Título
Estrada para Los Angeles
Autor
JOHN FANTE (tradução: Vasco Gato)
Editora (Edição)
Alfaguara (Março de 2022)
Cotação
16/20
Recensão
Estrada para Los Angeles foi escrito em 1933, e é o primeiro de quatro volumes hoje conhecidos como The Bandini Quartet. Os outros são: A Primavera há-de chegar, Pergunta ao Pó, do qual já fizemos recensão, e Os sonhos de Bunker Hill.
Arturo Bandini tem, neste romance, 18 anos, perdeu o pai e, vivendo com a mãe e a irmã adolescente, Mona, não tem outro remédio senão começar a trabalhar em empregos duros e mal pagos, que ele vai abandonando por vontade própria, ou porque o despedem, uma vez que o seu sonho é ser escritor.
Entretanto, vai lendo livros da Biblioteca, de autores que não compreende – como Nietzsche e Schopenhauer –, mas que cita a torto e a direito para grande espanto, quer da família, quer dos colegas de trabalho, na sua maioria latinos e asiáticos, que mal sabem falar inglês. Em casa tem uma relação conflituosa com as mulheres da família que não o entendem:
“ – Onde está a Mona? - perguntei.
A minha mãe disse-me que ela estava na Igreja e eu disse: – A minha própria irmã reduzida à superstição da prece! Sangue do meu sangue. Uma freira, uma adoradora de Deus! Que barbaridade!
– Não te ponhas outra vez com essa conversa – disse ela. – Tu não passas de um miúdo que lê demasiados livros.
– Isso é o que tu pensas – disse eu. – É muito evidente que tens uma obsessão.
A cara dela empalideceu
– Uma quê?
– Esquece – disse eu. – Não vale a pena falar com brancos, saloios, broncos e imbecis. O homem inteligente emprega certas reservas na escolha dos seus ouvintes.”
E refugia-se no quarto, onde tem uma coleção de revistas pornográficas “Artistas e Modelos”, com fotos de mulheres nuas a quem trata pelo nome e com quem tem grandes conversas: “Passei uma hora a falar com elas, subi às montanhas com a Elaine e fui aos mares do Sul com a Rosa e, por fim, reunido com todas elas espalhadas à minha volta, disse-lhes que não tinha favoritas e que cada uma delas teria a sua oportunidade à vez.”
E, logo de seguida desilusões: “Porém, daí por um bocado, fiquei extremamente cansado, sentindo-me cada vez mais idiota, até que comecei a odiar a noção de que elas não passavam de fotografias, planas, só com um lado e tão semelhantes na cor e no cheiro. E todas elas cheiravam a puta. (…) Mas que belo super-homem me saíste! E se o Nietzsche te pudesse ver agora? E o Schopenhauer? O que pensaria ele? E o Spengler? Ah! Como o Spengler havia de berrar contigo!”
É, em suma, um revoltado, auto-proclamado génio literário, ateu, diz-se simpatizante do comunismo russo, tortura caranguejos na praia com uma arma de pressão de ar, e moscas na casa de banho, arrancando-lhes as asas.
Tem um discurso que, por vezes, raia a loucura ou, pelo menos uma perturbação bipolar e, como escreve na primeira pessoa, temos acesso a essa loucura dentro da cabeça da personagem, enquanto desenvolve discursos megalómanos ou revoltas existenciais. E humor. Muito humor.
No final do livro, Bandini foge de casa e vai procurar a glória em outras paragens. Deixa-nos os títulos dos livros que sabe que irá escrever, e que lhe vão dar a glória. Faz-nos acreditar nisso. Fante, o autor, deu-lhe razão.