O mundo vivo está sob ameaça grave. Este texto dedica-se a escrutiná-la. Identificamos as principais ameaças que lhe são dirigidas, a nível macroestrutural, em questões de biopolítica global, tanto quanto em aspetos micro estruturais da distinção entre vida orgânica natural e vida ou inteligência artificiais. A distopia generalizada que estamos a viver ocupa-nos num primeiro momento deste texto. Completa-o, num segundo momento, a abordagem de questões científicas que especificam e ilustram essa circunstância civilizacional, com referência a diversos fatores gravosos de intoxicação ambiental.
[Esta segunda parte será publicada na próxima edição]
Passaram cinquenta anos sobre a revolução do 25 de Abril e quase um século sobre a instauração do regime fascista em Portugal, que desvitalizou e empobreceu física, cultural e animicamente o seu povo, durante meio século. Hoje os modelos totalitários não têm fronteiras: são globais e globalizados e tanto mais ameaçadores quanto mais dissimulados em formas ocas de democracia. Os países estão a perder a soberania em praticamente tudo, e os indivíduos, a liberdade. Vejamos como e porquê.
I
A MATRIZ DISTÓPICA
A natureza do crime
O contexto ideológico que conduziu o mundo à Segunda Grande Guerra revelou-se tão profundamente hediondo que nenhum discurso a seu favor voltou a parecer declaradamente possível a não ser em grupos de extrema-direita emergentes na última década, apesar de tudo minoritários à escala planetária.
A partir dos anos de 1950 foi necessário deslocar as palavras, os conceitos e as ideias dessa matriz para zonas subterrâneas e escondidas onde continuassem o seu labor constante e de onde ressurgissem sob a máscara de novas palavras, métodos, propaganda e renovada abrangência. Muitos médicos e cientistas alemães do regime emigraram após a guerra e a sua experimentação radicalmente perversa sobre humanos, a par da sua imaginação eugenista delirante prolongaram raízes noutros países[1].
A natureza do crime contra a humanidade que a matriz consubstancia, aquilo que veio a ser designado por “mal radical”, era e é duma espessura, duma densidade e duma latência tão ancoradas e esmagadoras que a imaginação da distopia claudica perante ela, no comum dos mortais – não há energia vital para ela, não há oxigénio, não há reservas de lucidez. O conceito precisou de uma economia, duma política, duma medicina e duma filosofia que lhe dessem expressão à escala global. Paciente e paulatinamente reuniu armas e esforços nos seguidores de Milton Friedman, no lobby farmacêutico, agroquímico e alimentar, na indústria e na pesquisa científica da guerra, nas sociedades secretas e nos clubes de países ricos, tanto quanto nos modelos totalitaristas[2], nos media, na ciência com resultados encomendados e em Sillicon Valley.
As décadas de 1960 a 1990 foram tendencialmente hedonistas nas sociedades ocidentais ditas “civilizadas” e apesar das muitas revoluções e descolonizações e da alegria efémera da aparente liberdade, os seres humanos foram progressivamente orientados no sentido do consumo, do deslumbramento, do progresso tecnológico e da atomização crescente do conhecimento. Inebriado com a sua performance intelectual e artística, com o conforto e com a comunicação globalizada, o ocidental foi perdendo, sem dar por isso, o sentimento mais profundo de si, da sua razão de ser e de estar vivo. Perdeu raízes na terra (outra matriz) e no céu (outra semente). Insistiu no patriarcado, apesar das vozes femininas que se levantaram.
No caminho em que se foram apagando muitas das suas estrelas, foi encontrando lampadários de néon e tungsténio que o confundiram e aceitou, sem resistência e com preguiça, todas as inevitabilidades artificiais propostas ao seu território anímico desertificado.
Colapso iminente?
