a deriva dos continentes

As hienas, de novo

por Clara Pinto Correia // Novembro 25, 2022


Categoria: Opinião

minuto/s restantes

As hienas não merecem respeito algum e falam inglês com sotaques

que soam vagamente a nativos do Médio Oriente.”

Binyavanga Wainaina

Conselhos ao Jovem Escritor Africano


Não deixa de ser intrigante, isto das mentiras de uns longevos dirigentes socialistas um tanto ou quanto metidos a hienas. Com todo o devido respeito, note-se. Mas quer dizer, pois se formam grandes bandos, se organizam as suas manobras a coberto do escuro[1], se a gente as ouve rir sem conseguir vê-las, se se alimentam do trabalho que os outros fizeram[2], se nos enganam tão bem que nem sequer conseguimos distinguir os machos das fêmeas[3]

…isto é assim: o que parece uma hiena costuma ser uma hiena.

Mas até as hienas assumem logo ali que metem nojo e passam à frente[4]: só mentem na imitação de escroto que caracteriza estas fêmeas e mais nenhumas, que é para deixarem bem claro que naqueles bandos são elas quem manda[5], e mais: são sempre elas as últimas a rir[6]...


… É verdade que, na nossa cultura, começámos por memorizar imensos preceitos, mínimos e sensatos, que nos permitissem conviver sem nos comermos vivos logo todos uns aos outros. É por isso que decorámos na escola[7] regras básicas tais como não matarás, ou não cobiçarás a mulher do próximo [8], e tal. Mas por favor, reparem neste detalhe: é certamente um bocado assustador não constar, nem ao menos nos Dez Mandamentos, nada que nos diga, com toda a clareza, não mentirás[9].

Eu, pelo menos, acho mesmo que é um bocado assustador.

Ou então podemos considerar que existiam nesse tempo certas atenuantes.

Se calhar, como na altura em que Moisés viu a sarça ardente existiam muito menos pessoas, com muitíssimo mais espaço para se manterem afastadas umas das outras, mentir não estava sequer na ordem do dia. Aliás, bem vistas as coisas, de que é que serve mentir, quando os herdeiros das supramencionadas regras básicas de convívio ameno passam quarenta anos às voltas no deserto,[10] e entretanto Deus os conforta com imensos milagres[11]?

Ou então, também pode ser que as pessoas ainda nem sequer estivessem conscientes das potencialidades aliciantes deste privilégio humano, certamente engendrado pelo fruto da Árvore da Sabedoria, uma vez que mais nenhum outro animal sabe mentir.

Enfim.

Aceitemos que ninguém sabe como foi que isto aconteceu – mas a verdade é que isto aconteceu mesmo. E, onde ainda em pleno século XX tínhamos excepções horrorosas de quem era fácil não gostar, como por exempplo o Estaline ou o Pol Pot, agora a excepção passou a ser a regra, e sabe esconder-se muito melhor.

A meio do século passado, o grande Churchil bem pode ter dito que a democracia é o pior sistema político que existe, à excepção de todos os outros. Este aforisma genial ainda nem fez cem anos, e já ninguém se lembra dele. Com a passagem dos milénios, uma classe profissional inteira especializou-se magistralmente na perfeição de mentir sem qualquer sinal visível de vergonha, e conseguiu chegar ao ponto de ganhar todas as eleições democráticas do mundo.

E aqui está o resultado que ninguém  viu chegar a tempo de lhe pôr os travões a fundo.

Entramos no século XXI e já ninguém sabe quem era esse gajo, esse Churchill: em vez dele, temos antes o Trump, o Putin, o Kim Jong-un, o Xi Jinping, a COVID-19 a tornar tudo ainda mais suspeito – para não falar de uma data de sobas africanos tão ricos que até dói, ou de um enxame de chefes tribais do Médio Oriente de cujas mãos escorre o petróleo que move o mundo. E mais todo o ruído de fundo que nos rosna às canelas de dentro da grande destilaria de veneno vinda da internet. Todos eles nos mentem. A gente ouve-os, e sabe que eles estão a mentir. Mas em 2022 a verdade é esta, e é horrível: agora, já não podemos fazer nada.

