Anders Tegnell, John Ioannidis e os autores da Declaração de Great Barrington marcaram presença

Pandemia: Stanford reuniu peritos de excelência que estiveram do outro lado da ‘Narrativa’

por Elisabete Tavares // Outubro 17, 2024


Categoria: Exame

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A ‘nata’ dos peritos que defenderam uma estratégia racional e ponderada de resposta à covid-19 esteve reunida numa conferência na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Trata-se de especialistas de topo que, durante a pandemia, ficaram do outro lado da ‘narrativa’ seguida pela generalidade dos governos e que significou a imposição de medidas radicais, como as que foram implementadas em Portugal, com resultados desastrosos ao nível da mortalidade e da economia. John Ioannidis, o epidemiologista mais conceituado do mundo, foi um dos marcou presença no evento, tal como Anders Tegnell, responsável pelas políticas covid-19 na Suécia, e Jay Bhattacharya e Sunetra Gupta, co-autores da Declaração de Great Barrington, que defendeu uma estratégia proporcional e moderada de resposta à pandemia. Tegnell falou sobre a forma como geriu a pandemia na Suécia e a importância de, em crises, haver um “diálogo inteligente com a população”. Disse ainda que muitos países seguiram as medidas extremas adoptadas pela China por acharem que seria a “solução mais fácil” a usar por pouco tempo, o que “nunca foi verdade”. Mas a apresentação de Ioannidis também se destacou no evento.


Ao contrário do que transpareceu nos media mainstream, durante a pandemia de covid-19 não houve unanimidade nem consenso na comunidade científica relativamente à melhor estratégia para se lidar com a crise sanitária. Houve uma acentuada divergência de opiniões, com vários peritos de excelência, e até Prémios Nobel, a defender que as autoridades deveriam implementar medidas proporcionais e moderadas para lidar com o vírus, as quais tinham ainda outros benefícios: não prejudicavam os mais pobres e vulneráveis e respeitavam os direitos humanos e civis.

Vários dos especialistas de topo de nível global que defenderam políticas racionais e moderadas, baseadas na evidência, estiveram reunidos no dia 4 de Outubro numa conferência na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos com o título ‘Políticas da Pandemia: Planear o Futuro, Avaliar o Passado‘ (‘Pandemic Policy: Planning the Future, Assessing the Past’).

Entre esses peritos estão nomes como John Ioannidis, o epidemiologista mais conceituado a nível mundial, médico e professor em Stanford, e Anders Tegnell, reputado epidemiologista que liderou a resposta da Suécia à covid-19 com resultados muito mais favoráveis do que países como Portugal, que impôs medidas extremas e que violaram a Constituição da República, bem como direitos humanos e civis. Estiveram também presentes peritos como os professores de Stanford e Oxford, Jay Bhattacharya e Sunetra Gupta, co-autores da Declaração de Great Barrington, que conta com quase um milhão de assinaturas, incluindo de especialistas em saúde pública, e que defendeu uma gestão da pandemia ponderada e mais focada nos grupos de risco.

Anders Tegnell, reputado epidemiologista sueco, liderou a resposta da Suécia à pandemia de covid-19 com um grande sucesso. O país, ao contrário de outros, como Portugal, regista os melhores níveis de excesso de mortalidade. A Suécia recusou aplicar, em geral, confinamentos e o uso generalizado de máscara facial. Foto: D.R.

O evento, composto por quatro painéis de debate, procurou analisar se as universidades acolheram o debate aberto e livre sobre as possíveis respostas à pandemia. Na abertura do evento, Bhattacharya defendeu que “em pandemias, o público depende de os especialistas partilharem a sua visão de forma aberta e sem medo ou favor e falarem o que pensam abertamente sobre as suas avaliações, em termos científicos e de políticas”.