No início dos anos de 2000, o coletivo de vários países estava disposto a acolher os grandes empreendimentos sustentados desde os anos de 1950 pelo paradigma distópico, só aparentemente adormecido, que estamos a referir: a aceleração da desigualdade (1% da população mais rica que os outros 99%, aquela que está destinada a fundir-se com as máquinas, desprezando a “fraqueza” duma maioria a subalternizar ou eliminar), a corrida a todas as formas de armamento convencionais e não convencionais (químicas, biológicas, psicotrónicas, eletromagnéticas, nucleares, agroquímicas, aditivas, genéticas), a criação artificial de problemas para imposição de soluções sociais pretendidas (a estratégia do choque[3] várias vezes utilizada em países ditos menos desenvolvidos), a criação especulativa de valor monetário sem qualquer correspondência com riqueza real (o sistema bancário, as Bolsas, a moeda digital), a fragilização das classes médias, a livre expressão de hierarquias religiosas no exercício da manipulação, do poder, da guerrilha e da falsa espiritualidade e a concomitante perseguição de todas as minorias e formas alternativas da sua procura, a imposição biopolítica de modelos médicos exclusivamente baseados na indústria química de moléculas artificiais que escamoteiam causas profundas das doenças, eliminando sintomas sem procurar causas profundas e, sobretudo, criando efeitos colaterais na necessária manutenção da doença, o segundo maior negócio do mundo.
A toxicidade dos modelos ambientais, alimentares, terapêuticos[4], bélicos e acima de tudo discursivos (hegemonia mediática, egrégoras do medo e da insegurança, financiamento ideologicamente direcionado da investigação e divulgação científicas e estatísticas) encontrou dois fortes aliados nos modelos falsamente democráticos e na sujeição tecnológica que fomos aprendendo a ver como um privilégio. Por um lado, participamos em eleições livres e temos a ilusão da autodeterminação. Por outro lado, tudo se organiza para que a nossa pegada digital nos inscreva cada vez mais nos centros de controlo que há muito preparam a nossa entrega voluntária e incondicional à hipervigilância[5].
A revolução que trouxe a democracia a Portugal em 1974 expõe-se agora a uma reversibilidade histórica trágica, a da perda da liberdade.
Nos últimos anos, os colapsonautas têm escrito acerca do colapso iminente do nosso modelo civilizacional[6]: porque o planeta atingiu o seu limite, porque a falsidade e os verdadeiros interesses nunca foram tão descaradamente exibidos, porque o caos nunca foi tão gritante a todos os níveis.
Os níveis de consciência da grande maioria são terrivelmente baixos. Assim foram mantidos, é certo, com particular eficácia, nas últimas décadas. Mesmo assim, os lançadores de alerta proliferam assim como os esforços de corajosas minorias na tessitura de outros modelos e na denúncia daquilo que nos destrói.
Silicolonização do Mundo
Transhumanismo é o nome assumido pela matriz distópica que temos vindo a apontar, no tempo presente, uma vez que persegue, no âmago do seu propósito, um ideal eugenista de eliminação dos mais fracos e manipulação genética dos restantes, para “melhoria da espécie”, procurando uma condição pós-humana[7]. A “silicolonização” do Mundo está a ser realizada há muito[8], dando agora passos de gigante em direção à meta final pretendida: as cidades inteligentes, a internet das coisas, dos corpos e das mentes, o domínio das tecnologias NBIC[9], a fusão do Homem com a máquina na construção do Homem 2, do cyborg, do transhumano, que supostamente vence a morte celular e desprograma doenças, se desliga do género e da sexualidade, esfria a sua recetividade emocional e se sujeita à obediência inescapável, já sem alma, sem liberdade, sem responsabilidade e tendo entregado de bandeja toda a sua energia vital e criativa.
É este projeto que precisa da elevada performance das redes de telecomunicações, da nanotecnologia, das pandemias experimentais e da justificação do controlo. Que precisa da fragilização imunitária, desaconselhando os suplementos vitamínicos e desacreditando as terapias naturais; que espalha alumínio e outros metais pesados na atmosfera (geo-engenharia), na água canalizada e nas vacinas; que precisa de patentear sementes (OGM e transgénicos) e de destruir a agricultura tradicional e local; de envenenar alimentos com perturbadores endócrinos (caso do célebre glifosato); de extrair lítio para fabricar carros elétricos cujas baterias serão tão poluentes em fim de linha como lixo nuclear; que realiza o fracking em gigantescos crimes ambientais; que a pretexto da energia “limpa” promove o recurso à biomassa, conduzindo à destruição de gigantescas florestas[10]; que utiliza populações de regiões ou países inteiros como cobaias de experimentos médicos e tecnológicos[11]. “O Antropoceno é também o Tanatoceno”, escreve Edgar Morin[12].
