista de Vichy. A intensa rivalidade era o ambiente perfeito para todo o tipo de oportunistas, aventureiros, mistificadores e falsários expandirem os seus negócios, traficando em materiais falsos, denunciando concorrentes, e negociando deserções.

         A atmosfera de intriga começou com a queda da França, quando o Sicherheitsdienst (SD) se convenceu de que o Duque de Windsor, então abrigado em Portugal, podia ser persuadido a praticar actos de deslealdade para com o país que tinha encabeçado por tão pouco tempo, antes de abdicar, em Dezembro de 1936. Walter Schellenburg lançou uma operação com o nome de código Willi para impedir aquele que fora o Rei Eduardo VIII de tomar o seu novo cargo de governador das Bahamas, mas o plano falhou. Esse incidente, todavia, criou o cenário para que Lisboa passasse a ser o foco de numerosas intrigas e maquinações. A partir de então, enquanto a capital portuguesa se ia enchendo de desperdícios da guerra, os profissionais de informações de diversos países conspiravam para se prejudicarem mutuamente, semeando falsas informações, recrutando desertores, buscando fontes e mobilizando agentes duplos. Cada missão diplomática era um alvo, tanto quanto os viajantes com documentos válidos, os homens de negócios que procuravam lucrar com a guerra, e as famílias em fuga das perseguições. A cidade de Lisboa atraía pequenos vigaristas, milionários apátridas e outras pessoas deslocadas, todos unidos pela necessidade de tirarem proveito da sua perigosa situação. O resultado foi uma atmosfera fétida na qual o multimilionário dos petróleos Nubar Gulbenkian (1) tomou residência temporária, antes de partir para a França ocupada em missão secreta, acompanhado pelo seu criado pessoal, e mistificador, Paul Fidrmuc, um jugoslavo que tinha o nome de código Ostro e inventava informação para vender ao primeiro lado que a quisesse comprar. O pai do actor Peter Ustinov, conhecido por Klop, movia-se misteriosamente nas franjas do circuito diplomático, em busca de pares de profissão anti-nazis com vontade de venderem segredos do Reich, do mesmo modo que a Gestapo espalhava os seus agentes para cheirarem potenciais traidores à distância. Estes eram os elementos de um ambiente de guerra invulgar, rico em golpes e contra-golpes capazes de inspirar uma dúzia de romancistas. De facto, John Masterman, presidente do Comité XX do MI5 em tempo de guerra, viria precisamente a aproveitar essa inspiração para localizar em Lisboa o seu romance The Case of the Four Friends (O Caso dos Quatro Amigos)(2).

         O facto de John Masterman ter escolhido Lisboa para cenário do seu romance não surpreende, já que muitos dos agentes que ele próprio tinha ajudado a gerir ou tinham actuado em Lisboa, tais como Costar ou Soso, ou tinham passado pela cidade para receberem as suas instruções. Nesta última categoria incluíram-se Mullet, Celery, Biscuit, Snow, Dragonfly, Tate, Shadow, Lipstick, Peach, Zigzag Hatchet, cada um deles (ou delas, no caso de Gelatine) com a sua própria história extraordinária de espionagem e actos nebulosos. Meteor chegou a actuar como agente triplo, enquanto que Josef chegou a ser recrutado pelos japoneses. Todos, uns mais que outros, dependeram de mensagens secretas ou apoio financeiro de Lisboa para sustentarem as suas operações em Inglaterra, agindo sem hesitações como empenhados espiões nazis, mas cabendo, afinal, no jargão do MI5, na classe dos «agentes do inimigo sob controlo».

         O simples número de agências que actuavam em Lisboa vale como um indicador da importância da cidade para os serviços de informações britânicos. Para além dos Serviços Secretos de Informações (MI6), que trabalhavam a coberto do Serviço de Controlo de Passaportes, na Rua da Emenda, o MI9 e o SOE (Special Operations Executive) mantiveram representações permanentes em Lisboa. Donald Darling, do MI9, dirigia o serviço de fugas e evasões, prestando assistência a antigos prisioneiros dos alemães e pilotos caídos em território ocupado pelos nazis, para regressarem a casa. Muitos tinham atravessado os Pirenéus a pé, enquanto outros tinham servido penas de prisão na tristemente famosa prisão espanhola de Miranda del Ebro mas não tinham perdido a sua determinação de se voltarem a juntar às suas unidades – tal como Darling recordou nas suas memórias, Secret Sunday (3), publicadas em 1975. Alguns, é certo, traziam consigo informações valiosas a respeito de linhas de fuga, informação actualizada sobre a situação na Europa ocupada, ou pormenores cruciais das restrições de deslocação impostas pelo inimigo, e os seus controlos de segurança. O homem de Lisboa do SOE era Jack Beevor, que trabalhou na embaixada da Rua do Sacramento à Lapa e acabou por descrever as suas experiências na autobiografia SOE Reflections (Reflexões sobre o SOE) (4)publicada em 1981. A sua tarefa era assistir o pessoal do SOE nas suas missões clandestinas, e apressar a repatriação dos agentes a caminho de Londres.

concrete bridge at night time

         Outro componente da importante presença da espionagem britânica em Lisboa foi o adido naval, que estava em permanente contacto com a NID, Divisão de Inteligência Naval do Almirantado (Admiralty’s Naval Intelligence Division). Era responsável pela autorização da Royal Navy, conhecida como «Navicerts», que permitia aos navios não-beligerantes o trânsito marítimo sem interferência dos navios de guerra Aliados. O adido naval constituía por si só uma valiosa fonte de informação, e permitia à NID identificar os falsos navios neutrais que carregassem material de interesse estratégico, incluindo os carregamentos do valiosíssimo volfrâmio espanhol, a caminho dos portos do Eixo.

         A secção de Lisboa do MI6 era uma das mais importantes em Lisboa, e foi comandada, sucessivamente, por  Austen Walsh, Richman Stopford, Cecil Gledhill, e, finalmente, Philip Johns, que mais tarde passou a escrito as suas memórias, em Within Two Cloaks (Duplo Disfarce) (5)Dos quatro, Gledhill era o único não originário da área profissional da recolha de informações, mas, como tinha vivido muitos anos no Brasil, a sua fluência na língua portuguesa compensava a sua faltava de experiência. Ainda assim, a enorme pressão do trabalho reflectiu-se na grande rotação das chefias de Lisboa, nos anos da guerra.

