Em Águeda deve achar-se que o dinheiro brota do chão como as hortaliças: um projecto de remodelação de um simples mercado municipal anda desde 2016 com projectos de empreitadas e alterações contratuais sem que as obras de requalificação terminem. Depois de um contrato de 2021 ter sido alterado duas vezes, a autarquia social-democrata decidiu, depois de já ter gastado cerca de 4 milhões de euros, que se pode gastar outro tanto, tendo celebrado no mês passado um novo contrato, desta vez por ajuste directo à mesma empresa que se tem mostrado incapaz de concluir a obra. De contrato em contrato, a ‘coisa’ ultrapassará os 8 milhões de euros. E não se sabe quando haverá ‘obra feita’, porque o histórico mostra que nada está garantido, excepto haver dinheiros públicos e falta de intervenção do Tribunal de Contas.
Oito anos já passaram em Águeda, e nos quatro cantos do Mundo, e da almejada requalificação do Mercado local só se vê uma coisa: aumento interminável de custos.
Em 2016, a autarquia então liderada pelo socialista Gil Nadais decidiu lançar um concurso público para elaboração do projecto de requalificação do Mercado municipal que andaria, supostamente, a aguardar melhorias há três décadas. Aparentemente, a prestação de serviços pela elaboração do projecto saiu baratinha: o preço-base era de 55 mil euros, mas a Ciratecna, um gabinete de estudos de Vila Franca de Xira, contentou-se com menos de metade (24.980 euros) e ganhou o contrato. Nasceu barato o que viria a tornar-se caro; muito caro e sem fim.
Somente em pleno primeiro ano da pandemia, em Outubro de 2020, já com o actual presidente da autarquia Jorge Almeida em funções – então por um movimento independente, mas que viria a ‘passar-se’ para o PSD na reeleição em 2021 –, o concurso público para a empreitada avançaria com um preço-base a rondar os 4,6 milhões de euros. E quem ganhou, com uma proposta de apenas cerca de 1.200 euros abaixo desse preço-base, foi a Socértima, uma empresa de construção civil de Anadia, um concelho vizinho, ‘afastando’ as propostas de mais quatro concorrentes (DGPW, Rial Engenharia, Embeiral e Joaquim Fernandes Marques & Filho).
Concretizada a adjudicação em Março de 2021, o prazo de execução ficou definido em 420 dias, o que significa que a obras deveriam estar concluídas em Maio do ano seguinte. Mas surgiram problemas: Maio chegou e não havia ainda requalificação concluída. Dois meses depois, a presidência desta autarquia do distrito de Aveiro decidiu então reformular o projecto, contratando, após consulta prévia, mais uma consultora, a R5e. Gastaram-se mais dois meses, e em Agosto o município procedeu a uma alteração contraual com a Socértima, aumentando o preço para praticamente mais 1,9 milhões de euros. Ou seja, passou de 4,59 milhões para cerca de 6,49 milhões, por força de trabalhos a mais e a menos.
Quem julgasse que finalmente a remodelação avançaria, desenganou-se. Ao longos dos meses seguintes, o executivo de Jorge Almeida foi apresentando em reunião de câmara sucessivas pequenas e grandes alterações, fruto de pequenos e grandes erros e omissões.
Chegou o ano de 2024, e Mercado renovado nem vê-lo. E eis que em Abril passado surgiu uma nova alteração contratual, com o terceiro contrato adicional com uma ‘estranha’ contabilidade: pagamento de trabalhos a mais de10.141,82 euros, mais uma parcela de trabalhos complementares de 291.382,93 euros, e depois um acordo de trabalhos a menos de 2.775.545,52 euros. Quase antes mesmo de se conseguir perceber em quanto afinal ficaria a obra, a autarquia de Águeda anularia o ‘remendado’ contrato originário de 2021, e lançaria um novo concurso para nova empreitada, mesmo depois de se ter gastado cerca de 4 milhões de euros.
As peripécias não terminaram. O novo concurso, que acabou por ser lançado em Julho passado com um preço-base de cerca de 4,7 milhões de euros e uma dilação do prazo de execução de mais 300 dias, teve resultados muito ‘sui generis’: houve oito empresas que se candidaram, mas seis apresentaram valores ridiculamente baixos – sendo que uma (Canas Engenharia e Construção indicou zero euros e outra, a Empribuild, apenas um euro) –, outra ainda apresentou um valor bem acima do preço-base (Embeiral, com 5,7 milhões de euros) e, por fim, a Socértima, que vinha desenvolvendo a obra, aos soluços desde 2021, apresentou uma proposta de 4,3 milhões de euros. Contudo, esta enviou a sua proposta um minuto depois do prazo. Por esse motivo, o júri do concurso excluiu todos.
E que sucedeu então?
A autarquia de Águeda sentiu-se na liberdade de seguir para um ajuste directo, convidando a Socértima para a celebração de novo contrato, que viria a ser assinado no passado dia 16 de Setembro, por 4,3 milhões de euros e um prazo de mais 300 dias. Ou seja, se tudo correr bem – o que contrariará as expectativas de uma obra que sempre esteve a correr mal –, a ‘inauguração’ será em Julho de 2025 com um preço final a rondar os 8,5 milhões de euros. Se não houver mais ajustes, claro.
O PÁGINA UM procurou esclarecimentos de Jorge Almeida, presidente social-democrata da autarquia de Águeda, mas nunca obteve reacção. Já Luís Pinho, vereador do Partido Socialista, na oposição e sem pelouro, diz que tem assumido “um papel muito cauteloso e crítico relativamente ao Mercado e ao projeto em curso”, confirmando que “a obra derrapou em valor e nos prazos, alegadamente por problemas relacionados com o projeto e as peças técnicas que o sustentavam”.
Este vereador acrescenta que, “contudo, nunca nos foi demonstrado que tinha de ser desta forma e acima de tudo nunca foi atribuída qualquer responsabilização a quem deveria assumir os erros, se os houve”, lamentando, por isso: “nunca houve contraditório face ao que o construtor alegou e que a câmara anuiu”. “Aquilo que era um projeto caríssimo passou para o dobro com grave prejuízo do orçamento camarário”.
Neste momento, sem Mercado reabilitado, os feirantes têm aproveitado instalações provisórias desde Agosto de 2022, sendo que, de acordo com Luís Pinho, os comerciantes que se encontravam no interior do espaço antigo estão agora em contentores, com algumas queixas sobretudo na estação do calor. O vereador socialista acrescenta também que “a zona de feira (feirantes de rua) acaba por ser um espaço em torno da obra que causa alguma perturbação na distribuição dos feirantes e na circulação, mas é o espaço existente”, reforçando que, “decididamente, quem está em piores condições são os pequenos produtores agrícolas, instalados numa pequena tenda sem as mínimas condições”. E, já agora, também os contribuintes, que vão pagar o dobro do que estava inicialmente previsto. Pelo menos.
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