CARTAZES HÁ MUITOS

Iniciativa Liberal: cartazes para dar que falar

minuto/s restantes

Nos meios políticos portugueses, a campanha exterior da Iniciativa Liberal (IL) têm sido alvo de considerável atenção pública. Num contexto em que o entretenimento e a política se encontram num ponto de convergência, as fronteiras entre ambos tornam-se cada vez mais difusas. Essa convergência tem resultado numa abordagem centrada na espectacularização da realidade, conforme destacado pelos investigadores em ciência política, Farnsworth & Lichter, e sintetizado nas palavras do filósofo e teórico marxista Guy Debord: “O espectáculo, como tendência a fazer ver (por diferentes mediações especializadas) o mundo que já não se pode tocar directamente, serve-se da visão como sentido privilegiado da pessoa humana.”

A ascensão da Iniciativa Liberal, como partido político em Portugal reconhecido pelo Tribunal Constitucional a 13 de Dezembro de 2017, marcou uma mudança no panorama político nacional. O seu programa “Menos Estado, Mais Liberdade” revelou as linhas mestres da abordagem política deste novo partido, liberal em toda a linha. Logo nas eleições legislativas antecipadas de 2022, o partido conseguiu captar simpatizantes e consolidar-se como a quarta maior força política, obtendo uns surpreendentes oito assentos na Assembleia da República. Um estudo realizado por João Cancela e Pedro Magalhães revelou que, grande parte do seu eleitorado foi composto por jovens adultos, especialmente aqueles com menos de 25 anos, e é predominantemente do sexo masculino (58%) e com formação superior (61%).

Cartaz 8x3m, situado na rotunda do Saldanha em Lisboa em montagem ©DR

Além da presença assídua nas redes sociais, a Iniciativa Liberal investiu numa campanha publicitária marcada pela ironia, encomendada a Manuel Soares de Oliveira, fundador da agência de publicidade Mosca. Essa abordagem estratégica, rara na política portuguesa, destacou-se pela sua originalidade e eficácia, utilizando uma diversidade de mensagens críticas e humorísticas. E assumiu-se como partido de oposição, posicionando-se como alternativa governativa, que propõe uma profunda transformação política e social. Talvez a maior de todos os partidos que se apresentam a eleições. Segundo este criativo licenciado em Ciência Política, “o marketing político em Portugal é quase inexistente. Normalmente, são as empresas de comunicação que trabalham com os políticos e não há um trabalho de longo prazo.”

Com uma abordagem disruptiva, os cartazes da IL conquistaram desde cedo a atenção do público em geral, mas também dos meios de comunicação e conseguiram desencadear efeitos multiplicadores noutros canais de divulgação. Representantes políticos proeminentes da nossa praça são caricaturados de maneira satírica, acompanhando a actualidade. Com design cuidado, esta táctica confere uma pertinência que convoca naturalmente à discussão pública, em família ou entre amigos. Resultado de um trabalho conjunto entre um publicitário, o responsável de comunicação do partido e o então líder Carlos Guimarães Pinto, a estratégia alicerça-se num conceito forte, facilmente declinável ao longo do tempo, o que lhe confere consistência. Atrevida e irreverente, é facilmente reconhecida por composição estável que conjuga dois tons de azul, um intermédio que lembra o antigo pássaro do twitter e o azul escuro onde recai o logo IL com uma boa dimensão para garantir a sua leitura, e por conseguinte identificação. A mensagem é escrita em maiúsculas de cor amarela em caixa de com vermelha para bem se evidenciar.

Na 2ª Circular em Lisboa (embora já tenha estado noutros paradeiros desde 2020) um outdoor onde António Costa é representado como piloto da TAP com uma miniatura de Rui Rio no bolso, que clama “Senhores contribuintes, apertem mais o cinto” em letras bem legíveis. Noutro motivo, colocado em várias localidades designadamente em Maia, vemos a caricatura de Pedro Nuno Santos como criança, vestido de calções com um avião no bolso e uma t-shirt com o revolucionário Che Guevara estampado e com um livro de Marx ao peito, a gritar: “Esses liberais são uns fanáticos na defesa do contribuinte.” Estas mensagens são complementadas por uma segunda frase, igualmente provocativa: “Socialistas: a fazer voar o dinheiro do contribuinte desde sempre.”