Aqui podemos ver a Prof.ª Doutora Clara Pinto Correia considerando cada vez mais seriamente a sua nova carreira política. Como também podemos ver, a Prof.ª tem vindo a fazer progressos. Progressos pequenos, sem dúvida, mas significativos, nevertheless. Primeiramente, já aprendeu a parecer uma senhora que frequenta assiduamente os croquettes do Ministério da Cultura. E seguidamente, mais importante que tudo, até já consegue sorrir de forma perfeitamente credível. No entanto, o que realmente ainda não conseguiu decidir foi que bancada é que vai escolher para continuar a citar o Jorge Palma: o seu coach impede-a de chegar a essa fase, porque continua a considerá-la uma das piores mentirosas que alguma vez lhe passaram pelas mãos. “E ó Professora, a senhora por favor enxergue-se enquanto ainda vai a tempo. Ou acha mesmo que sobrevive no shark-tank se vai aparecer assim nas festas do seu partido?” – “Aaaah… assim como, mister?” – “Ó senhora, pela sua rica saúde… assim sempre sem sutiã, com a gaita! Ou o que é que acha? Acha mesmo que alguém se vai dar sequer ao trabalho de ouvir as intervenções de uma gaja de 62 anos que nunca usa sutiã?” – “Mas, mister…” – “Mas my ass! Não lhe bastou aquilo do orgasmo?”

O que nos traz de volta ao Primeiro Ministro a falar ao País pela televisão, sorrindo, fitando de frente a câmara, e garantindo a todos nós que em Outubro 99% dos reformados ia receber mais 50% da sua pensão.

Ficámos na parte em que eu, espertíssima, vi logo que o grande ilusionista estava outra vez a mentir: se já não eram todos os reformados mas apenas 99% , então de certeza que entretanto iam fazer-se para ali uns truques e os laissés pour compte[12] acabavam aí nos 50 ou 60%.

O que vale é que, de facto, já quase ninguém acredita nos políticos. Pelo menos, nenhuma pessoa com quem eu tenha falado aqui em Estremoz, e toda a gente com quem estive ao telefone para todos os quadrantes do País. Isto é horrível em si mesmo, mas é o que tem que ser: a única arma de defesa que ainda resta e é de graça: a gente não quer voltar a aleijar-se, e portanto a gente nem os ouve. Esqueçam os vossos mitos urbanos: os alentejanos são super-rápidos e ultra-espertos. Ó Clarinha, e logo a Clarinha que é tão inteligente. Então está-me a dizer a mim que ele disse isso? Pois com certeza, quando é só para dizer eles dizem todos muita coisa.

E depois eles ficam-se a rir, porque eles são como as hienas.

Não há nada que o povo de Estremoz não saiba há já muitos séculos[13].

Daí a quinze dias, misteriosamente, metade das pessoas que percebem profissionalmente de dinheiro, como por exemplo os contabilistas, ainda repetiam 50%. Mas, entretanto, já corria outro rumor, vindo sabe-se lá de onde, segundo o qual todos nós, fosse qual fosse a nossa pensão, íamos receber por igual 125 euros. Já ninguém percebia, mesmo, onde estava a verdade. E, sobretudo, nenhum de nós conseguia descobrir quando é que essa verdade entraria nas nossas contas.

E assim se passou todo o mês de Outubro, sem que nunca, mesmo nunca, a contar até dia 31, tivesse entrado fosse que ajuda do governo fosse nas finanças magras dos habitantes daqui do fundo da vaza[14].

E a parte mais espantosa? Pelo menos para mim, que ainda gostava de saber o que é que hei de fazer pela Lua[15]? É que as nossas hienas nem se deram ao trabalho de fazer para ali uns malabarismos que justificassem o incumprimento da promessa. Nada, não disseram nada. Limitaram-se a deixar chegar o dia 1 de Novembro. E pronto. Daqui a mais dois ou três dias já é Natal.

Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


[1] Palavra que consabidamente pode ter um número impressionante de segundas intenções – e nunca são boas.

