TIN serve para empresário Luís Delgado fazer "esquecer" calote astronómico ao Estado

Dona da revista Visão usa “empresa de fachada” para assinar contratos públicos

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por Pedro Almeida Vieira // Julho 28, 2023


Categoria: Imprensa

Temas: Economia, Media

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Luís Delgado, proprietário único da Trust in News, encontrou um expediente para contornar as regras de contratação pública que impedem pagamentos a empresas com dívidas ao Estado: criou uma empresa para assinar contratos e depois canalizar o dinheiro público para a esfera das suas revistas. A TIN foi criada em Setembro de 2020 e já fez 22 contratos públicos, até com o Governo, para pagar eventos e publicidade em diversos jornais e também para subsidiar o Jornal de Letras. Este é o quarto artigo de investigação do PÁGINA UM sobre a escandalosa situação financeira da empresa que detém, entre outras, as revistas Visão, Exame, Caras e Activa e ainda o Jornal de Letras, que inclui uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros.


Para contornar a situação de um “calote público” da Trust in News – a dona das revistas Visão, Exame, Caras, Activa e Jornal de Letras –, que em quatro ano já chegou aos 11,4 milhões de euros, o empresário Luís Delgado está a usar exclusivamente uma “empresa de fachada” para continuar a fazer contratos públicos.

O código de contratação pública exige que, mesmo em ajustes directos, seja apresentado sempre o comprovativo de situação regularizada relativamente a contribuições para a Segurança Social e a impostos devidos ao Estado no momento de pagamento de facturas.

Luís Delgado (à direita), único dono da Trust in News, conseguiu o prodígio de comprar revistas que ainda não pagou, usando dinheiro do Novo Banco, que ainda não reembolsou, e aumentar a dívida ao Estado em 11,4 milhões de euros. Tudo em pouco mais de cinco anos.

Ora, para que tal não sucedesse, Luís Delgado criou em meados de Setembro de 2020 – quando a dívida ao Estado estaria já acima dos 5 milhões de euros – a TIN Publicidade e Eventos, Lda., com um capital social de apenas 100 euros.

A Trust in News investiu 80 euros, ficando a outra quota de 20 euros em Ana Luzia Delgado, uma provável familiar de Luís Delgado, eventualmente filha, por indicar a mesma morada e ser solteira. O objecto social desta empresa, sediada no mesmo sítio onde está a gerência da Trust in News e as redacções das suas revistas, é a “promoção de eventos, produção e organização de espetáculos, publicidade e serviços de marketing, venda de conteúdos, venda e reserva de ingressos para espetáculos, organização de feiras, congressos e outros eventos similares”.

Apesar de todas as empresas de media possuírem departamentos comerciais e de marketing, foi a TIN, tendo como gerente único Luís Delgado, que passou em exclusivo a assinar contratos com entidades públicas, mesmo quando claramente tinha a ver com negócios das revistas da Trust in News. De acordo com o Portal Base, desde 2020 foram assinados pela TIN – e não pela Trust in News – 22 contratos envolvendo 14 entidades públicas, com um montante total de 756.364 euros. Aplicando-se a lei, a Trust in News não poderia aceder a estas verbas.

Montantes (em euros) dos contratos assinados entre entidades públicas e a TIN Publicidade e Eventos, Lda. desde Dezembro de 2020

No primeiro ano de existência, a TIN apenas assinou dois contratos, no valor de 81.099 euros, aumentando para 264.158 euros no ano seguinte. No ano passado, os seis contratos renderam 211.218 euros. No presente ano, em pouco mais de meio ano, a TIN já facturou praticamente 200 mil euros em seis contratos.

O mais surpreendente é que uma dessas entidades é a Secretaria-Geral da Educação e Ciência – ou seja, com o Governo – que, quase se diria religiosamente, para oficializar uma compra anual acima dos 44 mil euros de assinaturas em papel e digital do Jornal de Letras. Nos últimos três anos, apenas para assinar esse contrato, a TIN facturou 133.291 euros.

Mesmo assim, a Câmara Municipal de Oeiras – uma das autarquias nacionais que mais dinheiro distribuiu às empresas de media – lidera no montante dos contratos com a TIN, através de dois contratos para a organização do World Press Photo. Este evento, tradicionalmente organizado pela revista Visão, propriedade da Trust in News, já deu uma receita de 159.052 euros à TIN.