         A secção tinha enorme importância, e não somente por ser a última que restava em todo o continente, após o colapso da França, com um ambiente de neutralidade e de relativa normalidade. Em contraste, a secção de Madrid, que distava muitos quilómetros da fronteira mais próxima, sofria o cerco de um governo-anfitrião hostil, e era limitada por um embaixador igualmente pouco entusiasta, Lorde Sam Hoare, cheio de receios de que o seu estatuto diplomático sofresse com algum embaraço causado pelo MI6. Enquanto antigo agente do MI6, Hoare sabia bem que algum desencobrimento poderia deitar por terra os seus alvos políticos, e, enquanto antigo membro do governo, tinha poderes para fazer com que os seus preconceitos fossem respeitados. A pequena secção de Gibraltar estava igualmente isolada, apenas periodicamente ligada à Grã-Bretanha por rotas de mar e ar perigosas, mas controlada de perto e vigiada pelas secções do inimigo em Algeciras e Tânger, e cuja zona portuária e cidade acolhiam multidões de espiões. As operações da secção de Estocolmo estavam severamente restringidas, graças a uma forte presença alemã e uma polícia secreta sueca bastante suspeita, que no começo da guerra tinha implicado o MI6 numa tentativa falhada de sabotagem da exportação de minério de ferro para o Reich. Quanto a Berna, a secção existia numa clareira do Eixo, sem canais utilizáveis para o mundo exterior, à parte o rádio de ondas curtas, e sem poder contar, certamente, com nenhum apoio por parte da polícia local, a Bundespolizei. E, já que a secção de Istambul estava subordinada ao quartel-general regional, no Cairo, e estava demasiado distante para poder influenciar os acontecimentos na Europa Ocidental, dedicou-se aos assuntos do Médio-Oriente, deixando a Lisboa o fardo de ser a linha da frente no confronto do MI6 com os protagonistas das forças do Eixo.

         O pessoal do MI6 de Lisboa incluía Rita Winsor, evacuada em 1940 da secção de Genebra, que teve de ser abandonada à pressa, e Jack Ivens, um comerciante de frutas com abundantes conhecimentos nos modos de fazer negócios na Península Ibérica. Graham Maingot tinha trabalhado a coberto de actividades comerciais até a secção de Roma ser fechada, na altura em que começaram as hostilidades. E Gene Risso-Gill era originário de uma família de comerciantes anglo-portuguesa. Juntos, reportavam a um controlador regional baseado em Londres, Basil Fenwick, um antigo executivo da companhia petrolífera Shell, depois substituído por Dick Brooman-White, que veio a ser eleito para o parlamento, depois da guerra. Em complemento, a Secção V contava ainda com Charles de Salis e depois Ralph Jarvis, responsáveis por montar operações de contra-informação baseadas em informações obtidas em transmissões do inimigo interceptadas, com o nome de código ISOS. Este grupo permanente era completado, ocasionalmente, por elementos visitantes, ou «bombeiros», como Ian Wilson do MI5, e Frank Foley, o antigo comandante da secção do MI6 de Berlim (6) de antes da guerra, que chegou à Península para gerir a crise criada por Artist.

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         A supervisão de Artist era especialmente melindrosa, pois o agente era um oficial da Abwher, Johannes Jebsen, descendente de uma prestigiada família de armadores de Hamburgo. Artist tinha estabelecido contacto com o MI6 através de Dusko Popov, nome de código Tricycle (7)que tinha indiscretamente confessado o seu papel de agente duplo ao seu velho amigo, a quem conhecia desde os tempos em que estudavam na Universidade de Heidelberga, antes da guerra. Felizmente, Jebsen provou ser digno de confiança, mas o MI6 calculou que, caso desertasse, a Abwher inevitavelmente concluiria que Popov estava contaminado. Por outro lado, se fosse preso e interrogado pela Gestapo, poderia comprometer Popov, e talvez até outros, já que estava também ligado a outro desertor da Abwehr, o jornalista Hans Ruser. Uma outra razão para a extrema cautela era o receio, por parte do MI6, de que, caso desertasse, Jebsen poderia, inadvertidamente, desmascarar Alaric, provavelmente o mais importante agente infiltrado na Abwehr.

         Inicialmente contratado pela Abwehr de Madrid, Alaric era Juan Pujol (8), um anti-fascista espanhol cuja primeira oferta para ajudar os Aliados tinha sido recusada pela embaixada britânica. Sem desanimar, Pujol tinha ido oferecer-se aos alemães, que o enviaram a Lisboa na convicção, errada, de que ele possuía um visto para viajar para a Grã-Bretanha. Na realidade, Pujol tinha-se estabelecido em Cascais e passou a fabricar falsos relatórios vindos de Londres. Mais tarde, graças à insistência do adido naval americano, Edward Rousseau, o agente do MI6 Gene Risso-Gill acabou por estabelecer contacto com Pujol e tratou da sua passagem para Inglaterra, onde, rebaptizado Garbo pelo MI5, o espanhol montou uma rede Abwehr com o nome de código Arabel. Em 1944, a rede de espiões Arabel tinha-se alargado a 22 fontes secundárias, todas fornecedoras de relatórios de vários pontos do país, desempenhando um papel-chave na campanha de contra-informação Fortitude (9), de preparação para o Dia-D. Qualquer ameaça a Garbo punha em perigo as vidas de 150.000 soldados prontos para a ofensiva de desembarque na Normandia a 6 de Junho de 1944. O risco não podia ser mais elevado.

         De facto, Garbo era apenas um dos agentes duplos controlado pelos britânicos com fortes contactos em Lisboa, e, embora ninguém soubesse dos outros, eram vários, uns instalados permanentemente em Portugal outros em trânsito periódico por Lisboa, em missões. Assim a embaixada alemã tornou-se um ponto de encontro regular, onde os espiões do Eixo recebiam as suas instruções finais antes de partirem para Buenos Aires, Rio de Janeiro, Congo Belga, Lourenço Marques, Guiné portuguesa, na costa Oeste de África, ou América do Norte, ao passo que o MI6 preferia casas neutras onde pudesse tratar dos seus assuntos com os agentes que trabalhavam para os dois lados. Existiam também muitas «caixas de correio», que eram usadas pelos agentes para comunicarem usando moradas manifestamente inocentes, que apenas serviam para enviar o correio que continha escrita secreta, por micropontos, para os destinatários pretendidos. Por alturas do fim da guerra, o MI5 estava a usar 135 falsos endereços, que serviam a espiões tão diferentes como Springbook, da África do Sul e o misterioso Fundus, um espião alemão cuja verdadeira identidade nunca foi devidamente apurada.

