Vértebras

Da vida na Dinamarca, das eleições ou da procissão da Santa Igreja do Covidismo

Vértebras

por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 28, 2022


Categoria: Opinião

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Como outros países (Inglaterra e Finlândia, além da Suécia, que esteve sempre noutro campeonato), a fria Dinamarca decretou – é mesmo essa a palavra – o fim da pandemia e vai extinguir todas as restrições à vida normal. Está, neste momento, com cerca de 493 mil pessoas classificadas como casos activos de covid-19, o que representa 8,5% da população.

Decidiu “saudar a vida que tinham antes”, porque os óbitos atribuídos ao SARS-CoV-2 são apenas 18 por dia – o que, sabendo-se serem os seres humanos mortais, constitui um valor normal, talvez mesmo de menor agressividade do que uma gripe comum.

No ano passado, em período homólogo, este país escandinavo – que, durante a pandemia, nem registou qualquer período de particular gravidade –, estava com 26 mortes diárias, quando tinha apenas 0,2% da sua população infectada.

statue of woman sitting on rock near body of water during daytime

Faz todo o sentido, os dinamarqueses levantarem as restrições. Uma doença que há um ano apresentava uma taxa de letalidade de 1,07% – sempre foi baixa na Dinamarca –, não pode continuar a ser classificada agora como crítica só porque há uma “avalanche de testes positivos”: a taxa de letalidade nos últimos seis meses é de 0,09%.

Nesta fase, parece-me irrelevante discutir – até porque é esgotante – se esta variação extraordinária se deve à menor agressividade da variante dominante (e lembremo-nos que foram identificadas quase 1.800 linhagens do SARS-Cov-2), se à eficácia das vacinas, se à imunidade natural ou se às melhorias no tratamento.

Vou dar de barato que seja a conjugação de todas estas variáveis, e aguardo um veredicto definitivo pela Ciência quanto ao peso mais ou menos determinante de cada uma, quando, daqui a uns anos, os investigadores decidirem mostrar renovada maturidade e independência.

Melhor sim, é recordar, nesta reflexão, que uma das características dos seres humanos, julgo, é a capacidade de raciocinar, de olhar para os factos, interpretar e agir em consonância dentro de uma lógica analítica.

Os dinamarqueses parecem-me mostrar a sua humanidade na decisão de viver a vida – que, infelizmente, acaba em cada indivíduo com a morte, mas que precisa de ser perpetuada, com liberdade e alegria, dentro da sociedade.

Quanto aos portugueses, já tenho algumas dúvidas.

Em Portugal, vivemos tempos distópicos.

No próximo domingo, quando formos votar, tenho dúvidas sobre se o acto eleitoral é para eleger deputados em Marte ou se num país terráqueo democrático e civilizado.

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A Doutora Graça Freitas – a senhora que, à frente da Direcção-Geral da Saúde, mais esconde e manipula informação, nada dizendo sobre matérias sensíveis – deu-se ao trabalho de redigir um parecer técnico de nove longas páginas que dariam para rir se não constituíssem um desperdício de dinheiro (que alguém vai ganhar) e um exercício de fomento do pânico.

Vejam como se devem paramentar as equipas de entrega e recolha de voto no domicílio dos eleitores confinados, e sobretudo os delegados dos partidos e membros das mesas de voto:

a) Uma embalagem individual de produto desinfetante de mãos, devidamente legalizada no mercado nacional através de notificação submetida à Direção-Geral da Saúde;

b) Máscaras cirúrgicas ou máscaras FFP2, certificadas e descartáveis;

c) Batas com abertura atrás, de uso único e impermeável, manga comprida, punhos bem ajustados e que cubra toda a roupa.

Pelo que sei, em muitos hospitais, este é o equipamento usado nas unidades de cuidados intensivos de doentes-covid; nas outras alas, recorre-se “apenas” às máscaras FFP2.

Por pouco a DGS não mandava equipar os operacionais do acto eleitoral como Stormtroopers do Star Wars.

Não consta que, nos transportes públicos ou mesmo em restaurantes e outros locais fechados, se andem com tantas alfaias e outros apetrechos como os estabelecidos e enumerados pela DGS para esta autêntica procissão da Santa Igreja do Covidismo em que se transformaram as eleições legislativas.

E isto tudo, eis o paradoxo, numas eleições que teve uma campanha em que os principais partidos políticos nada disseram sobre a pandemia, sobre os impactes da pandemia, sobre a discriminação de cidadãos durante a pandemia, sobre a recuperação do desastre económico e social por via de uma gestão desastrosa da pandemia do ponto de vista da Saúde Pública.

man in white dress shirt wearing white face mask

A quase generalidade dos políticos negaram a existência da pandemia, o que mostra, mais uma vez, que somos um pouco diferentes dos dinamarqueses.

Adiante. Vamos ser claros. A pandemia em Portugal, tal como na generalidade da Europa, terminou. Esta já terminou. Achar que pode surgir uma nova variante, um novo vírus, um meteorito, um Armagedão, e achar que se deve manter tudo como nos últimos dois anos, é insano; é loucura absoluta. Não é vida. Antes a morte que tal sorte – e quem o diz é alguém que esteve em situação grave.

Notem: no ano passado, quando então estávamos em pleno pico pandémico – com as mortes atribuídas à covid-19 acima das 200 por dia, e a mortalidade total acima dos 700 óbitos –, as medidas “impostas” pela DGS nem por sombras tinham este espalhafato. Os membros das mesas de voto tinham de usar apenas uma máscara, preferencialmente do tipo cirúrgica, a ser substituída a cada quatro horas. Nada mais, para além do desinfectante.

Estávamos então, em finais de Janeiro de 2021, com uma taxa de letalidade de 1,69% desde o início da pandemia. Agora, nos últimos seis meses, essa taxa desceu para 0,16%.

Existe alguma racionalidade nisto?

Não. Talvez, porque, na verdade, há povos que perderem a capacidade de raciocinar. Como os portugueses.

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