Empresa pública esconde contas desde 2019 mas recebeu mais 92,7 milhões de euros em Dezembro

Parque Escolar (sem contas há quatro anos) intimada em Tribunal para entregar relatórios financeiros ao PÁGINA UM

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por Pedro Almeida Vieira // Maio 9, 2023


Categoria: Exame

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É mais um exemplo paradigmático de um país sem rigor e sem transparência. Candidamente, a Parque Escolar, a empresa pública que gere os edifícios do ensino secundário, não mostra contas desde 2019, não tem presidentes do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal, mas recebeu mais 92,7 milhões de euros no final do ano passado por decisão governamental. E pode vir ainda a ter um papel de promoção da habitação pública. Como corolário, recusa disponibilizar os relatórios financeiros ao PÁGINA UM. Ontem, seguiu uma intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa para que a empresa pública entregue, pelo menos, as demonstrações financeiras que terão sido já enviadas aos Ministérios das Finanças e da Educação. A via judicial é já a derradeira opção para fazer germinar a transparência que cubra um Estado cada vez mais opaco.

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A lei obriga, sem excepção, que todas as empresas, quer privadas quer públicas, apresentem e aprovem as suas contas anuais até ao final de primeiro semestre, com as demonstrações financeiras. Mas há pelo menos uma empresa pública que se “esqueceu” em 2019. E voltou a “esquecer-se” do prazo em 2020. E em 2021. E também em 2022. Em 2023, Junho ainda não chegou, mas poderá seguir o mesmo caminho.

Essa empresa pública chama-se Parque Escolar e foi criada em 2007, durante o Governo Sócrates, com a missão de requalificar e modernizar os edifícios das escolas do ensino secundário, através de um contrato-programa que vigorará até 2037.

No site desta empresa pública – que, depois de polémicas sem fim durante o Governo Sócrates, surgiu recentemente na imprensa como a entidade que poderá vir a assumir funções de promoção de habitação pública –, o último relatório e contas refere-se ao ano de 2018. Mesmo assim, este relatório, bem como os dos anos de 2016 e 2017, apenas foram publicados em Março do ano passado, o que suscitou então questões da Iniciativa Liberal junto do Ministério das Finanças, que tutela a empresa pública. Segundo informações avançadas então pelo Jornal de Negócios, a dívida da empresa em 2021 seria de 981,7 milhões de euros.

Em Maio do ano passado, o ministro da Educação, João Costa, garantia ao Jornal de Negócios que os relatórios e contas em falta estariam disponíveis “brevemente”. O conceito de “brevemente” no dicionário do Ministério responsável pelo sistema de ensino português tem bastante flexibilidade temporal.

A gestão da Parque Escolar é, com efeito, bastante sui generis, até porque tem funcionado há mais de um ano apenas com dois vogais, e sem presidente do conselho fiscal. Após a saída do anterior presidente do Conselho de Administração, Filipe Alves da Silva, em 28 de Fevereiro do ano passado, o  Ministério da Educação não parece estar com muita pressa para indicar um nome à Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP).

Certo é que, mesmo sem contas aprovadas, ou divulgadas publicamente, a Parque Escolar tem tido injecções de capital por parte do Governo.

Em Dezembro passado, através de uma Resolução de Conselho de Ministros, o Governo atribuiu a esta empresa pública quase 92,7 milhões de euros “como contrapartida pela prestação dos serviços de interesse público (…) no âmbito do Programa de Modernização do Parque Escolar destinado ao Ensino Secundário relativo ao ano de 2022 e autorizar a realização da respetiva despesa.”

Perante esta situação, o PÁGINA UM pediu em 4 de Abril passado aos dois vogais da Parque Escolar que disponibilizassem “relatórios e contas integrais referentes a 2019, 2020, 2021 e 2022, tais como entregues aos Ministérios da Educação e das Finanças”, ou em alternativa, caso não existissem os documentos “com essa denominação específica”, as diversas demonstrações financeiras, os balanços, as demonstrações dos resultados por natureza, as demonstrações das alterações no capital próprio e as demonstrações de fluxos de caixa.

João Costa, ministro da Educação, prometeu em Maio do ano passado que as contas de 2019, 2020 e 2021 seriam mostradas “brevemente”. Um ano depois, e se assim continuar, para breve juntar-se-á o atraso das contas de 2022.

Além disso, também se solicitou, para cada ano, “cópia dos ofícios que acompanharam os ditos relatórios e contas (dos anos 2019 a 2022) ou as demonstrações financeiras (dos anos 2019 a 2022) aquando do seu envio, para aprovação, ao Ministério da Educação e ao Ministério das Finanças.”

Como a Parque Escolar nem sequer respondeu, ontem o PÁGINA UM apresentou uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. O processo já foi distribuído, tendo recebido o número 1480/23.1BESLSB. Nesta fase, a Parque Escolar será notificada e obrigada a justificar-se perante o juiz dos motivos da recusa destes documentos administrativos, podendo, se não os entregar voluntariamente, vir a ser obrigada por sentença, sob pena de os seus administradores serem multados.

Estes processos são considerados urgentes, embora em desfechos que lhes são desfavoráveis, a Administração Pública e os Ministérios estejam sempre a optar por recorrer das sentenças.


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