         Para além de ser um grande porto europeu aberto à navegação transatlântica, Lisboa era também uma porta clandestina para Gibraltar, frequentemente o caminho mais directo para a Grã-Bretanha, especialmente para desertores e outros impossibilitados de conseguirem um visto de saída português por meios legais. Entre os que foram expedidos secretamente para a colónia britânica esteve o lendário agente duplo Juan Pujol, então com o nome de código do MI6 Bovril, ou o desertor Hans Ruser, que negociou a sua desinfiltração em Março de 1942, ou ainda Otto John, um dos conspiradores do 20 de Julho que sofreram os efeitos da reacção ao atentado contra Hitler.

white concrete building near mountain

         Enquanto as agências aliadas estavam bem conscientes de que a PVDE tinha especial interesse nas suas actividades, sem sequer ter feito o esforço de ocultar um posto de observação semeado de câmaras fotográficas de frente para o Serviço de Controlo de Passaportes, os concorrentes do Eixo podiam agir com total impunidade. Artist acabou raptado e atirado para a mala de um carro para uma viagem de regresso forçado a Paris, quando a Gestapo suspeitou de que tinha sido burlada. Petra Vermehren, que se apresentava como jornalista, também desapareceu, depois de o próprio filho e a nora, que como ela trabalhavam para a Abwehr, terem desertado, em Istambul, em Dezembro de 1943.

         O facto de os serviços de informações britânicos terem um quadro de pessoal numeroso em Lisboa não implica que todas as suas operações tenham sido bem sucedidas. A tentativa, em 1942, de assaltar o escritório de um funcionário de alta patente da Abwehr, Kuno Weltzein, que operava sob a capa de actividades comerciais é disso um bom exemplo. A oportunidade de arrombamento revelou ser uma armadilha, e o MI6 viu-se abertamente implicado no fiasco, que deixou os ladrões desmascarados nas mãos da PVDE. Numa outra ocasião, o astucioso Weltzein arranjou maneira de algumas das suas fichas de agentes caírem nas mãos dos britânicos, que desperdiçaram semanas de inúteis observações de suspeitos que acabaram por revelar-se completamente inocentes. Weltzein foi apenas um dos membros da comunidade de comerciantes alemães aliciados pela Abwehr e pelo SD a transformarem os seus contactos de negócios em fontes úteis de informação. Outro desses elementos foi Hans Bendixen, uma figura bastante conhecida, bem estabelecida socialmente antes da guerra, e que passou a espiar a favor de Berlim. Através dos seus contactos locais, foi fácil à Abwehr subverter os banqueiros locais, incluindo o Banco Espírito Santo, para que proporcionassem canais de circulação que ajudassem os espiões alemães nas suas missões.

         Hano Grimm foi outro elemento sujeito ao controlo da Abwehr, reponsável pela recolha de informação relativa ao trânsito naval entre as tripulações dos navios britânicos, como parte de uma rede alargada. Cândido Raposo, um português com acesso à estação de rádio Marconi da Madeira estava envolvido na mesma actividade. O mesmo se passava com Gastão de Freitas, operador de rádio do Gil Eanes, que, comprometido por mensagens codificadas, foi preso e acabou por admitir ter tomado notas sobre as defesas marítimas de St. John, na Terra Nova.

         A dimensão da espionagem nazi desenvolvida em Lisboa não tinha comparação com a de qualquer outra capital neutral, e só talvez Madrid se lhe pudesse aproximar. Foram capturados em Londres numerosos espiões com contactos em Lisboa, entre eles Ernesto Simões, que viajou para Inglaterra para trabalhar na fábrica aeronáutica Percival, em Lutton, em Novembro de 1943. Sob vigilância contínua desde que desembarcou em Filton, Simões tinha sido denunciado por mensagens codificadas e foi preso antes de ter podido causar algum dano. Depois de um demorado interrogatório, confessou o seu verdadeiro papel ao serviço da Abwehr, e revelou a sua falsa morada em Lisboa, de onde tinha ordens para enviar mensagens em escrita de código. A Abwehr recrutou também um jornalista, Manoel dos Santos, que foi tirado do navio em que tinha embarcado, em Freetown, no qual procurava regressar a Portugal, vindo de Moçambique. Uma vez mais, mensagens codificadas tinham denunciado tratar-se de um importante espião nazi. A Serra Leoa, tal como Trinidad, era um entreposto da inteligência britânica, onde estes elementos podiam permanecer presos e até serem levados para Londres, para intenso interrogatório no Campo 020. (10)

man in black suit jacket and blue hat standing in front of store

         Outro caso, mais sério, foi o de um diplomata português, Rogério de Menezes, que acabou condenado à morte. Tendo chegado a Londres em Julho de 1942 para trabalhar na representação diplomática portuguesa, Menezes começou a escrever cartas à irmã, que estava em Lisboa, acrescentando notas suplementares escritas com tinta invisível, dirigidas a um homem chamado Mendes. O seu correio tinha sido incluído na mala diplomática portuguesa, que foi aberta em segredo e examinada por pessoal do MI6, numa operação altamente secreta com o nome de código Triplex. A missão de Menezes tinha sido traída por uma mensagem codificada interceptada ainda antes do seu desembarque. Menezes passou a ser observado, dentro da legação portuguesa, por um agente, e, no exterior, por equipas de vigilância do MI5. De acordo com Jack Bingham, um agente do MI5 que se lhe tornou próximo, Menezes estava particularmente interessado em defesas anti-aéreas. Em Fevereiro de 1943, as provas incriminatórias foram apresentadas ao embaixador Monteiro, a quem foi lembrado que três outros portugueses, Gastão de freitas, Maria dos Santos e Ernesto Simões, tinham sido apanhados a espiar. Depois de Lisboa ter sido consultada, o embaixador retirou a imunidade a Menezes. Quando foi preso, Menezes reclamou que tinha espiado contra a sua vontade, porque tinha parentes na Alemanha que estavam sob ameaça. Na sua confissão, identificou Mendes como sendo um homem chamado Marcello, que trabalhava para um agente italiano chamado Umerte. Declarou ter sido apresentado a esses dois homens por um oficial da Força Aérea Portuguesa, o coronel Miranda, e mencionou também um criptógrafo chamado Ramos, ligado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português. Independentemente destes factos, Menezes foi condenado à luz da Lei da Traição, em Abril de 1943. Foi sentenciado à pena de morte, entretanto comutada, após um pedido de clemência do embaixador português. Menezes ficou preso em Dartmoor e, de acordo com instruções do Juiz Supremo, não houve qualquer declaração oficial sobre o julgamento ou sobre a comutação da pena.