Registo das contas da TIN que mostra que não tem trabalhadores nem gastos com pessoal. Serve apenas para assinar contratos, receber dinheiros públicos e canalizá-los para a Trust in News, que tem uma colossal dívida pública.

A terceira entidade com maiores verbas envolvidas em contratos com a TIN é o Instituto Camões, envolvendo três contratos para encartes também no Jornal de Letras, no valor de 124.463 euros. Aliás, o Jornal de Letras é um dos jornais que sobrevive sobretudo à conta de apoios deste género por parte do Estado. E isso já sucedia mesmo quando integrava o portfolio da Impresa. Porém, também o Instituto Camões estaria legalmente impedido de fazer pagamentos se fosse a Trust in News a assinar o contrato.

Além destas entidades, destacam-se também nos apoios duas entidades tuteladas pelo Governo: a Águas de Portugal – que pagou já 60 mil euros pelo polémico patrocínio dos Prémios Verdes da revista Visão, que envolve conteúdos comerciais escritos por jornalistas, que já mereceram a intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) –, a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, entidade que responde directamente a António Costa, que pagou 17 mil euros pela “aquisição de serviços para elaboração, produção e distribuição de uma revista” na Visão durante o Verão de 2021, e ainda a Imprensa Nacional – Casa da Moeda, que pagou nos últimos anos à TIN mais de 39 mil euros por publicidade nas revistas da Trust in News.

De resto, nas outras entidades destacam-se sobretudo Câmaras Municipais, como a de Lisboa – que, com a EGEAC, assinou contratos de quase 69 mil euros –, de Sintra (11.050 euros), Aveiro (7.000 euros) e Torres Vedras (5.100 euros).

Existem claras evidências de a TIN ser uma “empresa de fachada” para sobretudo facilitar recebimentos em contratos públicos que exigem situação fiscal e de segurança social regularizada. Com efeito, como se observa nas contas de 2022 desta empresa, consultadas pelo PÁGINA UM, não existem trabalhadores registados nem activos não correntes. Coincidindo com a sede da Trust in News, a TIN serve, na verdade, apenas para meter o nome no contrato. Por outro lado, a totalidade das receitas – até um pouco mais, no último ano – são desviadas para a rubrica fornecimentos e serviços externos. Ou seja, tudo indica que, sendo recebido o dinheiro dos contratos, a Trust in News apresenta uma factura de serviços à TIN para receber as verbas públicas.

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Mafalda Anjos (à esquerda) e Natalina de Almeida (à direita) impedem o PÁGINA UM de usar fotografias de eventos públicos que divulgam nas redes sociais. O PÁGINA UM não conseguiu, apesar das tentativas, obter quaisquer comentários ou esclarecimentos de Luís Delgado.

Em suma, este esquema permite que a TIN, que facturou em serviços e subsídios 586.634 euros em 2022, disponibilize todos os rendimentos para a Trust em News, mantendo um endividamento extremamente baixo e uma dívida ao Estado irrelevante, e apenas transitória. E a Trust in News pode continuar, livremente, a endividar-se. E, aparentemente, já com “carta branca” de Fernando Medina, uma vez que, ao longo de toda esta semana, foi-lhe pedido um comentário a esta situação, com envio de documentação, mas nunca se obteve qualquer resposta formal.

Se assim continuar o silêncio, confirma-se que é possível uma empresa com um capital social de 10 mil euros continuar a funcionar sem problemas com uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros. E possível, sobretudo, se for uma empresa de media com determinado pedigree.


N.D. O PÁGINA UM tem realizado esta investigação utilizando as demonstrações financeiras da Trust in News desde a sua criação em 2017, tendo feito essa aquisição junto da Base de Dados das Contas Anuasi. Por uma questão de transparência e de serviço públicos, disponibilizamos aos leitores esses relatórios financeiros relativos anos anos de 2017, de 2018, de 2019, de 2020, de 2021 e de 2022. Disponibilizam-se também as contas da TIN Publicidade e Eventos, Lda. de 2022.

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