Frédéric Groz[13] propõe-nos pensar até que ponto desobedecer pode ser uma vitória contra a inércia do mundo e a sua profunda injustiça. A educação prepara à resignação política, mas desobedecer pode ser uma declaração de humanidade. Antígona escolhe desobedecer em nome duma obediência superior. Em Nuremberga, pela primeira vez, alguns homens foram punidos por ter obedecido. Que mérito existe em obedecer a leis monstruosas? O obediente por excelência é o escravo. Como tão bem explica La Boétie[14], a servidão torna-se uma segunda natureza do homem, com a força do hábito e do conformismo.
Num mundo tecno-burocrático, cada um concentra-se na sua parcela de atividade e especialização e a monstruosidade do conjunto deixa de ser visível. A origem duma lei ou diretiva (a tradição, o governo eleito, o senso comum, as determinações da OMS, os vizinhos, a família, a televisão…) justifica toda e qualquer barbárie? Hannah Arendt explica que a banalidade do mal é essa capacidade de se tornar a si mesmo um corpo desligado da alma, empenhado em não saber[15]. Preferimos a segurança à justiça e o consentimento sela a obediência, num contexto em que a justiça dos homens tem sido quase sempre a mesma farsa: o interesse do mais forte disfarçado de bem comum.
Na sua conferência publicada Pourquoi Obéir?, Didi-Huberman afirma: “Quando me interroguei sobre as emoções fascistas, interroguei-me sobre a sua origem e percebi que a obediência estava no cerne da questão”[16].
Objecção de consciência
When injustice becomes law, resistance becomes duty[17]
Thomas Jefferson
Ousar saber reclama audácia; querer fazer bem significa pensar no futuro da espécie; a resistência e a desobediência civil podem manifestar uma democracia transcendental e o sentido nobre da política. A desobediência pode ser um dever de integridade espiritual, porque há um EU indenegável. “Se eu não for Eu quem o será por mim?” pergunta David Thoreau[18].
Vivemos o tempo estreito em que podemos e devemos desobedecer em espírito (expressão de ideias, manifesta tomada de consciência) antes que seja necessário desobedecer em ato. A estratégia do choque, o molde infalível do medo, a manipulação fácil da informação e do seu efeito nocebo (inverso de placebo), as brechas da desorientação política, o trabalho voluntário e já antigo de fragilização da imunidade das pessoas, reforçado, durante a pandemia que atravessámos, com a subtracção ao sol, à natureza e ao efeito curativo dos laços afetivos e da alegria, têm trabalhado incansavelmente de mãos dadas com o vírus mais famoso dos três últimos anos, também ele, ao que tudo indica, fabricado[19]. Chegam agora ao palco de muitos países, os arautos da “necessária” revisão constitucional, favorável à perseguição individual, ao internamento compulsivo[20], à destruição do direito à privacidade e à sujeição totalitária, propostas como “protetoras”. A OMS, uma organização não eleita e financiada por interesses privados, sobrepõe-se à soberania de cada país, nas decisões sobre saúde pública[21]. Não aprendemos nada com a História, pelos vistos tão inútil, e esquecemos as frases preferidas de qualquer ditador: ” eu é que sei o que é melhor para ti” e “o interesse coletivo está acima do interesse individual”.
É nesta faixa estreita de tempo em que agora vivemos, entre uma sensação porventura provisória de desconfinamento e a ameaça de novas recidivas pandémicas, que temos de realizar grandes tomadas de consciência. A denúncia e a objecção de consciência serão passos importantes para a dissolução da distopia que se estendeu no planeta sob a face progressista do transhumanismo e dos seus múltiplos consortes: o jornalismo enfeudado, os governos e parlamentos obedientes a grandes agendas, as multinacionais da perversidade eco e homicida, os bancos centrais e os psicopatas, tanto quanto os ingénuos, que protagonizam a aplicação do programa.
As forças que verdadeiramente governam o mundo financiam e promovem publicamente a visão inflexivelmente materialista da realidade, da ciência e da medicina (aquela que desliga as massas da memória e da evidência de outra realidade, que não é material), mas recorrem da forma mais invertida e criminosa aos adquiridos das ciências ocultas, dos saberes tradicionais, da ufologia, da parapsicologia e da realidade quântica para o fabrico de armas invisíveis, da sujeição coletiva e do envenenamento dos seres vivos. Huxley e Orwell sabiam o que estava a ser preparado quando escreveram “ficção”.
