Visão Legal

As máscaras no labirinto legislativo da pandemia

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por Ana Lopes Galvão // Março 8, 2022


Categoria: Opinião

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Têm surgido dúvidas sobre se a legislação que impõe o uso de máscaras ainda se mantém em vigor, uma vez que a Lei nº 88/2021, relativa ao regime transitório de obrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos, caducou em 1 de Março último, como previsto naquele diploma.

Convém referir que, desde o início da pandemia, o uso da máscara foi determinado, em função de determinadas circunstâncias e locais, pelo artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março de 2020, que, cuja versão atual, é a seguinte:

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Artigo 13.º-B
Uso de máscaras e viseiras
1 – É obrigatório o uso de máscaras ou viseiras para o acesso ou permanência nos seguintes locais:
a) Espaços, equipamentos e estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, independentemente da respetiva área;
b) Edifícios públicos ou de uso público onde se prestem serviços ou ocorram atos que envolvam público;
c) Estabelecimentos de educação, de ensino e das creches, salvo nos espaços de recreio ao ar livre;
d) Salas de espetáculos, de exibição de filmes cinematográficos, salas de congressos, recintos de eventos de natureza corporativa, recintos improvisados para eventos, designadamente culturais, ou similares;
e) Recintos para eventos de qualquer natureza e celebrações desportivas, designadamente em estádios;
f) Estabelecimentos e serviços de saúde;

g) Estruturas residenciais ou de acolhimento ou serviços de apoio domiciliário para populações vulneráveis, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como unidades de cuidados continuados integrados da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e outras estruturas e respostas residenciais dedicadas a crianças e jovens;
h) Locais em que tal seja determinado em normas da Direção-Geral da Saúde.
2 – (Revogado.)
3 – A obrigatoriedade referida no n.º 1 é dispensada quando, em função da natureza das atividades, o seu uso seja impraticável, devendo tal dispensa limitar-se ao estritamente necessário, ou quando tal seja determinado pela DGS.
4 – É obrigatório o uso de máscaras ou viseiras na utilização de transportes coletivos de passageiros, incluindo o transporte aéreo, bem como no transporte de passageiros em táxi ou TVDE.
5 – Sem prejuízo da aplicabilidade do disposto na alínea a) do n.º 1 quanto aos edifícios em que se localizem as portas de entrada ou os cais de embarque, acesso ou saída, para efeitos do disposto no número anterior a utilização de transportes coletivos de passageiros inicia-se nos termos do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 28/2006, de 4 de julho, na sua redação atual, sendo este preceito aplicável ao transporte aéreo, com as necessárias adaptações.

6 – A obrigação de uso de máscara ou viseira nos termos do presente artigo apenas é aplicável às pessoas com idade superior a 10 anos, exceto nos estabelecimentos de educação e ensino, em que a obrigação do uso de máscara por alunos apenas se aplica a partir do 2.º ciclo do ensino básico, independentemente da idade.
7 – A obrigatoriedade referida nos nº 1, 2 e 4 é dispensada mediante a apresentação de:
a) Atestado Médico de Incapacidade Multiusos ou declaração médica, no caso de se tratar de pessoas com deficiência cognitiva, do desenvolvimento e perturbações psíquicas;
b) Declaração médica que ateste que a condição clínica da pessoa não se coaduna com o uso de máscaras ou viseiras.
8 – Incumbe às pessoas ou entidades, públicas ou privadas, que sejam responsáveis pelos respetivos espaços ou estabelecimentos, serviços e edifícios públicos ou meios de transporte, a promoção do cumprimento do disposto no presente artigo.
9 – (Revogado).
10 – Sem prejuízo do número seguinte, em caso de incumprimento, as pessoas ou entidades referidas no n.º 8 devem informar os utilizadores não portadores de máscara que não podem aceder, permanecer ou utilizar os espaços, estabelecimentos ou transportes coletivos de passageiros e informar as autoridades e forças de segurança desse facto caso os utilizadores insistam em não cumprir aquela obrigatoriedade.
11 – Nos locais de trabalho, o empregador pode implementar as medidas técnicas e organizacionais que garantam a proteção dos trabalhadores, designadamente a utilização de equipamento de proteção individual adequado, como máscaras ou viseiras, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de abril, na sua redação atual.