Tegnell foi um dos convidados que integrou o primeiro painel sobre o tema “Decisões baseadas na evidência numa pandemia“. Ali, foram debatidas medidas como confinamento forçado da população, fecho de escolas prolongado, distanciamento social, obrigatoriedade do uso de máscara facial e imposição de vacinas. Trata-se de medidas sem precedentes, tanto na sua “extensão como no seu impacto global”.

Tegnell destacou a importância de, numa pandemia, se adoptarem, logo no início, medidas que sejam possíveis de manter, porque se trata de um tipo de crise que vai levar tempo a resolver e não haverá uma solução logo no imediato. “É necessário, logo no início, pensar em medidas que vai ser possível manter. E fechar as pessoas não é algo que se possa conseguir manter”, disse no painel. “Mas tentar ter um diálogo inteligente com a população sobre como podemos manter distância, como podemos reunir com menos pessoas do que o habitual, isso consegue-se fazer”, salientou.

O epidemiologista defendeu que deve haver boa comunicação e transparência para haver confiança. Disse que “tem de se ser muito claro com as pessoas sobre o que se está a tentar alcançar e não como se vai alcançar, porque todos são diferentes e algumas pessoas precisam ir para o trabalho” e deslocar-se, mas podem decidir como fazê-lo de forma a minimizar contactos. “Penso que conseguimos isso, que as pessoas percebessem o que estávamos a tentar alcançar: queremos ter menos contactos”. Tegnell defendeu que, nesse contexto, as autoridades não precisam de parar com medidas que começaram porque as medidas se mantêm ao longo da pandemia. Destacou que uma crise como a da covid-19 é um caminho a percorrer para um objectivo e convém manter as medidas ao longo do tempo em vez de andar de medida em medida. “É ter um diálogo inteligente com a população, compreender as suas necessidades comparando com as nossas necessidades para abrandar o contágio”, disse.

Estocolmo, Suécia, 2020 (Foto: PAV)

O epidemiologista comentou que “o exemplo da China [que aplicou medidas extremas, fechando a população] levou muitas pessoas a pensar que era a solução mais fácil e sempre queremos uma solução mais fácil, mesmo em problemas complexos e, por isso, é que muitos países seguiram o exemplo [da China]”. Contudo, “houve também uma ideia bastante estranha na pandemia de que se pode parar isto e não levará muito tempo, e que se pode aplicar medidas muito duras porque só se tem de viver com elas durante um período de tempo curto, mas claro que isto nunca foi verdade”.

Destacou que se provou “ser muito mais difícil parar com uma medida que já se implementou” porque para se manter a confiança da população, não se pode estar a mudar de medidas constantemente. “Era muito difícil dizer hoje que ‘isto é uma doença mortífera e têm de ficar em casa e fazer nada e umas semanas depois dizer que está tudo OK”, disse.

“Descobrimos também que, na nossa sociedade, a confiança é incrivelmente importante” e que “é mais fácil dizer que vivemos num mundo onde a confiança se está a deteriorar, o que penso ser terrível porque vai ter efeitos na saúde pública mas não só”. Tegnell elogiou o evento e a iniciativa da conferência e considerou que “há uma boa possibilidade, com este tipo de encontros, de ter diálogos abertos e reconstruir a confiança, não apenas confiança na academia e na população, como a confiança entre a academia e os funcionários públicos e os políticos, porque penso que, em certa medida, isso estava em falta, por isso é que em muitos lugares os políticos tomaram conta de tudo”.

Deixou ainda um alerta: “temos de compreender que uma pandemia não é um problema de comunicação de doença, não é um problema de saúde, é um problema da sociedade. Então, temos mesmo de envolver toda a sociedade”. Por outro lado, destacou a importância de, numa pandemia, se proteger os mais pobres. “Mesmo numa sociedade com um nível de igualdade razoável, como a Suécia, podíamos ver que isto estava a prejudicar as pessoas com um estatuto socio-económico mais baixo e muito mais do que o resto da população, por isso temos de ser capazes de os proteger muito melhor antes que surja uma próxima pandemia”, avisou.

