Terminei a minha coluna de opinião de quinta-feira passada apostando que Marcelo, na sua comunicação ao país, diria, essencialmente, nada. Bem sei que não é preciso ser um Zandinga de Cacilhas para prever os movimentos do previsível e calculista Presidente da República. Ainda assim, tinha a secreta esperança que o mais famoso comentador do país usasse o segundo mandato para agir mais e olhar menos para barómetros.
É um dado adquirido que Galamba mentiu e não tem, de qualquer ponto de vista, o mínimo aceitável para se manter em funções. Mas não é só este caso que deveria ter feito Marcelo ganhar alguma coragem. O PS, com uma maioria que anunciava estabilidade, anda a saltar de escândalo em escândalo e a passar à opinião pública (e publicada) que manda e gere o país como um senhor feudal.
O PS governa sem dar contas, sem se preocupar com quem os elegeu, sem sequer ter alguma vergonha na gestão dos escândalos. É uma espécie de bar aberto, à boleia da TAP, onde o país se senta para discutir membros do Governo e jogos políticos de bastidores, em vez de abordarmos os problemas que nos afectam.
Há um exército de insatisfeitos que vão prometendo votos na extrema-direita. Há professores em luta pela reposição dos direitos, há meses e meses, sem conseguirem chegar a bom porto nas conversações com o governo.
Ouvem-se novas promessas de crise no sector imobiliário, e mais famílias a perder a casa.
A inflação baixa lentamente, apesar dos cortes a direito do Banco Central Europeu, e ir ao supermercado continua a ser uma aventura.
A inflação nos produtos alimentares continua nos dois dígitos. Os salários, para quem teve aumentos, não subiram mais dos que 2% ou 3%.
Continuamos em perda, a empobrecer todos os meses e a viver de subsídios ou ajudas sociais pontuais.
Costa gere crises e navega a nau sem grande rumo à vista. Gasta os créditos da estratégia em lutas internas, mas não parece ter um plano para o país.
Era isto que devíamos estar a discutir e não o membro A ou B do Governo. Não são os jogos políticos que importam ou sequer quem deles sai mais fortalecido no xadrez eleitoral.
A vida das pessoas não é um braço-de-ferro entre Belém e São Bento.
António Costa foi a jogo e pediu a Marcelo que mostrasse as cartas. Marcelo encolheu-se e perdeu. A algazarra deu para comentários nas televisões e homílias sobre o novo estadista descoberto no Largo do Rato.
Entretanto, chegou segunda-feira e todos os problemas, os reais, continuam por resolver. Marcelo disse que queria ser um garante de estabilidade, mas, como podemos ver, um Governo de maioria não significa necessariamente estabilidade.
No caso do PS, este Governo de António Costa é apenas um garante de arrogância, quero, posso e mando.
Estamos agora a pagar as políticas desastrosas da pandemia, com atrasos na formação dos alunos, salários congelados, empresas encerradas e uma dívida externa que aumentou. Uma carga fiscal recorde e cada vez menos serviços públicos em troca.
O país está um pântano, um caos, um atoleiro de empobrecimento. A única estabilidade que Marcelo garantiu foi esta: seguirmos no mesmo lamaçal.
Quando chegarmos a eleições serão, contudo, os mesmos a conseguir o poder, mas Marcelo não verá o seu nome associado. Pois bem. Era, para além de ir ao Santini, o que verdadeiramente lhe interessava.
Esperamos agora a ida do adjunto de Galamba à comissão de inquérito para um ajuste de contas e mais umas horas de debate.
O circo da estabilidade pode continuar. As vidas reais e o sofrimento do quotidiano, que esperem mais um bocadinho, não é?
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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