António Filipe foi à CNN Portugal discutir a actual situação da Ucrânia ou, pelo menos, assim pensava ele. Ladeado por Sérgio Sousa Pinto e Sebastião Bugalho, portanto, direita conservadora, acabou a discutir a posição do PCP em relação ao conflito. Ou, nas palavras de Sérgio Sousa Pinto, do “capacho de Putin”.
Sérgio, antigo líder da Juventude Socialista (JS), disse há uns tempos, numa entrevista a um jornal, que era um betinho de Lisboa e que, graças à JS conseguiu conhecer Portugal.
Não me admirei por ser um betinho, mas já fiquei mais surpreendido com a vertente turística da JS. Sabia que o cartão de jotinha abria muitas portas, mas nunca pensei que uma delas fosse a da Agência Abreu.
O que eu achei interessante no debate de ideias é que, a dada altura, passou a ser mais importante a posição do PCP em relação a Putin, ao conflito ou à NATO, do que propriamente a análise ao que aqueles desgraçados sofrem no terreno. Fico sempre encantando com a atenção que o país dá à opinião de um partido que, segundo me explicam, está para desaparecer desde o século passado.
Há um ponto do debate que vale a pena relevar: o “mas”. Sérgio Sousa Pinto, que não parece saber que o partido comunista russo é oposição, e não poder, fica a espumar porque o PCP condena a NATO ao mesmo tempo que critica a invasão.
Para ele, não pode haver um “mas”. Há que arrasar a Rússia e acertar o relógio da História para sexta-feira, 25 de Fevereiro de 2022. Aliás, como disse o moderador/pivot da CNN: “António Filipe, a guerra começou há 3 dias!”
Ora, aí é que está, não começou, não. A não ser que comecemos a procurar sinónimos mais latos para guerra. Há oito anos que se trocam tiros na região de Donbass, entre russos e ucranianos. Para mim, que não sou muito versado em kalashnikovs, se há tiros no ar durante muito tempo, e entre as mesmas pessoas, já lhe chamo uma guerra.
Entramos então na moralidade do “mas”, que me irrita ligeiramente, confesso. A direita acusa o PCP de não condenar a Rússia com força suficiente, embora já repetidas vezes tenham dito que não apoiam Putin. Ou, como disse António Filipe, “a Rússia capitalista e senhor Putin nunca nos enganaram”. Mas não chega.
Não se pode falar na História de 2014, do Acordo de Minsk ou na expansão da NATO. Para Sérgio Sousa Pinto e para a direita em geral, isso é validar a agressão. O relógio temporal tem que ser iniciado apenas no dia 25 de Fevereiro e nós temos que ignorar tudo o que nos trouxe aqui.
O problema é que este “MAS” só se aplica nas críticas feitas ao PCP. Aos outros não só é permitido como essencial na argumentação. Exemplo: “O PCP foi importante na luta contra a ditadura, MAS queria, ele próprio, impor outra em seguida”, diz um dirigente do CDS enquanto comemora o 25 de Novembro.
Durante os bombardeamentos da Faixa de Gaza, há pouco mais de um ano, ouvimos todos os dias os lamentos pela morte de 50 crianças palestinianas, MAS fomos recordados que morreu uma do lado israelita. Portanto, a brutalidade está justificada para o mundo ocidental. Ainda nestas últimas eleições, elementos do PSD se indignaram com o cordão sanitário exigido na relação com o Chega dizendo que, se o PS se pode coligar com o PCP e BE, por que razão não pode o PSD coligar-se com o Chega? Ou seja, na discussão sobre um partido racista e xenófobo, sentiram necessidade de falar em dois partidos que cumprem a Constituição.
Sérgio Sousa Pinto dizia a António Filipe, por que razão devemos falar da NATO quando há uma invasão no terreno? Pela mesma razão que o caro Sérgio, na análise das legislativas, dizia que a demonização do Chega não fazia sentido quando o PCP tinha um acordo de Governo.
Para o jotinha que conheceu Portugal faz sentido falar no PCP quando se discute um Governo de direita com o Chega, mas já é estranho, ou vá, descabido, falar na NATO por causa de uma guerra onde ela é uma causa direta. Realmente… quem é que se lembraria, Sérgio, quem?
O que é que isto nos diz? Que sempre, em qualquer tema ou discussão, a análise é feita de acordo com as convicções, conhecimento histórico e enquadramento global. Aqueles que agora exigem ao PCP que ignore tudo o que aconteceu antes de dia 25, são os mesmo que usam o comparativo quando o seu lado se apresenta como o facínora da história.
Pior, fazem-no num momento delicado, tentando colar o PCP a um regime de direita e confundindo a crítica à NATO com a validação da guerra. E por mais que António Filipe e seus pares digam o contrário, a mensagem vai circulando, e o PCP fica com o odioso rótulo de ser o apoio de Putin em Portugal.
Putin que, lembremo-nos, financia os partidos de extrema-direita na Europa, entre os quais os amigos Salvini e Le Pen, companheiros de retrato de Ventura.
Isto, meus amigos, é desinformação em horário nobre. E da boa.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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