Defendeu ainda que, no futuro, terá se de usar melhor os dados existentes. “Não sou um académico, sou um funcionário público, mas penso que não usámos realmente muito bem os dados que estavam disponíveis e precisamos usar melhor os dados”, disse.

Anders Tegnell (à direita) participou no primeiro painel que debateu o tema “Decisões baseadas na evidência numa pandemia”. Foto: Rod Searcey/Department of Health Policy, Stanford University

O segundo painel debateu o tema “Desinformação, censura e liberdade académica“, onde foi levantada a questão: “será que limitar a liberdade de expressão durante uma crise sanitária protege o público ao reduzir desinformação prejudicial ou será que põe em risco o silenciamento de dissidentes válidos e promovendo uma visão única e aprovada?”

O terceiro painel debruçou-se sobre o tema “Gestão da pandemia de uma perspectiva global“, colocando na mesa de debate a pergunta: “como é que os interesses dos mais pobres podem ser melhor representados em decisões adoptadas por países ocidentais numa próxima pandemia?”

Por fim, o quarto painel discutiu “As origens da covid-19 e a regulação da Virologia“. Isto num contexto de investigações que trouxeram à luz do dia que os Estados Unidos contribuíram com financiamento público para pesquisas perigosas envolvendo modificação de coronavírus no laboratório em Wuhan, na China, de onde se suspeita que poderá ter saído o SARS-CoV-2. O painel propunha que, “se a pandemia começou a partir de um comércio de vida selvagem inadequadamente regulamentado ou zoonoses, reformas para reduzir a probabilidade de contato humano com espécies selvagens são vitais”. Contudo, “se a pandemia começou devido a experiências laboratoriais perigosas e protocolos inadequados para evitar fugas, então uma regulamentação mais rigorosa desse tipo de experimentação é necessária”.

O epidemiologista mais conceituado do mundo, John Ioannidis (à esquerda) e o co-autor da Declaração de Great Barrington Jay Battacharya (à direita), foram dois dos especialistas de topo a nível mundial que marcaram presença na conferência da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Ambos são professores em Stanford. Foto: Rod Searcey/Department of Health Policy, Stanford University

O evento foi encerrado com uma apresentação de John Ioannidis, que mencionou a crise de excesso de mortalidade que afectou diversos países, incluindo Portugal, desde 2020. O reputado epidemiologista destacou, pouco depois do início da sua palestra, que recusou e não pediu financiamento para o seu trabalho de investigação sobre a covid-19. “Recebi um prémio honorário de 100.000 dólares, mas pedi que o dinheiro fosse destinado a duas organizações filantrópicas para crianças carenciadas, pois pessoalmente sinto que decepcionámos as crianças. Decepcionámos os pobres, as crianças pobres, o nosso futuro e a melhor parte do que é o ser humano”, afirmou.

Depois, concordou com uma das conclusões dos trabalhos de que a pandemia “foi um desastre para alguns países, mas quase não houve excesso de mortes em outros e, para a grande maioria dos países do mundo, não temos uma ideia exacta do que aconteceu porque nem sequer temos bons sistemas de registo de óbitos para contar sequer quantas pessoas morrem, muito menos do que é que elas morrem”.

Destacou que, “basicamente, em 34 países com dados de melhor qualidade sobre registo de óbitos, vimos que metade (17) não teve mortes em excesso comparadas aos anos imediatamente anteriores à pandemia, enquanto a outra metade enfrentou realmente um desastre” [Portugal está na metade com os piores dados]. Neste cenário, “os piores foram os Estados Unidos e a Bulgária”. Frisou que, “entre aqueles com menos de 65 anos, os Estados Unidos tiveram números muito piores do que qualquer outro país”. Quanto aos “melhores, foram a Suécia e a Nova Zelândia”, que são “dois países que tiveram abordagens muito diferentes sobre a forma de lidar com a crise”. Aproveitou para elogiar o estratega da resposta sueca: “fico feliz em ter Anders Tegnell connosco hoje. É a primeira vez que nos encontramos pessoalmente, e ele é, sem dúvida, uma lenda”, afirmou.