[2] Mas vocês julgam o quê, que caçar herbíboros é um hobby? Perguntem ao chita, aquele felino lindíssimo que é o animal mais rápido do mundo, capaz de atingir 114 km/h no sprint final atrás da gazela. Assim que a apanha, a primeira coisa que faz é fugir com a presa nos dentes para um lugar seguro. Sabe perfeitamente que, se ficar ali uns minutinhos a mais que seja, vem logo de lá um bando enorme de hienas ridibundas, que…

[3] Força de expressão. Qualquer biólogo os distingue. O macho, coitadinho, é mais raro, é mais pequeno, tem o pêlo mais ralo, e o seu escroto é menos visível. O escroto das fêmeas é só um disfarce, mas vê-se muito bem.

[4] Claro, chatas e barulhentas, todas a falarem inglês com os seus sotaques do Médio Oriente como se quisessem obrigar-nos a ver a Al-Jazheera o dia inteiro, mas pronto: o que interessa é que não escondem que são hienas.

[5] Eu sei, dá uma péssima imagem do meu próprio género. Mas isto é biologia, não é política.

[6] Por acaso também há aquela canção do Jorge Palma que… ná, esqueçam. Coitado do Jorge. Cantava aquilo como se estivesse realmente apaixonado pelo seu tal de Anjo Mau.

[7] Eu estava num colégio de freiras, mas isto era assim em toda a Metrópole e em todas as Colónias: os Dez Mandamentos decoravam-se nas aulas de Moral e Religião Católica da primeira classe. E, nesse tempo, não havia cá modernices tipo cadeiras opcionais. QUANTAS VEZES É QUE EU TENHO QUE REPETIR QUE ISTO É UMA DITADURA EM GUERRA CONTRA OS COMUNISTAS DAS COLÓNIAS, SEUS PALERMAS?

[8] OK, OK, OK, eu também adoro citações por extenso, sei perfeitamente que, da mesma forma, não podemos cobiçar-lhe nem a casa, nem os servos, nem, sobretudo, e claro que esta é a minha preferida, nem o seu boi ou o seu jumento. O que, quando se é uma menina malcriada, dá logo vontade de perguntar às freiras se ao menos a gente pode cobiçar-lhe o cavalo. Depois entra-se na adolescência e perde-se a graça. Só nos ocorre aquele previsível “ó Irmã, mas então eu posso cobiçar os maridos das minhas próximas, certo?”

[9] Peço desculpa, mas Não prestarás falso testemunho contra o teu próximo é uma referência à mentira extremamente restritiva.

[10] Isto, ao menos, percebe-se logo que foi por culpa do Moisés. Está certo que falava com Deus, mas que diabo, era um gajo. Enquanto tal, de certeza que se recusou a perguntar o caminho fosse a quem fosse, porque é isso que todos os gajos fazem. E NINGUÉM que seja guiado por Deus demora quarenta anos para atravessar aquela faixazinha dispicienda de deserto que vai do Egipto à Palestina. Tenham dó.

[11] Estão a ver aqueles filmes todos de seu nome A BÍBLIA, antigos e modernos, cheios dos efeitos que cada época permite? O Mar Vermelho a abrir-se para o Povo Eleito e a fechar-se sobre as poderosas  quadrigas dos Egípcios? O direito diário àquele famoso maná que vem do Céu e alimenta o corpo e a alma? Ora bolas, assim também eu.

[12] O País continua assim, e eu, da próxima vez, escrevo mesmo os damnés de la Terre. Ah! Adoro exibir alarvemente toda a minha inesgotável erudição.

[13] Incluindo que Olivença é nossa. Oiçam falar os  amantes de arquivos que estudaram o apoio da cidade às tropas liberais: de repente, faz tudo sentido.

[14] Mais outra expressão de biólogo: aplica-se às tainhas, por exemplo. que se alimentam da porcaria toda que se junta no fundo das águas salobras. Mas depois são muito boas quando as fritam em vinagre, acreditem.

[15]A gente já não sabe o que há de fazer pela Lua” é uma das minhas citações repentistas do Jorge Palma, utilizada, ali, mesmo a matar, na crónica anterior.

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