Marcadas para 10 de Março, as eleições legislativas vão lançar uma campanha onde, como naturalmente, ruas e praças serão invadidas por cartazes.
Ora, estes cartazes, embora já secundarizados por outros meios ‘mais modernos’ de comunicação, desempenham um papel crucial na divulgação dos soundbites dos partidos políticos. Pela sua massiva ocupação do espaço público onde passamos a pé, ou em veículos de duas ou quatro rodas, a presença do cartaz torna-se imperativa para a persuasão do eleitorado.
Segundo o designer suíço Müller-Brockmann, “um cartaz deve ser activo, muito embora ao ser colocado numa parede ou num pilar, esteja condenado à imobilidade”. Numa sociedade capitalista, o cartaz passou a desenvolver-se em função do consumidor, e o sector da política segue a tendência. Sintéticos, são um espaço de grande diversidade de abordagens, que vai da fórmula convencional materializada numa simples promessa à modalidade mais acidulada que abre espaço à ironia ou a críticas concretas das abordagens concorrenciais.
Representando o cartaz uma verdadeira força motriz no desenvolvimento das campanhas partidárias, variam tanto em estilos como em objectivos. Numa reflexão crítica sobre o marketing político feito em Portugal em 2024, examino aqui o conteúdo das representações discursivas produzidas pelas máquinas eleitorais dos diferentes partidos. Vamos esmiuçar slogans, esquadrinhar as simbologias patentes, perscrutar os atributos das fotografias, dissecar as opções gráficas que vão do design global à especificidade das fontes tipográficas ou da iconografia de letra.
Combinando elementos textuais e visuais, o cartaz político é uma peça gráfica desafiante que deve funcionar tanto de perto como ao longe, seja parado ou em movimento. Isto explica a razão dos slogans serem curtos, não obstante o facto destas mensagens irem evoluindo à medida que a data das eleições se aproxima à luz dos inquéritos e estudos desenvolvidos por quem assume a gestão da campanha tendo como missão primordial ganhar relevância e competitividade face aos adversários mais directos.
Em Portugal, se o período pós-25 de Abril envolveu artistas plásticos na criação de campanhas partidárias, de que são exemplos José Guimarães, João Abel Manta, ou até mesmo o poeta Eugénio de Andrade, os tempos modernos da propaganda atestam uma forte homogeneidade visual. Assim, o vanguardismo da mobilização política assente num registo plástico de grande impacto visual foi substituído por lógicas altamente racionais e uma linguagem uniformizada e repetitiva centrada na exploração dos seus logótipos e símbolos. A primazia é, portanto, dada à função e eficácia.
Começo esta série com o primeiro cartaz do Partido Socialista (PS) que já ‘anda’ pelas ruas. O seu candidato a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos, antigo ministro das Infraestruturas, escolheu como slogan “Portugal Inteiro”. Um apelo ao valores nacionais associado a um adjectivo que sugere um país a que nada falta, e que nunca se deixa corromper. O foco é, portanto, a promessa de uma conduta exemplar baseada em valores de honestidade e integridade, uma escolha destinada a diluir as últimas acções governativas deste candidato.
Segundo o próprio, a explicação para a escolha da palavra “inteiro” é que “Portugal só será um país desenvolvido, um país rico, se for capaz de aproveitar plenamente o seu território, deixando de aceitar que algumas regiões fiquem sempre depois”, afirmação feita durante um encontro com apoiantes no dia 12 Dezembro de 2023 no distrito de Faro.
Em 2024, a iconografia usada no logótipo do PS é agora apenas a ilustração do punho, à semelhança, aliás, da campanha de Costa, mas diferente da de Sócrates, que conjugou rosa e punho.
Em relação ao tipo de letra, a escolha recai sobre uma fonte de utilização gratuita, parecida com o design germânico da tipografia Galano Grotesque. Se por um lado a legibilidade é boa, peca por ser comum e sem grande personalidade. O efeito luminoso dado nas primeiras letras da frase central confere alguma tridimensionalidade, na tentativa de contrabalançar uma abordagem simplista e pouco impactante.
O verde é a cor da campanha do candidato PS, cor que simboliza por um lado esperança, liberdade e vitalidade; é ainda representativa da natureza, aludindo a noções de crescimento e renovação. Curiosamente, esta foi também a cor usada nas campanhas às eleições legislativas de António Costa e de José Sócrates. Esta opção tem a mais-valia de ser um elemento bem distintivo que marca um distanciamento com a linha de esquerda do BE, do Livre e da CDU-PCP, partidos que mantêm a aposta nos tons quentes do vermelho.
A fotografia de Pedro Nuno Santos é um dos aspectos mais caprichados da campanha. Revela um estilo responsável e uma postura amigável através de um olhar directo independentemente da posição – frontal ou lateral – do leitor em relação ao cartaz. Em contrapartida, o tom azul vibrante da gravata acaba por destoar com o blazer preto de abas pouco elegantes e que lembra o uniforme do revisor dos transportes públicos. Embora se possa perceber a necessidade de projectar a imagem de um homem de origens humildes com o intuito de cativar o eleitorado mais conservador (socialista mas não só) e que vota, o meu impulso caso fizesse parte da equipa de consultoria deste candidato, seria recomendar um outfit mais clássico com um fato azul petróleo de linhas sofisticadas da última colecção Outono/ Inverno.
Uma característica menos convencional é a barba, algo mais comum entre políticos orientais do que ocidentais. Ao longo dos 50 anos de democracia em Portugal, é de sublinhar que nenhum político com barba ou bigode foi eleito Presidente da República ou primeiro-ministro. Resta saber se não teria sido preferível pôr as barbas de molho, ou então inspirar-se em oportunismos mediáticos como a do primeiro-ministro francês Emmanuel Macron que, antes de sua candidatura presidencial, convocou a imprensa para cobrir publicamente a sua ida à barbearia para desfazer a barba e encetar um novo ciclo.
O design é extremamente institucional, com uma composição gráfica feita de diagonais que lembra um certificado de organismo público. É uma campanha neutra, possivelmente destinada a compensar a imagem de imaturidade que a postura de Nuno Santos sempre revelou, factor esse que não cai bem ao eleitorado não urbano de um país conservador como Portugal.
Olhando para o mais recente estudo realizado pelo Pitagórica, o PS é o partido que atrai os mais velhos ao alcançar mais de um terço dos votos entre os maiores de 54 anos, dominando também a população menos instruída do país. Ficam explicadas as razões da adopção de uma solução convencional, de certa maneira old fashion, mas certamente eficaz para conquistar quem vota, ou seja, quem interessa.
Sara Battesti é estratega e especialista em Comunicação
Avaliação do cartaz
Design: 2/5
Impacte: 3/5
Eficácia: 4/5
Média: 3/5
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