Foto: Rod Searcey/Department of Health Policy, Stanford University

Ioannidis apontou que, na sua opinião, o denominador comum “é que a covid-19 foi um desastre em países com alta desigualdade e em crise antes da pandemia”. Ou seja, “países sem recursos, com pobreza, onde uma grande parcela da população era marginalizada, sofreram mais”. “Esses países já estavam em crise e, infelizmente, continuarão em crise após a pandemia, o que me preocupa para o futuro”, afirmou.

O especialista, que é médico, formado em Medicina Interna e Doenças Infecciosas, disse que os médicos “são os heróis desconhecidos que enfrentaram uma crise dupla” na covid-19.

Observou que “a covid-19 mobilizou massivamente cientistas, acadêmicos, especialistas em políticas e muito mais; influenciadores, redes sociais, jornalistas, políticos, decisores políticos, as grandes tecnológicas [Big Tech]”. Para Ioannidis, “ouvimos muitas dessas partes interessadas que interferiram no processo da Ciência”.

Sobre os trabalhos de investigação publicados na pandemia, lamentou a sua fraca qualidade. Segundo Ioannidis, quase dois milhões de cientistas publicaram cerca de 720 mil artigos científicos, resultando em mais de 10 milhões de citações no Scopus. Na sua maioria, os artiigos mais citados em 2020 e 2021 eram sobre covid-19. “Sabemos que na literatura científica, o artigo médio é horrível, mas os artigos sobre covid-19 foram mais horríveis do que horríveis e digo isso com total respeito por todo o trabalho incrível que aconteceu durante a pandemia”.

Pensando no futuro, defendeu uma “Ciência útil”, para resolver problemas reais existentes. Defendeu também maior acesso a dados e informação por parte da comunidade científica. E defendeu que deve haver uma maior transparência, a divulgação de todo o tipo de declaração de interesses de cientistas e investigadores, quem os financia e até as suas posições políticas e outros conflitos de interesse.

John Ioannidis. Foto: Rod Searcey/Department of Health Policy, Stanford University

Em Portugal, existe o exemplo de Filipe Froes, um dos mais requisitados ‘especialistas’ pela imprensa e que nunca é apresentado como um consultor que presta serviços a farmacêuticas, designadamente participando em eventos para os quais é pago. Nunca é assim dado a conhecer ao público as suas ligações e potenciais conflitos de interesse sempre que promove fármacos ou influencia políticas de saúde pública com impacto forte na vida da população.

Na conclusão da sua apresentação, Ioannidis disse que “temos de pensar positivamente sobre o futuro”. “Não quero pensar que o nosso futuro será uma espiral de morte de decisões erradas”. Sinalizou que isso aconteceria “se permitíssemos o autoritarismo, e infelizmente há autoritarismo à nossa volta; se permitirmos desigualdades, e infelizmente há desigualdades à nossa volta; se permitimos que as pessoas que são marginalizadas sejam mais marginalizadas, e infelizmente isso está a acontecer enquanto falamos, pode não ser tão óbvio nesta sala, mas está a acontecer lá fora, na nossa comunidade; se permitirmos que os pobres se tornem mais pobres; se permitimos que os oprimidos se tornem mais oprimidos; se permitimos que o silêncio se torne mais silencioso; se permitimos que a humanidade desapareça”.

Pode ver AQUI ao vídeo da apresentação de John Ioannidis. Se preferir, pode ler AQUI a transcrição (com tradução para português) do discurso completo que John Ioannidis proferiu na conferência.

Pode assistir AQUI aos vídeos da conferência.


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