A revolução necessária é esta e é individual: querer, ousar, saber, informar, educar, intervir. Faça você mesmo. Por si e pelos outros, por todos os que estão a chegar e merecem outra vida, outro planeta e outra humanidade. A isto também se chama, vulgarmente, amar.
Leonor Nazaré é curadora de arte contemporânea.
NOTA: Este texto tem continuidade numa segunda parte a publicar na próxima edição.
[1] Annie Jacobson ; Operation Paperclip. The Secret Intelligence Program that brought nazi scientists to America, Ed. Litle, Brown Book Group, 2015; (PDF) “The American Breed”: Nazi eugenics and the origins of the Pioneer Fund (researchgate.net), 2002; The Eugenics Crusade at 1080p (rumble.com), 2017
[2] Cf. Arianne Bhileran, Psycho-pathologie du totalitarisme, Guy Trédaniel, 2023.
[3] Cf. conferência de Naomi Klein em 2009 sobre esta estratégia, frequentemente utilizada ao longo do século XX.
[4] Ver nota 36
[5] Mathieu Terence, Le Transhumanisme est un Intégrisme, Paris, Les Editions du Cerf, 2016 ; Allain Gallerand, Qu’est-ce que le transhumanisme, Paris : Editions Vrin, 2021.
Para um ponto de vista otimista fundamentado ver o trabalho do cientista Philippe Guillemant, em particular Le Grand Virage de l’Humanité. De la déroute du tanshumanisme à l’éveil de la Conscience, Paris: Ed. Guy Trénadiel, 2021.
[6] Ver a título de exemplo, Yves Cocher, Devant l’Effondrement, Essai de Collapsologie, Paris: Éditions Les liens qui libèrent, 2019 ou Pablo Servigne, Paris: Une Autre fin du monde est possible, Éditions du Seuil, 2018.
[7] Cf. Daniel Robin, Le Règne de l’intelligence artificielle. La fin de l’Anthropocène et l’avènement des posthumains, Grenoble : Le Mercure Dauphinois, 2022. Mathieu Terence opus cit. ; Allain Gallerand, opus cit., 2021.
[8] Éric Sadin, La Silicolonisation du monde. L’irrésistible expansion du libéralisme numérique. Paris: Éditions L’Échapée, 2016.
[9] Nano e biotecnologias, informática e ciências cognitivas.
[10] Cf. o documentário de Michael Moore, Planet of the Humans, 2020.
[11] James Corbet, The Corbet Report, 2020.
[12] « L’Anthropocène est aussi le Thanatocène » : Edgard Morin, em Réveillons-nous ! Paris : Éditions Denöel, 2022, p. 39
[13] Fréderic Gros, Désobéir, Paris, Albin Michel, 2017
[14] Étienne de La Boétie, Discours de la servitude volontaire, 1574-1576.
[15] No livro Eichmann em Jerusalém, 1960. Ver também o seu livro Desobediência Civil, 1972.
[16] « Au moment où je me suis posé la question des émotions fascistes je me suis demandé d’où elles venaient, et j’ai compris que l’obéissance était au cœur de tout ça », em Georges Didi-Huberman, Pour quoi obéir?, Paris : Ed. Bayard, 2022.
[17] Atribuído a Thomas Jefferson, Papers of Thomas Jefferson, digital edition.
[18] Inspirado em Fréderic Gros quando cita Thoreau, opus cit., ps. 111, 127, 143, 155, 160 e 173.
[19] Ver, por exemplo, Patrick Jaulent, Jacky Cassou, Faux Virus. Fausse Pandemie. Vrais Coupables, Paris : Ed. Patrick Jaulent, 2021. Ver também o documentário Planet Lockdown, de James Patrick, 2022.
[20] No contexto das propostas de revisão constitucional apresentadas em Portugal, está a ser ponderada a criação de uma alínea suplementar ao nº 3 do artigo 27 da Constituição, relativo ao direito à liberdade e à segurança, na qual se preveja o internamento compulsivo de pessoas consideradas em situação de infecção contagiosa. Recorde-se que a atual legislação, refletindo o Estatuto de Roma ratificado por Portugal em 1998, prevê pena de prisão para a imposição de um ato médico não consentido.
[21] A proposta de um Tratado Pandémico que retira esta soberania aos países vai ser votada em maio deste ano.
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