Recensão: Portugal, uma História no Feminino

Um lento quebrar de barreiras

por Pedro Almeida Vieira // Setembro 19, 2024


Categoria: Cultura

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Título

Portugal: uma História no feminino

Autora

ANA RODRIGUES OLIVEIRA

Editora

Casa das Letras (Maio de 2024)

Cotação

16/20

Recensão

Até ao século XX, o papel das mulheres em Portugal foi amplamente condicionado por factores sociais, culturais e religiosos, que as relegaram para uma posição mais do que secundária. A Igreja Católica, com a sua profunda influência na vida social e moral do país, desempenhou um papel crucial na perpetuação da ideia de que a mulher deveria ocupar um lugar de submissão e discrição, sobretudo no contexto da família e do lar. O ideal feminino era o de uma figura devota, casta e, enfim, ignorante e pouco ou nada interventiva, cuja principal função era ser esposa e mãe, enquanto as esferas públicas e de poder eram exclusivamente dominadas pelos homens.

A sociedade portuguesa, profundamente enraizada em valores patriarcais, reforçou durante séculos esses papéis tradicionais. A Educação, quando acessível às mulheres, era limitada a áreas consideradas apropriadas para o género feminino, como bordado, música ou religião, não incentivando uma formação intelectual mais robusta ou a participação activa na vida pública.

Não surpreende assim que sobre um país que nasceu no século XII, o livro 'Portugal: uma História no Feminino', de Ana Rodrigues Oliveira, professora e investigadora da Universidade Nova de Lisboa, destaque, nas suas primeiras 533 páginas (num total de 626, incluindo bibliografia e um precioso índice onomástico) apenas figuras femininas ligadas à nobreza, como rainhas, regentes ou esposas de monarcas. Em muitos casos, mesmo de mulheres preponderantes na História de Portugal, não se duvide que a sua ascensão dependeu apenas e só ao berço e não tanto aos méritos que foram desenvolvendo.

Somente a partir do início do século XX, as mulheres portuguesas começaram a conquistar maior visibilidade e a reclamar um papel mais activo na sociedade, mas o advento da República, em 1910 e, mais tarde, o Estado Novo trouxeram mudanças ambíguas para a condição feminina: por um lado, havia uma ênfase renovada nos papéis tradicionais de género, mas, por outro, também se abriam novas oportunidades, nomeadamente no campo da educação e do trabalho.

Essa é a parte do livro, porventura, mais interessante, onde se releva o pioneirismo e 'lutas' de diversas mulhers que 'ousaram' desafiar as normas, desde Carolina Beatriz Ângelo, que reinvindicou o direito de voto das mulheres, até Maria de Lourdes Pintasilgo, a primeira (e única, até agora) primeira-ministra de Portugal. No meio, estão ainda mais sete mulheres com mais do que suficientes méritos para aqui constarem.  

No entanto, lendo a obra de Ana Paula Rodrigues - numa escrita fluída, aqui ou ali demasiado fria e 'professoral', por vezes abusando de um estilo enciclopédico, sobretudo quando, no início dos capítulos, apresenta as biografadas -, mostra-se  constrangedor que um livro publicado em 2024 termine com Maria de Lourdes Pintasilgo, que chegou ao topo em 1979, embora sem ganhar eleições.

Quais serão as razões para, em meio século de democracia, e com a universalização do ensino, que faz com que hoje as mulheres tenham mais formação do que os homens, Ana Rodrigues Oliveira não consiga incluir uma mulher nascida em data posterior a 1930, o ano de nascimento de Maria de Lourdes Pintasilgo? Pode ter sido apenas por 'pudor de historiadora', em não abordar tempos hodiernos, mas se pensarmos bem, talvez não seja apenas essa a causa. Faltam 'candidatas' para entrar num livro deste género. Na verdade, talvez as mulheres ainda não tenham conseguido, e infelizmente, romper o último bastião do poder masculino. Se é isso, agora a 'culpa' não pode ser assacada somente aos homens, até porque há mais eleitoras do que eleitores. E isso é como o 'código postal': meio caminho andado.

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