Correio Trivial

O apodrecimento da democracia

black and white abstract painting

por Vítor Ilharco // Março 11, 2023


Categoria: Opinião

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Quando analiso a situação política portuguesa, começo a idealizar cenários para o futuro e caio em profunda depressão.

Os comentadores políticos insistem em que o actual Governo está ferido de morte, devido às inúmeras trapalhadas em que se meteu, e que, numas prováveis futuras eleições antecipadas, é possível a criação de uma nova “geringonça” mas, desta vez, de direita.

A acontecer, garantem, o líder do PSD seria o novo Primeiro-Ministro com a necessidade de uma coligação que incluiria o partido Chega.

Ora, sabemos as exigências dos responsáveis (?) deste partido.

Aceitam participar na condição de lhes serem entregues várias “Pastas”, com a da Justiça à cabeça.

Este simples facto deveria deixar qualquer português com insónias.

Aceitar que a Justiça fique nas mãos de um ministro militante de um partido que defende a “castração química”, a “prisão perpétua” e a “pena de morte” é impensável num país europeu e que se quer democrático.

É sabido que todos os populistas se julgam isentos de pecado, e candidatos a uma santificação ou, no mínimo, a uma canonização.

Garantem ser pessoas que não falham. Que não podem cometer um delito.

E o mesmo com os seus familiares e amigos.

Explicar-lhes, por exemplo, que uma distração ao volante de um automóvel pode resultar num acidente grave, ou até num atropelamento mortal a ser considerado homicídio por negligência, é considerado insultuoso.

person hands with black liquids

Jamais lhes poderá acontecer porque são, sempre, respeitadores de todas as regras e nenhum imprevisto os pode levar a erros desses.

E porque pensam estar no patamar superior da raça humana sentem-se no direito de condenar quem prevarica a viver o resto da sua vida numa cela, longe de tudo e de todos.

Ou, mesmo, à morte.

Para mais, tentam mostrar a sua “superioridade moral”, exibindo-se nas igrejas onde tentam cumprir todas as regras a que a religião obriga os crentes.

Vão à missa, todos os domingos, recebem todos os sacramentos e citam, constantemente, o Papa.

O mesmo Papa que, na Quaresma, lava os pés a doze presos.

Não a doze deputados, não a doze ministros, não a doze padres, não a doze bispos.

A presos.

man in black long sleeve shirt raising his right hand

E faz isso numa demonstração na esperança da reabilitação, e não, obviamente, para branquear qualquer crime que aqueles doze tenham cometido.

O líder do partido a que me refiro disse, num debate durante a campanha eleitoral, que “não se perdia nada” se cortassem as mãos aos ladrões.

O líder parlamentar do mesmo partido, disse, em pleno hemiciclo da Assembleia da República, quando do debate sobre uma proposta de perdão de penas e amnistia para pequenos delitos, que, para ele, “os presos deviam apodrecer nas cadeias”.

Todos eles, presume-se.

Sabemos que 7,6% desses são homicidas e que 7,8% estão detidos por serem detectados a conduzir veículos sem terem a respectiva carta de condução.

Como acontece em todo o Mundo, alguns haverá que estão presos sendo inocentes.

Para estes “políticos” portugueses são todos bandidos.

barbed wire

No nosso país há quem desvalorize estas frases porque consideram que os seus autores são uns imbecis.

Eu sei que são, mas temo que, ainda assim, cheguem ao Poder.

De qualquer modo custa ouvir alguém vomitar frases, carregadas de ódio, do tipo das acima mencionadas, em plena Casa da Democracia.

Como nem no tempo da Assembleia Nacional, sequer durante o mais negro período do fascismo, se ouviu algum daqueles pulhas a dizer algo igual, é caso para perguntar se o que está a apodrecer, no nosso País, não é a Democracia.

Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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