Quando o Pedro Almeida Vieira, director do PÁGINA UM, me explicou o conceito de um novo projecto jornalístico e me convidou para aqui escrever com regularidade, logo no início desta história, fiquei dividido.
Por um lado, fico sempre contente com a possibilidade de escrever, já que essa É a minha maior paixão na vertente profissional. Por outro, tinha as minhas dúvidas sobre a sustentabilidade de um projecto que dependia integralmente dos leitores.
Não sou jornalista, a minha formacão é noutra área, mas sempre me pareceu que o mundo da imprensa era dominado por dois ou três grupos, e algumas publicacões que, ao longo dos anos, mais ou menos alinhadas, se iam aguentando. E claro, sempre com publicidade paga, o que, desde logo, garantia o silêncio em algumas temáticas.
Portanto, em teoria, a ideia do Pedro era óptima, mas a sua execucão prática parecia-me algo romantizada. Ainda assim, resolvi aceitar o convite, essencialmente porque o nosso director “é um tipo sério” – foi esta a frase utilizada para o descrever, quando uma amiga comum nos pôs em contacto algures durante a pandemia.
Um ano depois, e cerca de 150 textos mais velho, percebo o quão enganado eu estava.
O PÁGINA UM é, na minha opinião, uma história de sucesso, até ao momento. Tornou-se, em muito pouco tempo, o jornal mais lido entre os novos projectos que apareceram fora da chamada “imprensa mainstream”, e até para os consagrados da praça, serviu várias vezes de fonte para notícias de primeira página – sem que nos fizessem a fineza de referir o nome, mas isso são outros quinhentos paus, como se diz aqui na margem sul.
Com uma equipa pequena, o PÁGINA UM conseguiu fazer jornalismo de investigacão, sem amarras ou condicionamentos, e obter furos que foram depois repetidos por outros. Sem perder a qualidade da escrita ou a devoção pela verdade, o nosso jornal abanou quem precisava de ser abanado e questionou quem tinha respostas para dar. Sem nunca entrar no sensacionalismo bacoco ou nas teorias da conspiração que lhe retiraria credibilidade. Foi, essencialmente, uma redacção que, com curtíssimos meios, andou, neste primeiro ano, atrás da notícia e não a fazer de repetidor e tradutor de agências noticiosas estrangeiras.
E, de facto, tudo isto é possível apenas porque o financiamento é garantido por quem nos lê. Não há tabus, não há temas proibidos, não há necessidade de escolher notícias. A liberdade é total.
Pessoalmente, tem sido um enorme prazer assistir ao crescimento do PÁGINA UM, e tentar, na medida das minhas possibilidades, ajudar na caminhada.
No início de tudo isto disse ao Pedro que não tinha grande jeito para elaborar a escrita de forma a que esta pudesse sair em condições de chegar ao grande público. Nem sequer os temas me aparecem de forma lógica. Eu gosto de escrever em cima do que sinto, e isso, muitas vezes, aparece em forma de desabafo, irritação, estupefacção. Não é o tom que habitualmente se espera numa coluna de opinião.
O Pedro disse apenas: “tudo bem, escreve o que quiseres, como quiseres”. E de facto assim foi. Por vezes, nem as ****lhadas [N.D. racalhadas] que me saem no meio de um texto mais polémico ele “censura”. Ou seja, tenho mesmo a sensação que estou a escrever para um amigo que me conhece desde sempre, mas, no fim, isto chega a mais gente. De forma pura e sem filtros.
É essa a magia de escrever com liberdade e sem tentativas de agradar a esta ou aquela corrente de pensamento ou ideologia.
Isto já me valeu uns insultos, claro que sim, mas também me deu a conhecer pessoas muito simpáticas que me fazem ter vontade de continuar a escrever com regularidade. Ou seja, a experiência do primeiro ano do PÁGINA UM mostrou-me, no fundo, o mundo real, onde o cruzamento de opiniões nem sempre é pacífico, mas, quase sempre, se torna estimulante.
Agrada-me também que o PÁGINA UM se abra a diferentes correntes de opinião, e permita que, entre todos os que aqui escrevemos, se consigam encontrar opiniões literalmente opostas. É na pluralidade de pensamento que crescemos e, certamente, vamos ao encontro de mais leitores.
Tem sido um gosto e um orgulho fazer parte deste primeiro ano. Assim vocês, leitores, o queiram, e chegaremos ao fim do segundo ano também.
Depois de dois anos de pandemia e um ano de guerra (agora no radar de todos) na Europa, 2023 não promete ser muito melhor. A inflação, os baixos salários, as lutas sociais e a volta dos Excesso, garantem desde já um 2023 ao nível dos últimos três anos. Em princípio, continuaremos todos a não ficar bem, mas, com alguma certeza, o PÁGINA UM dir-nos-á o que aconteceu. Antes dos outros.
Por tudo isto, camaradas do PÁGINA UM, muitos parabéns e obrigado pela vossa dedicação. Continuemos.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.