         Um outro espião, menos afortunado, foi Duncan Scott-Ford, que havia sido expulso da Royal Navy, baseada em Alexandria, antes da guerra, por quebra de lealdade, e foi interrogado na base de Salford, em Agosto de 1942, a respeito de um marinheiro identificado em mensagens codificadas com o nome de código Rutherford. Dois meses antes, Scott-Ford tinha declarado ter sido abordado, em Lisboa, por um alemão interessado em informações, mas insistiu que tinha recusado a oferta. Sob interrogatório, no campo 020 do MI5, Scott-Ford admitiu que tinha passado informação pormenorizada sobre comboios de navios aos alemães, e tinha tirado apontamentos sobre oNavio da Marinha Real Britânica Malaya, para poder passar a informação na primeira oportunidade. Sem ter pedido perdão, Scott-Ford foi a julgamento no Old Bailey em Outubro de 1942, e foi enforcado na prisão de Wandsworth em Novembro.

         Outro exemplo de espionagem alemã emanada de Portugal foi Joseph Laureyssens, um marinheiro belga que, em Abril de 1941, foi desmascarado como correspondente de uma «caixa de correio» de Lisboa. Sob interrogatório, admitiu ter posto outros marinheiros em contacto com uma mulher que habitualmente trocava os seus favores por informações navais dos Aliados. Permaneceu preso até ao fim da guerra, apenas porque as provas que o incriminavam se extraviaram acidentalmente. De outro modo, também ele teria sido executado.

         O lugar que Lisboa ocupava nas preocupações das chefias da inteligência britânica está à vista no diário que foi sendo ditado, ao fim de cada um dos dias da guerra, pelo director de Contra-espionagem do MI5, sem ter como objectivo a publicação. O seu conteúdo era conhecido apenas de alguns agentes do MI5 como auxiliar de treino, para documentar o progresso dos serviços de segurança no combate às operações secretas do Eixo. As notas eram tomadas pela secretária do Director, Margot Higgins, depois do expediente, e depois dactilografadas em pequenas páginas soltas, encadernadas com argolas. O diário, com o título The Guy Lidell Diaries, (11) serviu como diário da guerra de uma agência que mantinha ficheiros pessoais e temáticos a respeito de suspeitos de espionagem, elementos e organizações subversivos. Durante toda a Guerra Fria, o diário foi considerado tão sensível que recebeu um nome de código, Wallflower, e permaneceu guardado no cofre pessoal do Director Geral, para ser partilhado com poucos, entre os quais Peter Wright, que mais tarde se lhe referiria nas suas polémicas memórias, SpyCatcher (Caça-Espiões). (12)

         Até às revelações de Wright, a existência dos diários não passava por ser mais do que um rumor infundado. Parecia certo que Liddell tinha enterrado os esqueletos do MI5 todos na mesma cova, e que o documento era demasiado explosivo para que pudesse ser exumado.

white book page on brown wooden table

         Se um dos motivos de se ter permitido maior liberdade no estudo das mensagens interceptadas em Bletchey Park foi acalmar a curiosidade pela história secreta da Grã-Bretanha, essa intenção saiu gorada, já que, no princípios da década de 1980, numerosos escritores, biógrafos e historiadores dedicaram a sua atenção a um campo de estudos até aí completamente negligenciado, especialmente devido à escassez  de documentação oficial posta à disposição do público. A chocante declaração do Primeiro-ministro Margaret Thatcher, em Novembro de 1979, de que o Professor Lorde Anthony Blunt tinha sido toda a sua vida uma «toupeira» dos soviéticos e tinha acordado um estatuto de imunidade em Abril de 1964, veio despertar um aumento da investigação numa área até então evitada, e mesmo desencorajada oficialmente. Blunt, como se sabe, tinha servido nos Serviços Secretos desde Junho de 1940 até Setembro de 1945, e confessou ter passado aos russos do NKVD todos os segredos que lhe tinham chegado ao gabinete. Esta notícia foi um rude golpe para todos os seus amigos, a família, colegas sobreviventes do exército, e a todo o meio das informações, que já tinha feito um grande esforço para salvar a sua reputação depois das deserções de Guy Burgess e Donald McLean em Maio de 1951.

         Embora Guy Liddell já não estivesse vivo para sofrer o choque da exposição pública de Blunt, tendo falecido em retiro, em 1958, viria a tornar-se o foco de uma intensa onda de especulação e crítica. Liddell entrou para o MI5 vindo do Metropolitan Police Special Branch (Operações Especiais da Polícia Metropolitana), em 1931, e em 1940 foi nomeado director da Divisão B, o ramo de contra-espionagem. Depois da guerra, foi promovido a Vice-Director Geral, posto que manteve até mudar-se, em 1956, para a direcção do departamento de segurança da Autoridade da Energia Atómica.

         Liddell conheceu pessoalmente Guy Burgess, que tinha trabalhado secretamente para o MI5 em 1940, dirigindo, entre outros agentes da sua coterie homossexual, Eric Kessler, o jornalista e diplomata suíço, com o nome de código Orange.  Naturalmente, o trabalho clandestino de Burgess para os Serviços Secretos tinha sido ocultado na altura do seu desaparecimento, altura em que foi descrito como sendo um diplomata de categoria menor. E o Livro Branco oficial sobre a sua deserção nem sequer tinha aflorado as suas ligações com a secção D do MI6 e com o MI5. A amizade de Liddell com Burgess era embaraço mais que suficiente, mas o facto é que Liddell tinha também tornado Burgess o seu secretário pessoal, e tinha-lhe confiado a condução dos inquéritos mais sensíveis, em sua representação. Por exemplo, quando Blunt se juntou à equipa de Liddell foi-lhe entregue a tarefa de fazer uma auditoria ao desempenho do embrionário e ineficaz Serviço de Vigia (Watcher Service), de Harry Hunter, o que lhe permitiu garantir, com absoluta certeza, aos seus contactos soviéticos, que a sua rezidentura em Londres não tinha nada a temer da vigilância do MI5, que já estava bastante ocupada com a vigilância da lista de suspeitos de traição. Os registos do MI5 mostram que Blunt tinha também levado a cabo um longo estudo de Triplex, (13) uma operação altamente secreta que envolvia acções de rotina de desvio e abertura de malas diplomáticas das embaixadas neutrais. Pior que tudo, Blunt tinha sido autorizado por Liddell a identificar, e relatar, sobre todo o corpo de agentes em funções nas embaixadas de Londres. Naturalmente, as conclusões de Blunt eram avidamente recebidas em Moscovo, quase tão depressa como eram recebidas em St. James Street.

         O desconforto dos muitos amigos e admiradores de Liddell transformou-se em raiva, quando as suas lealdades foram postas em causa. O primeiro a reinterpretar alguns dos maiores êxitos de Liddell como triunfos duvidosos for Richard Deacon, o autor de The Greatest Treason (A Maior Traição), publicado em 1989, (14) livro em se sugere que, apesar do caso do Arsenal de Woolwich ter resultado na prisão de Percy Glading e dois outros membros da sua rede, o peixe graúdo tinha sido largado. Havia alguma verdade nesta alegação, já que os ilegais soviéticos que tinham controlado as operações conseguiram escapar à vigilância do MI5 e fugiram, tanto à prisão como à própria identificação. Deacon sugeriu que isso foi consequência de uma traição ao mais alto nível dentro do MI5, mais do que puro azar, e denunciou sem hesitações Liddell como «o quinto homem».