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Esta versão resulta da última alteração a este artigo efectuada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 104/2021, em vigor a partir de 28 de Novembro do ano passado, e que produziu efeitos a partir de 1 de Dezembro.

Posteriormente, em 15 de Dezembro último, foi publicada a Lei n.º 88/2021, relativa ao regime transitório da obrigatoriedade do uso de máscara em espaços público. Esta lei surgiu na sequência de um diploma antecessor (Lei n.º 62-A/2020, de 27 de Outubro), relativa à imposição transitória da obrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos, cuja vigência inicial foi sendo progressivamente prorrogada, até ter cessado no Outono de 2021.

Esta lei de 15 de Dezembro do ano passado surgiu no contexto da dissolução da Assembleia da República, e foi uma reprodução quase ipsis verbis da lei de 2020, mas com uma diferença fundamental: enquanto a lei antecessora levou a cabo uma “imposição transitória” da obrigação de uso de máscara em espaços públicos, a lei sucessora criou um “regime transitório”, estabelecendo as condições de determinação dessa obrigatoriedade por parte do Governo.

Assim, por via da primeira lei foi determinada a obrigatoriedade de uso de máscara, a partir do dia 28 de Outubro de 2020, por pessoas com idade a partir dos 10 anos para o acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostrasse impraticável e nas demais condições previstas (cfr. artigo 3.º da Lei 62-A/2020). Ou seja, os portugueses foram sujeitos ao uso de máscara em espaços e vias públicas, vulgo na rua, ao ar livre.

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Já por via da segunda lei, concedeu-se uma permissão ao Governo, por via de Resolução de Conselho de Ministros, para declarar uma situação de alerta, contingência ou calamidade.

Nessas circunstâncias, o Governo poderia determinar a obrigatoriedade de uso de máscara por pessoas com idade a partir dos 10 anos para o acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostrasse impraticável, e nas demais condições previstas, designadamente se a medida se afigurasse necessária, adequada e proporcional à prevenção, contenção ou mitigação de infeção epidemiológica por COVID-19 (cfr. n.º 1 do artigo 3.º da Lei 88/2021).

Essa necessidade seria aferida a partir dos dados relativos à evolução da pandemia, com base no aumento do número de infeções e no índice de transmissibilidade da doença (cfr. n.º 3 do artigo 3.º da Lei 88/2021).

Esta possibilidade, na verdade, não veio a ser concretizada, e esta lei caducou em 1 de Março de 2022.
Ora, significa então que uma nova imposição de máscara, para além dos espaços e situações previstas no artigo 13.º-B acima citado, nomeadamente na rua, não poderá ser efectuada por meio de Resolução de Conselho de Ministros, um tipo de acto normativo que tem sido usado amiúde pelo Governo durante a pandemia, como fez recentemente a 17 de Fevereiro com a RCM n.º 25-A/2022.

Contudo, naturalmente que a caducidade desta lei em nada prejudica as normas em vigor por via do referido artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020.

Nota-se que esta análise é puramente relativa à aplicação das leis, não se tecendo considerações sobre as ilegalidades e inconstitucionalidades, formais e materiais, dos diplomas e normas em apreço.

Em suma, o tema das máscaras continua a reger-se atualmente pelo supracitado artigo 13.º-B do Decreto-Lei nº 10-A/2020, com vigência sine die, ou seja, pode durar indefinidamente no tempo, pois contrariamente a algumas outras normas, desde logo às relativas a máscara na rua, não tem previsto um prazo de caducidade.

Ana Lopes Galvão é advogada


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