Camilla Grebe

‘Na Suécia temos um fascínio profundo pelo crime, mas não queremos estar expostos a isso na vida real’

por Bernardo Almeida // Julho 13, 2022


Categoria: Entrevista P1

minuto/s restantes

Em Gelo sob os seus pés, a sueca Camilla Grebe, propõe aos leitores uma viagem pelos mistérios do crime psicológico, distribuída por três personagens que estão destinadas à colisão. Vencedora do Glass Key Award, para Melhor Policial Nórdico e também por Melhor Policial Sueco do Ano, o romance tornou-se um best seller em diversos países europeus. Actualmente a viver em Cascais, o PÁGINA UM conversou com esta escandinava de 54 anos sobre o seu percurso literário, o género policial e a sua vinda para Portugal.


Como é que uma economista acaba a escrever romances policiais?

Sempre tive um interesse em arte e na criatividade, e por isso fui para uma escola de Arte a seguir ao curso de Economia, para tentar pintura, mas cedo percebi que não ia conseguir viver disso. Fui depois trabalhar para uma editora, onde conheci muitos autores e após ter lido alguns manuscritos, entendi que preferia estar do lado criativo em vez de ficar na parte de gestão.

Mas começou por escrever romances a quatro mãos, com a sua irmã. Como foi essa partilha?

Foi tudo um pouco orgânico. Eu escrevi um primeiro capítulo, e ela o seguinte; e depois eu outra vez. A dada altura encontrávamo-nos e discutíamos a continuação da história. E, para nossa surpresa, o nosso primeiro livro [Någon sorts frid, em 2009] foi publicado [risos]. Devido a esse sucesso, tivemos que ser mais estruturadas e nos livros seguintes precisámos de concordar no enredo e personagens logo de início.

Camilla Grebe. Foto: ©Anna Ahlström

Quais as maiores diferenças face à escrita individual?

Há aspectos positivos e negativos. Quando escreves com alguém, tens um amigo com quem podes falar sobre ideias, resolver problemas e apoiam-se mutuamente. E também se aplicas se precisas de fazer algum marketing ou ir em viagens promocionais. Por outro lado, pode haver complicações quando as ideias não coincidem, tanto no enredo como também no processo da escrita, no tempo que se dedica ao desenvolvimento da história. Eu descobri que sozinha, o meu tempo era mais produtivo e o processo de escrita mais rápido. De alguma forma, é mais eficiente, e sou eu que tomo todas as decisões.

O seu percurso literário centra-se em policiais. O que mais a fascina neste género?

Comecei a ler este tipo de livros muito cedo, ainda com sete ou oito anos, e logo nas primeiras páginas fiquei apaixonada. Mas para mim, este é um género onde podemos fazer o que quisermos. Há um contrato com os leitores: é suposto haver um mistério e, em certa altura, temos de os surpreender. Isto é obvio, mas, de resto, podemos fazer da história o que for; pode ser uma história de amor, podemos falar de problemas sociais, política, ou imprimir uma linguagem poética. Na minha opinião há poucas limitações.

Qual foi a inspiração do romance que lançou agora em Portugal, Gelo sob os seus pés?

Para mim, é muito difícil falar sobre este livro, teria de abordar o twist, o que seria decepcionante, mas eu gosto muito de crimes psicológicos. Posso dizer que este romance foi escrito para surpreender o leitor, esse foi o meu objectivo.

Em todo o caso, em relação às personagens, como foi o processo de desenvolvimento que escolheu?

De uma forma geral, eu sabia já, desde o princípio, quem seriam, mas houve também um crescimento orgânico ao longo do manuscrito. Eu gosto que as minhas personagens sejam de carne e osso, que sejam imperfeitas, tenham falhas e problemas. O caso de Hanna é um pouco assim: ela tem demência, que é uma doença horrível, mas interessante no contexto livro, porque se ela não pode confiar nela mesma, em quem poderá confiar? Essa dramatização pareceu-me muito interessante.

O romance aborda temas como o arrependimento, a saúde mental, a inevitabilidade da morte. São temas de circunstância ou foram escolhidos com um propósito?

São temas que fazem parte da condição humana. As questões eternas de vida, morte, amor, e por isso são importantes para mim, também porque são muito existenciais e acho isso muito interessante.

Publicado originalmente em 2017, O gelo sob os seus pés foi editado em português em Abril passado.

As protagonistas femininas passam por mudanças e transformações ao longo do romance. Considera que estas mudanças reflectem a evolução feminista na sociedade?

Talvez a Hanna, sim. Ela é a personagem mais velha, e a geração dela era muito diferente. E embora ela tenha educação, na verdade ela pertence a um tempo em que o lugar da mulher era diferente. Por isso, apesar da sua doença, ela quer sair da relação abusiva onde se encontra.

Este romance mostra-se bastante visual, havendo muitos pormenores mencionados como as roupas, as rugas, os cheiros. Sei que vai ser adaptado para o cinema. Já estava a pensar nesta possibilidade quando o escreveu?

Não foi intencional, mas quando li o manuscrito apercebi-me que sim, que podia resultar, embora não fosse o meu objectivo.

A Suécia é um dos países mais seguros do Mundo. Como se explica que este género seja tão popular no seu país?

Eu penso que é pelo contraste. Na Suécia há muito de natureza, mais as casas vermelhas e todas estas características fazem-nos querer ler livros que reflectem os nossos medos, mas de uma forma segura. Na Suécia temos um fascínio profundo pelo crime, pela morte e pelo medo, mas não queremos estar expostos a isso na vida real. Portanto, os livros e filmes permitem-nos reter um pouco disso.

Entretanto, vive em Portugal? O que a fez vir para cá?

Combinei com o meu marido que, quando os nossos filhos saíssem de casa, íamos mudar para o sul da Europa. O clima sueco é muito frio e, além disso, também muito escuro. Depois de algumas discussões, decidimos visitar Cascais. No princípio era por um ano, e depois íamos para Espanha, onde eu já tinha estado anteriormente, mas senti que os portugueses são mais parecidos com os escandinavos. Os espanhóis são muito latinos e os portugueses parecem-me mais reservados, tal como os suecos. E mesmo em temos de população, nós também somos 10 milhões. Um ano e meio após a chegada a Portugal, decidi que não ia para mais sítio nenhum. Isto é a minha casa e até vou para uma universidade aprender português.

Será possível que a sua inspiração para escrever policiais mude pelo facto de viver em Portugal?

Não está nos meus planos [risos]. Eu preciso do ambiente escandinavo para escrever os meus romances, do escuro, do frio, e é também isso que os meus leitores, espalhados pelo Mundo, esperam de mim. Talvez as minhas personagens possam fazer férias em Portugal [risos].

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.