         Como Anthony Blunt só entrou para o MI5 em Junho de 1940, mais de dois anos e meio depois da prisão de Glading, o candidato de Deacon para traidor passou a ser Liddell. Tal alegação incitou Dick White a protestar a inocência do seu mentor. Porém, o cheiro de traição já havia sido anunciado por David Mure, oito anos antes, em Master of Deception (Mestre de Enganos) (15), livro em que Mure desenha um cenário em que Liddell concebe fiasco atrás de fiasco nas operações secretas, portando-se como um verdadeiro génio da duplicidade, ajudando outras «toupeiras» a infiltrarem-se mais e mais na administração britânica. As acusações não-comprovadas de Mure tornaram-se mais graves porque, ao contrário de Deacon, pseudónimo literário de Donald McCormick, que fora antigo editor de política estrangeira do Sunday Times e oficial naval do tempo da guerra, e que nunca tinha trabalhado nas informações, David Mure pertencera a uma secção do Cairo durante a Segunda Grande Guerra e tivera envolvimento em operações de contra-espionagem por todo o Médio Oriente. Enquanto o livro de Deacon poderia ser classificado como especulação jornalística, Mure sabia do que estava a falar, tendo tido ligações a Cheese, o famoso agente duplo. A teoria de Mure foi reforçada pelo historiador de Cambridge John Costello que, na sua impressionante biografia de Blunt, Mask of Deception (Máscara de Enganos) (16) apontou Liddell como espião soviético, apenas porque nisso viu a única explicação para a prolongada traição de Blunt. Mais uma vez, a alegação causou consternação entre os antigos colegas de Liddell, especialmente quando Peter Wright revelou que várias «caças a toupeiras» foram desencadeadas nos anos 60 com base na convicção de que os Serviços Secretos estavam a sofrer infiltrações ao mais alto nível. Na reacção à declaração da Sra. Thatcher no Parlamento, em Novembro de 1979, que foi esboçada no MI5 e atribuía todos os incidentes de infiltração a Anthony Blunt, Wright revelou ao seu co-autor Chapman Pincher, no livro Their Trade is Treachery (O Ofício de Traidores) (17), que o Vice-Director Geral Graham Mitchell tinha sido dado como suspeito de ser um agente infiltrado, antes da sua reforma, em Setembro de 1963, e, ainda mais sensacionalmente, que o próprio Director Geral, Lorde Richard Hollis, tinha também sido investigado como possível espião. Wright aprofundou a questão em SpyCatcher, escrito em co-autoria com o produtor de televisão Paul Greengrass, livro em que defendeu que quem lesse os Diários não encontraria nada que permitisse suspeitar de que Liddell pudesse ter traído o seu país.

low angle photo of assorted book on bookshelf

         Podemos hoje dizer, com base na documentação dos arquivos soviéticos que já foi trazida a público, e declarações de desertores do KGB como Oleg Gordievsky (18) e Vasili Mitrotkin (19), que não há nada que apoie alguma tese de que Guy Liddell tenha feito alguma coisa que não fosse servir a Coroa fielmente, e os seus Diários mostram uma humanidade e um empenho nos ideais democráticos capazes de repugnar à maior parte dos polícias secretos.

         Partindo-se, então, do princípio de que Liddell foi sempre fiel ao seu país, qual é o verdadeiro contexto em que os Diários deverão ser lidos? O importante tratado de Lorde Harry Hinsley (20) foi seguido por um extraordinário desenvolvimento, resultado do colapso do bloco soviético. O arquivo do KGB, entretanto aberto a um conjunto de historiadores ocidentais, continha uma vasta colecção de documentos secretos subtraídos por Anthony Blunt ao registo do MI5 durante a guerra. Entre os papéis, estava um primeiro rascunho da história interna do MI5 da autoria de Jack Curry, escrito em 1945 (21), cobrindo o período a partir de 1909. Quando este documento foi desclassificado, em Moscovo, o Director geral de então, o Dr. Stephen Lander, também ele um historiador formado em Cambridge, aprovou o acesso público da versão final do texto, entregue ao Arquivo Público de Kew. A história de Curry acabou por ser publicada, mas o texto tinha sido alvo de revisão, e dava uma visão muito parcial do desempenho do MI5, atenuando as dificuldades vividas por Liddell, escassamente referido. Igualmente editada foi a crónica do pós-guerra Camp 020, da autoria do Coronel Robin Stephens, conhecido por «Tin-Eye», dedicada ao centro de interrogatórios do MI5 em Ham Common. Stephens tinha sido o controverso comandante, e, como seria de esperar, os seus pontos de vista foram expressos de forma animada e bem vincados. Todavia, apesar de ter feito retratos vivos de alguns dos presos, Stephens não tinha a percepção do grande cenário da contra-informação, e a história da sua secção é uma descrição incompleta, que, por exemplo, omitiu qualquer referência a Liddell.

         Sendo assim, o que torna os Diários de Liddell tão importantes? Primeiro, há toda a informação que não se pode encontrar em nenhum outro lugar. Quando se refere ao «material especial», Liddell revela inadvertidamente quais os países cujas comunicações confidenciais eram objecto de intercepção rotineira e descodificação, entre eles a França, a República da Irlanda, a Pérsia, a Finlândia, a Suécia e a União Soviética. Hinsley trata com a máxima (e compreensível) discrição os alvos diplomáticos, e estava sem dúvida a cumprir o dever de não identificar os países alvo da monitorização regular (e bem sucedida). Pelo contrário, os comentários de Liddell fizeram prova de que as comunicações de certas embaixadas eram lidas com regularidade e circulavam entre as altas hierarquias das informações.

         Para além de descrever investigações conduzidas pelo MI5 que não são referidas em mais nenhuma fonte, Liddell também fornece informação em primeira-mão sobre as tensões que existiram entre o Governo, os ministérios e as outras Agências. O director de Liddell, Jasper Harker, trabalhava muito bem com o Sub-Secretário Permanente do Home Office (Ministério da Administração Interna), Lorde Alexander Maxwell, mas tomou como um factor de grave irritação a criação do Gabinete de Segurança de Defesa (Home Defense Security Executive), em Junho de 1940. O Gabinete de Segurança foi instalado por causa da impressão que Churchill tinha de que o caos dominava na direcção do MI5, pela altura em que despediu o Director Geral, Lorde Vernon Kell, também em Junho de 1940. O exacto papel constitucional do gabinete de Segurança nunca foi claramente determinado, e Liddell sentia óbvio desagrado pelas intromissões de Lorde William Charles Crocker, um advogado influente da City que tinha pouca noção do trabalho do MI5 e decidiu, desastrosamente, transferir um grupo de detectives da Scotland Yard para a Divisão B, o que causou grande irritação nas Operações Especiais. Crocker tinha sido imposto ao MI5 com o objectivo de animar a organização, mas as suas actividades, em conjunto com as interferências de outro forasteiro, Malcom Frost, da BBC, iriam causar um ambiente negativo duradouro, dentro dos Serviços Secretos.

