Correio Trivial

O até já do ‘Poucochinho Vermelho’

black and white abstract painting

por Vítor Ilharco // Dezembro 16, 2023


Categoria: Opinião

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Há nove anos escrevi uma crónica, posteriormente publicada no terceiro volume da Saga “Frasco de Veneno”, onde criticava António Costa pelo modo como tinha conseguido afastar António José Seguro da liderança do Partido Socialista, acusando-o de ter ganho, “por poucochinho”, a Passos Coelho, sendo que, meses depois, tendo perdido com este, e por margem maior do que a vitória de Seguro, conseguia chegar a Primeiro Ministro.

Chamei-lhe, então, “Poucochinho Vermelho”.

Tenho que confessar que, por causa da minha costela de “português malandro”, este “título” carregava alguma admiração.

Nos tempos do antigamente, que é como quem diz “antes do 25 de Abril”, os políticos que se iam mantendo à tona, mesmo nas tempestades mais violentas, eram chamados de “políticos rolha”.

Viam, calmamente, parceiros e amigos, alguns de longa data, a afogarem-se ao seu lado, mas mantinham o ar sereno de quem sabia que “ainda não é desta que se veem livres de mim”.

Alguns destes náufragos, certamente por descuido, até eram ligeiramente empurrados para o fundo pelos mais expeditos.

Não estou a dizer que será esse o exacto caso de António Costa, mas as principais características estão no seu ADN.

Ele mesmo o reconheceu quando disse, publicamente, que “um Primeiro-Ministro não pode ter amigos”!

E disse-o num momento em que NUNCA o deveria ter feito.

Negar a amizade de, e por, alguém a quem apresentou, dezenas de vezes, como o seu maior amigo, que até escolheu para seu Padrinho de Casamento, é demasiado mau para ser aceite.

Tanto mais que o fez por este estar acusado de um crime não se preocupando, aqui, com a “presunção de inocência” que tantas vezes (e bem!) lembra, até no seu próprio caso (e, de novo, bem!).

Pior do que qualquer delito que se venha a descobrir, e que motivou o célebre último parágrafo do Comunicado da Procuradoria-Geral de República, estão estas facadas nas costas de “amigos”.

E não, não é verdade, que um Primeiro-Ministro não possa ter Amigos.

A grande figura do Partido Socialista, Mário Soares, mostrou isso à saciedade.

Todos nos lembraremos das críticas que recebeu quando foi visitar, à cadeia, José Sócrates e Bettino Craxi.

Sobre aquele escreveu um texto intitulado “O meu amigo Sócrates”, onde considerou “inaceitável e infame” não haver “uma única prova contra um homem que tantos serviços prestou a Portugal”.

E desafiou Cavaco Silva a falar sobre o caso, escrevendo: “Infelizmente o Presidente da República, que devia ser responsável por Portugal, nunca disse uma palavra sobre Sócrates. Nem pela flagrante violação do segredo de Justiça”.

Este exemplo de Cavaco foi seguido por António Costa que, repetindo a frase “à política o que é da política e à justiça o que é da justiça” nunca comentou o caso Sócrates de quem foi o “número dois”.

Em relação a Bettino Craxi, que visitou durante uma visita de Estado à Tunísia, quando era Presidente da República, disse ter sido um “encontro fraterno”.

O que ia causando uma apoplexia a Pacheco Pereira, na altura líder parlamentar do PSD, que definiu essa visita como “uma atitude ilegítima e injustificada”.

Foi para o lado que Mário Soares dormiu melhor…

Como serenamente dormiu depois de, em Outubro de 2014, ir a Oeiras dar um abraço a Isaltino Morais e dizer, alto e bom som, para quem o quis ouvir, que “Isaltino Morais foi injustiçado”.

Claro que estas atitudes, que deveriam ser normais, afectam os “pequeninos”, os “poucochinhos”. Os que não pensam além do próprio umbigo.

Dos que se convencem de que há profissões, ou cargos, que impedem alguém de ter amigos.

Além do mais, quem pensa assim corre o sério risco de, quando olhar com atenção à sua volta, se ver rodeado de inimigos.

Infelizmente, no nosso país, pelo menos, isso não inibe ninguém de conseguir os seus objectivos, mesmo políticos, mesmo necessitando de votos.

Há quem aceite votar em inimigos se sonhar que isso lhe pode trazer alguns proveitos.

E traz, muitas vezes.

Basta ler Nicolau Maquiavel, ou Sun Tzu.

Por tudo isto o título da crónica tem um “até já”, quando a maioria diz “adeus”.

António Costa vai continuar a andar por aí, podem estar certos, e em lugares importantes.

Pode continuar “poucochinho” mas menos, muito menos, “vermelho”.

Essa cor só continua em moda (felizmente) no futebol.

Vítor Ilharco é assessor


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