Título
Por enquanto, o povo unido ainda não foi vencido
Autor
MANUEL VÁZQUEZ MONTALBÁN (tradução: Rita Luís)
Editora
Tinta da China (Junho de 2024)
Cotação
18/20
Recensão
Muitas vezes, o melhor retrato de um país é aquele visto pelos olhos de um estrangeiro. Esse tem a capacidade de nos olhar à distância, sem estar espartilhado por amizades e conveniências locais. Sem ser contaminado pela cultura local e amarras preconceituosas. E quando acontece esse estrangeiro ser um escritor do calibre do espanhol (catalão, vá lá) Manuel Vázquez Montalbán (1939-2003), então temos de nos sentir bastante sortudos.
En hora buena a Tinta da China resolveu editar a recolha feita pela investigadora da Universidade Nova, Rita Luís, de 55 crónicas escritas entre 14 de Março de 1974 – dois dias antes da intentona das Caldas da Rainha – e 29 de Dezembro de 1975 – um mês após os acontecimentos de 25 de Novembro. O autor do detetive galego e gastrónomo Pepe Carvalho – sabiam que há planos para, finalmente, serem editadas todas as suas aventuras em português? –, fornece-nos uma visão de um habitante de um país que também esperava pelo seu momento de libertação. A Espanha que estava então ensanduichada entre a França democrática e um Portugal que aprendia essa nova realidade.
Este Por enquanto, o povo unido ainda não foi vencido (título delicioso, retirado de uma crónica de 30 de Setembro de 1974, logo após a falhada manifestação da “Maioria Silenciosa”), tem o condão de 50 anos depois, trazer-nos detalhes sobre quem nós éramos e no que, entretanto, nos tornámos. E ser um espanhol a dizer-nos isto a uma distância de meio-século, é como olharmo-nos num espelho que nos leva a uma reflexão introspectiva.
“Durante a minha breve estada em Portugal, no início de Maio, ouvi duas coisas das quais na altura duvidei e atribuí ao subjectivismo emocional dos meus informadores: 1º Costa Gomes é mais inteligente que Spínola; 2º os jovens oficiais estavam dispostos a dispensar Spínola se este colocasse obstáculos ao processo revolucionário”, escreveu Manuel Vázquez Montalbán a 1 de Outubro de 1974. Lido isto assim, como uma novidade que nos é dita 50 anos depois por umn estrangeiro, ajuda mais a explicar-nos hoje como Povo que usa e descarta os seus heróis do que qualquer tese universitária ou livro grosso escrito por um nacional.
As 55 crónicas leem-se (muito) bem, embora se sinta que também poderia haver alguma contextualização. Como, por exemplo, lembrar que Durão Barroso, o futuro presidente da Comissão Europeia, era então um daqueles jovens do partido conhecido como “Movimento Recreativo dos Pintores de Paredes”, com “células na Faculdade de Direito, para inventar slogans, e outra na Escola de Belas-Artes, para os pintar”.