         Liddell não fez nenhum esforço para esconder as rivalidades internas e as fricções que por vezes ameaçavam paralisar toda a organização. O dominante Arquivo (Registry), dirigido por Miss Paton-Smith, estava semeado de descontentamento, e a imposição de um Serviço de Comunicações Sem-Fios (Wireless Branch), para supervisionar as comunicações ilegais com o inimigo, revelou-se uma experiência inútil de curta duração e um obstáculo burocrático. A chegada de Reg Horrocks, um perito em gestão, e o seu secretário, Mr. Potter, para aconselharem melhoramentos, fez pouco para aliviar a tensão.

         Os Diários de Liddell têm enorme significado por duas razões. Primeiro, muito poucas pessoas estiveram em posição de terem um posto de observação tão privilegiado sobre a condução da guerra, com um ponto de vista que incluía o acesso à informação mais secreta. Churchill, é claro, viu bastantes relatórios de desencriptação Ultra e gostava de passar os olhos sobre as transcrições das mensagens Enigma interceptadas que o chefe do MI6, Stewart Menzies, seleccionava para a inspecção do Primeiro Ministro, todas as manhãs. Mas poucos foram os elementos do Gabinete de Guerra de Churchill que partilharam daquela fonte da sua enigmática capacidade de adivinhar as intenções do inimigo… Nenhuma das restantes memórias da guerra fazem referência à galinha dos ovos de ouro de Bletchley, incluindo mesmo a do Chefe da Casa Imperial, o general Lorde Alan Brooke (22). Portanto, de um ponto de vista global, os Diários de Liddell são importantes documentos históricos. A segunda razão, já mencionada, é a escassez de material disponível originado do interior dos Serviços Secretos. Se três dos agentes duplos do tempo da guerra escreveram as suas aventuras, a saber, Lilly Sergueiev (23) (nome de código Treasure), John Moe (24) (Mutt), Dusko Popov (25) (Tricycle) e Eddie Chapman (26) (Zigzag), nenhum dos seus oficiais de ligação quebrou o seu silêncio. Esta lacuna é tanto mais notável se tivermos em conta o número de membros dos Serviços Secretos que se tornaram autores. Max Knight (27), John Bingham (28), William Younger (29), Gerald Glover (30), Kenneth Younger (31), e Derek Tangye (32), todos acabaram por escrever livros, e, embora alguns tenham optado pelos romances de espionagem, nenhum deles fez relatos não-ficcionais dos casos em que se tivesse envolvido, ou sequer revelou a verdadeira natureza das suas funções. A única excepção foi Joan Miller, uma das secretárias de Max Knight, que foi usada para penetrar um grupo de suspeitos traidores, em 1940, e mais tarde fez um breve relato das suas experiências em One Girl’s War (Uma Rapariga e a Sua Guerra), um livro de memórias inócuo que acabou por ser publicado na Irlanda depois de uma interdição legal ter impedido a edição inglesa.

         Em suma, nunca houve nenhum relato fidedigno, a partir de dentro, de como se operou durante a guerra nos Serviços Secretos, nem tão-pouco alguma descrição factual do duelo de contra-espionagem travado pelo MI5 contra o Eixo e depois contra os soviéticos. Nesse caso, o que nos contam os Diários, tão secretos durante 60 anos? Para resumirmos melhor o impacto dos Diários, podemos dividir o seu conteúdo em Personalidades e Operações. Em termos das actividades do MI5, os Diários revelam-nos os papéis clandestinos desempenhados pelo pessoal do MI5, pelos seus agentes em Inglaterra, e trazem à luz as actividades de dezenas de indivíduos antes desconhecidos. Liddell era um profissional de contra-informações com uma vida social intensa, e confiava na sua família e nos seus contactos sociais. Empregou os dois irmãos, David e Cecil, e confiou repetidamente nos primos e outros contactos, incluindo o banqueiro Lorde Edward Reid, que aconselhava o MI5 em questões de espionagem financeira. E também em Tommy Lascelles, secretário particular do Rei George. Muito bem relacionado socialmente, Liddell usou os seus contactos para construir uma impressionante rede privada que atravessava divisões de classe e ia do Palácio de Buckingham aos bordéis do Soho. Se juntarmos a esta estrutura as relações com os advogados do Home Office, as rivalidades entre as agências de informações, as sensibilidades diplomáticas e as vidas dos agentes postas em risco em território inimigo, podemos começar a ter um vislumbre do fardo sob o qual Liddell vivia- Mas, ainda assim, encontrava tempo para escrever as suas rimas humorísticas sobre os colegas, e passar os serões a gastar conversa com os amigos no Travellers Club, em Pall Mall.

         Em termos das operações, os Diários dão-nos uma visão dos assuntos que preocupavam Liddell e os seus colegas. Havia uma cooperação estreita com o Canadá, os Estados Unidos, a África do Sul e a República da Irlanda, mas as relações com o gabinete de Coordenação de Segurança Britânica em Nova Iorque (British Security Coordination) estiveram sempre à beira da catástrofe, principalmente porque Liddell confiava muito mais no FBI do que em William Stephenson. Apesar de o director do BSC ter prometido a J. Edgar Hoover terminar as operações clandestinas britânicas em solo dos Estados Unidos, e ter prometido, em especial, não dedicar agentes a missões contra representações diplomáticas estrangeiras acreditadas em Washington, continuou a fazê-lo, com todo o apoio de Bill Donovan, o rival de Hoover. Quando soube da estratégia de alto-risco de Stephenson, Liddell previu a raiva de Hoover, crise que acabou mesmo por acontecer, quando o FBI descobriu aquela colaboração secreta.

