VISTO DE FORA

Os julgamentos em praça pública

person holding camera lens

por Tiago Franco // Abril 13, 2023


Categoria: Opinião

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Há coisa de um par de anos, numa das minhas habituais deslocações entre Suécia e Portugal, julgo que no aeroporto de Frankfurt, entrei num avião que me traria a Lisboa.

Ao meu lado estava um dos arguidos do processo Casa Pia. Por esta altura já ele tinha passado por todo um calvário público. Detido para interrogatório, preso preventivamente vários meses e constituído arguido. Nunca chegou a ir a julgamento, foi ilibado e o Estado Português foi condenando a pagar-lhe uma indeminização. Contudo, o julgamento público estava feito e a sentença dada: aquele homem era um pedófilo.

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Quando me sentei ao lado dele, apesar de saber todos estes detalhes que acima escrevi, interrogava-me, apenas, se de facto o teria feito.

O julgamento na praça pública fica para a vida.

Duram dias, semanas, meses.

Moldam a opinião de todos e, quando anos depois aparece a notícia de que, afinal, estava tudo errado, e o tribunal ilibou o Joaquim ou o Manel, já ninguém lê o rodapé. 

A credibilidade de uma vida, para quem a tem, destrói-se em dois dias com um par de insinuações sem qualquer prova material.

Quer isto dizer que as insinuações são sempre falsas e os visados inocentes? Não. Não sei. Não faço ideia. 

Quer apenas dizer que nós, inconscientemente, traçamos o veredicto na nossa cabeça e descartamos tudo o que o tribunal venha a dizer posteriormente. É humano. Não sei bem se será racional, mas, provavelmente, estará de alguma forma ligada com a nossa pouca fé no sistema de justiça português.

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Boaventura de Sousa Santos é o mais recente exemplo deste tipo de casos.

Tenho pouca simpatia pelo dito, e certamente, vindo eu da área de ciências exactas, tenho alguma dificuldade em encontrar o brilho que lhe apontam no pensamento alternativo. Para Boaventura de Sousa Santos, isto do conhecimento científico ser hierarquicamente superior, é uma chatice.

Há que trazer à tona coisas que se sentem, mas não se comprovam, deixando o detalhe das evidências para outras calendas. Interpretação minha do pensamento dele. Ou senso comum, como ele diria.

Isto para dizer que me custa escrever o que virá depois, mas que me parece lógico e razoável. Ao contrário do Boaventura, eu aprecio ciências exactas e provas concretas. E acho perigoso e pouco recomendável que, à mínima insinuação, uma pessoa se transforme em culpada. Mesmo que seja.

De entre as várias acusações que lhe são dirigidas, fiquei curioso com uma em particular: uma aluna, em 2014, alegadamente terá rejeitado uma investida de Boaventura no apartamento deste. Diz ela que as portas se fecharam a partir daí e que o assédio sexual se tornou moral.

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Tenho sempre a tendência, lá está, vinda do julgamento público, de achar que homens em locais de poder se aproveitam desse poder. Parece-me simples de encaixar essa ideia. Mas não consigo perceber porque vai uma aluna para casa de um professor, com 70 anos de idade, à noite, discutir um trabalho que poderia fazer na universidade e quando, ela própria, já relatava assédio sexual da parte do mesmíssimo professor. É no mínimo esquisito.

E, no fim de todo este embrulho, com todas as queixas envolvidas, e já cinco anos depois de voltar ao seu país de origem (Brasil), a aluna volta a aceitar um convite de Boaventura de Sousa Santos para se encontrarem na Bahia. Nesta altura uma mulher com 35 anos, ou perto disso.

Perdoar-me-ão, pelo menos, de me sentir confuso com esta lógica do pensamento.

Será Boaventura mais um velho licencioso, predador e abusador do poder que a universidade lhe atribuiu? Não faço ideia e aliás, agora que penso nisso, vou colocar um “alegadamente licencioso” para não ser processado como o embaixador Seixas da Costa ao referir o óbvio sobre Sérgio Conceição.

Acredito que seja um tipo a evitar, mas, mesmo para personagens destas, por mais odioso que seja o papel de advogado do diabo, não chega mandar umas bocas e ir buscar os paus para a fogueira da inquisição. É preciso mais.

shallow focus photography of padlocks in steel cable

Um dos professores a quem uma das alunas se queixou terá dito que “Boaventura é brilhante, mas já todos sabemos que é assim”.

Se, de facto, é esse o caso, deve ser facílimo apanhá-lo com o pé em ramo verde. Sugiro que levem para as reuniões um smartphone com o gravador ligado. É absolutamente impercetível e funciona como o Javisol: deixa tudo claro em poucos minutos.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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