RECENSÃO: O Sr. Wilder & eu

Uma ode à Sétima Arte

por Ana Luísa Pereira // Abril 28, 2022


Categoria: Cultura

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Título

O Sr. Wilder & eu

Autor

JONATHAN COE (tradução: Rui Pires Cabral)

Editora (Edição)

Porto Editora (Março de 2022)

Cotação

18/20

Recensão

Jonathan Coe nasceu em 1961, nos subúrbios de Birmingham. A sua primeira história conhecida foi escrita aos oito anos de idade: essas primeiras páginas surgem no seu quarto romance, What a Carve Up! – aquele que o faria chegar a um público mais vasto e internacional: foi traduzido para 16 línguas.

Com vários livros publicados, a sua obra já recebeu diversos prémios e distinções, incluindo o Prémio Literário Costa e o Prix du Livre Européen, com o livro O coração de Inglaterra; em França ganhou o Prix Médicis, pelo livro “A Casa do Sono”, tendo sido nomeado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras. Em Itália ganhou o Prémio Flaiano e o Prémio Bauer-Ca' Foscari.

Razões de sobra, assim, para ser considerado um dos autores contemporâneos mais aclamados, criando-se, também por isso, algumas expectativas quando se começa a leitura do romance, O Sr. Wilder & Eu. E não serão, certamente, goradas.

O romance começa com as memórias de Calista Frangopoulos, uma compositora grega de bandas sonoras, que, aos 57 anos, vive uma crise familiar e profissional, que a faz regressar ao passado, dando-nos, assim, a conhecer o grande realizador Billy Wilder.

As suas recordações transportam-na para uma viagem no início da sua juventude, nos Estados Unidos, durante a qual conhece outra jovem, cujo pai é amigo de longa data de Billy Wilder. O mote para um jantar com o realizador e o seu companheiro de sempre, I.A.L. Diamond, e as respetivas mulheres.

O glamour do cinema de Hollywood entra, assim, por acaso na vida da jovem grega, que, passado algum tempo, é contactada por Diamond para ser integrada, como intérprete, na equipa das filmagens de Os Segredos de Fedora, numa ilha grega.

Curiosamente, a entrada da jovem Calista, na sétima arte, coincide com a tomada de consciência do fim de carreira de Billy Wilder. Na verdade, o filme em realização é, precisamente, uma metáfora a este crepúsculo, recorrendo a um dos géneros do próprio Wilder, ou seja, a cenas cómicas, como que para tornar a velhice mais leve.

Através dos olhos de uma jovem deslumbrada, somos encaminhados para a intimidade do processo de realização; mais do que isso, para a intimidade de um dos realizadores mais proeminentes de Hollywood. “Escutamos” as histórias de vida de Wilder, contadas pelo próprio, denotando-se uma nostalgia do passado, enquanto forma de adiar o inevitável.

A busca incessante de Wilder pela sua família, que terá sido incinerada viva nos campos de concentração nazis – uma das cenas mais fortes do livro é mesmo a descrição de Wilder em forma de argumento, aquando da sua viagem de regresso à Europa, para realizar um documentário sobre os campos de concentração.

Esta história memorável é a resposta a uma das personagens que pretende negar que tenham morrido assim tantos judeus – a negação do holocausto que viria dar origem ao termo “negacionista”, actualmente tão em voga.

O romance interliga várias histórias. A de Calista, que além de encantada com o cinema, vive o seu primeiro amor – e, de imediato, a sua desilusão: a vida ela própria, sem a encenação que o cinema e outros meios constroem à volta do amor.

A da amizade de Calista com Wilder e Diamond, numa celebração à amizade intergeracional e reconhecimento da experiência e sabedoria dos mais velhos. Estes, a quem o envelhecimento faz relegar o estatuto de melhores do panorama de Hollywood para o declínio e esquecimento.

Como lidar com o envelhecimento e com a percepção de que mais cedo do que mais tarde se será substituído pelos mais jovens: pelos barbudos, entre os quais Steven Spielberg que, neste enredo, acaba de facturar milhões de dólares com a estreia d’O tubarão.

O romance é, também por isso, uma ode ao cinema enquanto Arte – ultrapassando a experiência de entretenimento. Essa é, aliás, uma das questões que perpassa toda a obra – revelando-se, em alguns momentos, uma nuance de ensaio sobre o fim do cinema clássico de Hollywood e sobre o papel do cinema enquanto arte interventiva.

Ler este romance impele o leitor a revisitar a obra de Billy Wilder – como não encontrámos Os segredos de Fedora (o filme a ser dirigido neste romance), estivemos a ver a comédia Beija-me, estúpido. Isto, para dizer que as únicas interrupções justificadas são essas, as de relembrar os filmes e os actores em cena neste romance, que está próximo da classificação de obra-prima.

Coibimo-nos de a conferir pelo modo como o autor resolve uma ou outra situação da personagem Calista Frangopoulos, cujo dilema da vida pessoal é claramente um pretexto, nem sempre bem conseguido, para nos enlevar com gentileza pela história de um dos realizadores mais extraordinários da sua época, Billy Wilder.

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