         O império de Liddell estendia-se desde o Gabinete de Informações de Deli, na Índia, até ao Comando do Sudoeste Asiático, no Ceilão, passando pelo Gabinete de Informações de Segurança do Cairo e, do outro lado do Atlântico, aos Agentes de Defesa e Segurança que nomeou para as Bermudas, Trinidad, Jamaica e Honduras. Todos os dias vemos Liddell a confrontar-se com pequenas questões a respeito de encontros marcados, a execução de espiões condenados, queixas a respeito do mau uso de um carro oficial por Duff Cooper, a colocação de escutas na suite do Claridges do Secretário de Estado Norte-Americano, ou sobre o tratamento a dar a desertores do inimigo, tais como Hans Jager.

landscape photography of high-rise building during nighttime

         Os Diários despejam uma verdadeira cornucópia de preciosidades secretas, desde as preocupações de Liddell a respeito do regresso a Inglaterra da filha do Lorde Redesdale, Unity Mitford, depois de esta se ter tentado suicidar por causa de uma paixão não correspondida por Hitler, até à suspeita de que um criptógrafo, Harold Fletcher, tivesse passado os segredos de Bletchey ao serviço de informações nazi dirigido pelo temível Kurt Janhke. Dever-se-ia negar a Randolph Churchill a permissão de fazer a sua lua-de-mel em Paris, em Outubro de 1939? Qual era a gravidade das infiltrações no Gabinete de Operações Especiais? Podiam confiar-se ao FBI as mensagens interceptadas à Abwher que revelavam a existência de uma rede de espionagem em Nova Iorque? Iria um júri condenar um fabricante de aviões corrupto?

         Os Diários estão cheios destas preciosidades, e entre elas estão alguns incidentes bastante curiosos. Em Setembro de 1939, Wolfgang zu Putlitz, o principal agente duplo do MI5 dentro da Embaixada alemã em Haia, que tinha desertado para Londres, foi apontado num cinema por um cidadão, tomado por um nazi e preso pela polícia. Um mês mais tarde, o instituto Government Code & Cypher School recusou a entrada na Grã-Bretanha de um grupo de nove criptógrafos polacos que reclamavam ter descoberto o código Enigma. Os polacos foram obrigados a permanecer em França e o Enigma continuou inviolável por mais um ano, até ser finalmente quebrado com a ajuda dos mesmos homens. Um general do Exército Britânico propôs que se destruísse a economia alemã inundando-a com moeda falsa. A princesa Stephanie von Hohenlöhe, uma amiga chegada de Hitler, e conselheira contratada pelo proprietário do Daily Mail, Lorde Rothermere, foi impedida de deixar a Grã-Bretanha para se ir juntar ao seu amante nazi que tinha ido para os Estados Unidos.

         Em Janeiro de 1940, o MI5 negociou directamente com Lorde Oswald Mosley e a União Fascista Britânica. Em Março, o Lorde Rothshild, um proeminente aristocrata judeu que em breve se juntaria ao MI5 como especialista em sabotagem, advogou o extermínio da raça alemã. Entre outros quadros interessantes, está o conselho que Churchill deu aos franceses em maio de 1940, sobre como travar os tanques inimigos: «Atirem sobre os condutores quando saírem dos carros para se irem aliviar». As observações de Liddell sobre Churchill são admiráveis. Em maio de 1940, num encontro controverso com o líder da oposição trabalhista Clement Atlee, Liddell revelou que o governo de Churchill tinha ignorado as recomendações de rigidez que o MI5 tinha feito a respeito da política de acolhimento de estrangeiros. Quatro meses mais tarde Churchill pôs em causa as relações do MI5 com os agentes duplos alemães exigindo que todos os espiões alemães fossem fuzilados.

         As entradas dos Diários de Liddell estão também cheias de grosseiras inconfidências, tais como a descrição de uma conversa, em Agosto de 1940, entre o ministro da produção aeronáutica, Lorde Beaverbrook e Lorde Rothschild, que se zangaram por causa da entrega a firmas de judeus para contratos de produção de aviões. No fim da conversa, exasperado pela intransigência do seu parceiro de governo, Beaverbrook acusou o judeu Rothschild de anti-semitismo.

         Em Setembro de 1940, no auge da preocupação com a possibilidade de uma invasão alemã, o presidente irlandês, Eamon de Valera, considerou abandonar a neutralidade da República para se juntar aos Aliados. Um jornalista foi enviado em missão de confiança a Dublin, para avaliar das suas intenções. Mais tarde, em Janeiro de 1941, o MI5 propôs a operação Blue Boot, um plano para convencer os alemães de que os soldados britânicos iam pintar as botas do pé esquerdo de azul para se identificarem melhor uns aos outros. Esperava-se que os alemães engolissem a história e que quaisquer tropas invasoras que se disfarçassem com fardas britânicas se denunciassem pelas botas azuis que trouxessem!

         Entre os episódios mais extravagantes conta-se o pânico que houve quando um oficial da Força Expedicionária Britânica, o Coronel Gribble, que tinha servido em França em 1940, publicou o seu The Diary of a Staff Officer (Diário de um Oficial de Carreira) (34). O livro, que fazia uma análise do colapso francês, revelou imprudentemente a intercepção secreta de comunicações da Luftwaffe pelos britânicos. O MI5 teve de aplicar-se para encontrar e destruir todas as cópias que foram distribuídas. Noutro incidente, no verão de 1941, um batalhão de soldados polacos, na Escócia, persuadiu um oficial do exército britânico, Alfgar Hesketh-Pritchard, a ajudá-los a assassinarem Rudolf Hess antes que ele pudesse completar a sua missão de negociar uma paz separada com os Aliados. Os polacos acreditavam que estavam prestes a ser traídos, por isso planearam matar o representante do Fuhrer. O atentado foi frustrado no último momento pelo MI5, justamente quando Hesketh-Pritchard conduzia os seus soldados para um comboio, a caminho da prisão secreta de Hess em Aldershot.

binoculars, see, watch

         Porque os Diários variam entre o mais trivial e as descrições de momentos determinantes, a humanidade genuína do autor emerge claramente. Num momento está a transcrever um extracto de um relatório do Comité Conjunto de Informações sobre a evolução da frente russa, e no momento seguinte está a contar uma história divertida de uma conversa interceptada entre o embaixador turco em Londres e a sua amante inglesa.

         Em termos de novas informações trazidas pelos Diários, ficamos a saber de novos nomes de desertores, tais como Colombine Harlequin. E quem iria imaginar que a embaixada britânica em Ankara tinha não só sido penetrada por um famoso espião do SD, com o nome de código Cicero, como os alemães tinham também o motorista do embaixador na sua folha de pagamentos? Estas são as histórias que foram abafadas durante décadas. Para aqueles que buscam lições para o presente, vale a pena notar que em Setembro de 1944 os planos para a ocupação aliada do III Reich estavam bastante avançados, e que a Comissão de Controlo para a Alemanha já tinha escolhido os lugares e o pessoal para a sua tarefa, nove meses antes da rendição final dos nazis.

