Escrevo este texto na estrada; mais precisamente, nas Montanhas do País Basco. Espero ainda encontrar a repórter da TVI (ou da CMTV) na fronteira de Vilar Formoso para discutirmos receitas de bacalhau e todas aquelas perguntas interessantes em véspera de Natal.
Um dos meus passatempos na estrada é descobrir a origem das matrículas e somar as parcelas que as constituem. De há dois anos para cá, vejo com muito maior frequência, na parte ocidental da Europa, veículos com registo ucraniano. Por princípio, parece-me boa ideia fugir do frio de Leste para a harmonia que só a Ibéria nos pode proporcionar. Se essa fuga acontecer no início de uma guerra, ainda acho a ideia melhor. Com os 60 mil milhões de dólares bloqueados no Senado norte-americano, e sem que a União Europeia consiga garantir igual financiamento ou armamento, Zelensky vê-se num aperto mais do que previsível. Tudo parece começar a faltar, inclusivamente homens no terreno. A Ucrânia decidiu, por isso, chamar mais 500.000 homens entre os 25 e os 60 anos para a frente da batalha.
Não sei se ainda se lembram do que foi escrito sobre o Putin, quando este andava pelo Daguestão a roubar jovens às famílias pobres para os mandar para Donbass. Zelensky e toda a ‘entourage’ ocidental diziam que a Rússia estava a mandar homens mal treinados para a sua própria morte.
O que assistimos agora é exactamente o mesmo, mas feito do lado ucraniano. Homens que fugiram do país, sem qualquer treino militar, e até já perto da idade da reforma, são agora obrigados a regressar sob pena de sanções para enfrentarem a sua própria morte. Sem dinheiro, sem armamento, sem aviação, resta à Ucrânia utilizar a estratégia que os russos patentearam desde a Segunda Guerra Mundial: ter mais gente no campo de batalha do que o adversário.
Esta atitude desesperada mostra os sucessivos falhanços da aliança que apoia a Ucrânia e dá razão a quem defende, há quase dois anos, que a solução do conflito nunca estaria no terreno, mas sim na diplomacia. As sanções à Rússia falharam redondamente. Somos nós, os Europeus, da Alemanha a Portugal, que pagamos a fatura da energia mais cara. Aquilo que a Rússia deixou de vender do lado europeu, passou a exportar para o lado asiático e, de igual forma, a suportar a economia de guerra.
Terão alguma possibilidade estes 500.000 homens, ou aqueles que não conseguirem fugir, perante uma máquina de guerra que produz e tem todos os apoios necessários para prolongar esta situação o tempo que for necessário? Terá alguma hipótese a Ucrânia, mesmo que meta toda a população na frente sem financiamento externo ou exércitos de outros países? Não. Já todos percebemos que não. Então, quem é que pode condenar estes homens que saíram do país e que não estão dispostos a morrer por guerras decididas por outros?
Do lado americano, continuamos a ouvir palavras de apoio incondicional, mas já sem o dinheiro. Ou seja, aquela situação clássica que todas as administrações americanas fazem na diplomacia externa. Financiam o conflito enquanto isso servir os seus interesses, até que começam a ensaiar a saída deixando os inocentes expostos à sua sorte. Bastaria conhecer a história dos curdos para entender que destino teriam os Ucranianos.
Fico agora curioso para perceber como é que a União Europeia, que defende valores democráticos e já acenou com a bandeira da entrada no clube por parte da Ucrânia, vai agora pactuar com este recrutamento forçado de mais 500.000 cordeiros.
Chegará o dia em que a Ucrânia gritará “traição”, por aquilo que vier dos Estados Unidos e da União Europeia. Provavelmente, muitos destes 500 mil homens não o verão.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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