         Do ponto de vista da contra-informação, os Diários de Liddell representam o olhar mais completo sobre as operações dos Aliados desde a publicação de Double Cross System (O Sistema das Traições), por Masterman, em 1972. Embora aquela publicação tenha revelado a extensão das operações do MI5 com agentes duplos, e tenha sido em parte complementada pela publicação quase simultânea de Game of the Foxes (Jogo das Raposas) de Ladislas Farago (35), era difícil ver essas histórias no seu contexto, porque Masterman se restringiu ao trabalho da B1(a), a secção de contra-espionagem alemã, e excluiu as redes paralelas mantidas no continente pelo MI6. Masterman também foi obrigado, por insistência governamental, a omitir as referências ao programa Ultra. No caso de Farago, o autor não dependeu de fontes dos Aliados, mas de registos capturados à Abwher, os quais tinham sido compilados numa altura em que a manipulação por parte dos Aliados dos chamados canais de «meios especiais» estava no seu auge. A este respeito, o relato de Liddell abrange o impacto das actividades do rival MI6 nos países neutrais, o papel crucial da recolha de inteligência para verificar a reputação de certos agentes aos olhos do inimigo, e a importância dos interrogadores do Campo 020. O que é exclusivo do seu texto, graças ao seu ponto de vista privilegiado, é que Liddell liga todos estas diferentes áreas para construir uma perspectiva inteira dos vários ramos da contra-espionagem no seu combate contra o Eixo. Muitas dessas dimensões estão disponíveis noutros lugares separadamente, mas só os Diários as reúnem, de tal modo que os laços entre a revista a um mercador da Trinidad pelo Controlo de Contrabando, ou um caso de Censura Imperial em Bermuda, uma mensagem de código inimiga interceptada, ou uma indiscrição num bar de Lisboa podem todos ser tomados como linhas da mesma investigação.

         Inevitavelmente, como na maior parte das histórias de espionagem, há-de haver muitas pontas soltas, e os Diários de Guy Liddell são capazes de ter mais do que uma boa conta, já que o documento nunca foi pensado para publicação, ou sequer para ser lido por estranhos. Portanto, quem melhor do que o autor deste livro sobre o papel de Lisboa na Grande Guerra para resolver os mistérios que ainda sobram? Como um persistente e tenaz investigador, a sua reputação estende-se para lá das fronteiras de Portugal, e ao longo dos anos os nossos caminhos têm-se cruzado, quando perseguíamos controvérsias e enigmas de mútuo interesse. Agora, a nossa colaboração estende-se a uma das áreas mais fascinantes, e ao mesmo tempo lodosas de toda a Segunda Guerra Mundial.

Nigel West

Historiador


(a)

Abwehr era o nome corrente da organização de informações militares alemãs, de nome completo Amt Ausland/Abwehr im Oberkommando der Wehrmacht”. (Nota do Tradutor.)

(b)

Estes relatórios, conhecidos só pela sua sigla, devem o nome à secção de criptólogos  que trabalhou em Bletchley Park sob o comando de Oliver Strachey, conhecida como Serviços Ilícitos (ou de Inteligência) Oliver Strachey (Illicit (IntelligenceServices Strachey). (Nota do Tradutor.)

(c)

O SD, ou Sicherheitsdienst, nasceu do primeiro serviço de informações nazi, coordenado directamente por Himmler, que o converteu em serviço de informações das SS e designou para comandante Reinhard Heydrich. No policiamento secreto alemão, o SD era a agência de informações, sendo a Gestapo o braço policial e executivo. (Nota do Tradutor.)


NOTAS

1       Nubar Gulbenkian, Pantelaria (London: Hutchinson, 1965)

2       J,C, Masterman, The Double Cross System of the War of 1939-45 (New Haven, CT: Yale University Press, 1974); The Case of the Four Friends (Oxford University Press, 1954)

3       Donald Darling, Secret Sunday (London: William Kimber, 1975)

4       Jack Beevor, SOE Reflections (London: Bodley Head, 1982)

5       Philip Johns, Within Two Cloaks (London: William Kimber, 1979)

6       Michael Smith, Foley (London: Hodder & Stoughton, 1999)

7       Dusko Popov, SpyCounterSpy (London: Weidenfeld & Nicolson, 1975)

8       Juan Pujol, GARBO: The Greatest Double Agent of World War II (London: Weidenfeld & Nicolson, 1985)

9       Roger Hesketh, Operation FORTITUDE (London: St Ermin’s Press, 1998)

10     Camp 020: MI5 and the Nazi Spies, Robin Stephens (London: Public Record Office, 2000)

11     The Guy Liddell Diaries Vol. I, 1939 –42; Vol. II, 1942-45 (London: Routledge, 2005)

12      Spycatcher, Peter Wright (New York: Viking 1986).

13     TRIPLEX (London: Yale University Press, 2008)

14     The Greatest Treason, Richard Deacon (London: Century Hutchinson, 1989)

15     Master of Deception, David Mure (London: William Kimber, 1980)

16     Mask of Deception, John Costello (London: Collins, 1989)

17     Their Trade is Treachery, Chapman Pincher (London: Sidgwick & Jackson, 1981)

18     Inside the KGB, Oleg Gordievsky and Christopher Andrew (London: Hodder & Stoughton, 1990)

19     The Mitrokhin Archive, Vasili Mitrokhin and Christopher Andrew (New York: Basic Books, 1999)

20     British Intelligence in World War II, Harry Hinsley (London: HMSO, 1979)

21     The British Security Service 1908-45: The Official History, Jack Curry (Public Record Office, 1999)

22     War Diaries 1939-45, Sir Alan Brooke (London: Weidenfeld & Nicolson, 2001)

23     Secret Service Rendered, Lily Sergueiev (London: William Kimber, 1966)

24     John Moe: Double Agent, Jan Moe (Edinburgh: Mainstream, 1986)

25     SpyCounterspy by Dusko Popov (London: Weidenfeld & Nicolson, 1974)

26     The Real Eddie Chapman Story, Eddie Chapman (London: Library 33, 1966)

27     Crime Cargo, Max Knight (London: Phillip Allan, 1934)

28     The Double Agent, John Bingham (London: Victor Gollancz, 1966)

29     The Skin Trap, William Younger (London: Eyre & Spottiswood, 1957)

30     115 Park Street, Gerald Glover (London: Privately, 1982)

31     Changing Perspectives in British Foreign Policy, Kenneth Younger (Oxford University Press, 1984)

32     The Way to Minack, Derek Tangye (London: Michael Joseph, 1978)

33     One Girl’s War by Joan Miller (Eire: Brandon Books, 1986)

34     A Staff Officer’s Diary, Philip Gribble (London: Hutchinson, 1940)

35     The Game of the Foxes, Ladislas Farago (New York: McKay, 1972)


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