Cartaz 8x3m com ilustração da Caldeirada, Praça do Saldanha, em Lisboa.

Na Praça do Saldanha, em Lisboa, o cartaz actual retrata a icónica lata de sopa de tomate (Campbell’s Soup), imortalizada pelo artista norte-americano Andy Warhol. Esta nova versão da lata “Caldeirada”, com líderes partidários, sugere que sob tais lideranças, podemos apenas esperar soluções padronizadas e uma governança moldada pela luta pelo poder. A frase “A lata socialista está fora de prazo” é emblemática, conjuntamente com a assinatura “Prefere as ideias frescas”, insinuam que as políticas do PS são insípidas e que esta caldeirada industrial é intragável. É curioso observar que este cartaz se inspira na figura de um artista que liderou o movimento da pop art, conhecido por seus valores ultraliberais e comportamentos controversos. Outro tema retratado nos cartazes da Iniciativa Liberal é a celebração do 25 de Novembro, como alusão ao dia em que a democracia liberal triunfou sobre a ditadura totalitária de Esquerda em Portugal. Carregada de simbolismo, a mensagem simples pretende motivar e credibilizar a mudança, apelando ao voto à direita.

Introduzindo a espectacularização na política, a comunicação da IL critica os modelos antiquados e questiona a lógica da subsidiodependência. Usando composições criativas e formatos originais, esta irreverência é eficaz, ao responder aos anseios dos jovens adultos, enquanto o seu principal eleitorado. Embora a produção de outdoors recortados seja mais dispendiosa, o investimento compensa na medida em que consegue interpelar os transeuntes, ampliar o seu impacto e garantir o retorno de visibilidade.

A campanha de outdoors alia também o formato convencional (sem recortes ou avançados que ultrapassam a moldura) para poder chegar a outras localidades, não ficando assim limitada aos grandes centros urbanos. É exemplo disso a versão de menor formato que replica um sinal de nomes da rua criado em azulejos com a inscrição: Largo dos 75.800 € em pleno largo do Rato, onde mora a sede do PS em Lisboa.

Cartaz afixado no tapume do Largo do Rato, em Lisboa, onde se localiza a sede do Partido Socialista.

Surpreendente é verificar que a sua execução varia no tom das caixas de texto, que tanto estão vermelhas como rosa choque. Conforme defendido pelo publicitário Manuel Soares de Oliveira, “No mundo do zapping em que vivemos, os cartazes são das poucas coisas que temos mesmo de ver, e com poucos outdoors consegue-se um efeito óptimo”, apesar do crescente poder do marketing digital, principalmente entre o público abaixo dos 50 anos.

O logótipo da Iniciativa Liberal é bem desenhado e de fácil identificação. O branco, simbolizando paz e limpeza, é a cor principal, enquanto o lettering escolhido é contemporâneo escrito em minúsculas o que contrasta com as imponentes maiúsculas dos headlines. Destaca a letra I em maiúscula, sobressaindo um ponto vermelho que sublinha a forma fálica deste símbolo.

Diferenciando-se dos partidos do arco governativo que optam por integrar grandes retratos de seus líderes, os cartazes da IL não seguem essa fórmula clássica. Será por Rui Rocha, formado em Direito pela Católica, ser um líder novo demais para o gosto do eleitorado português ou simplesmente por alguma falta de carisma? Ou talvez hajam razões bem mais prosaicas como o facto da sua imagem estar em transformação (no X vemo-lo agora sem óculos)? Não poderia concordar mais com o seu coach nesta mudança, de facto, os óculos de massa davam-lhe um ar de programador websites ou de informático.

O foco desta presença no espaço público está em problemas concretos para se posicionar como um partido convicto e com ideias precisas que respondem às necessidades reais da vida em Portugal. Adoptando um estilo despretensioso, usa a caricatura para estimular uma pré-disposição positiva no eleitorado. Cada motivo é único mas decorre de um conceito-base maleável que promove reacções e um efeito multiplicador escalável para cativar diferentes comunidades. Os cartazes de rua da Iniciativa Liberal representam assim mais do que simples propaganda política: são uma manifestação de coragem e criatividade que desafia as convenções estabelecidas como ainda promovem o reequacionar do rumo da política contemporânea em Portugal.

Colagem de cartaz. Fotografia de Ruy Otero

Em última análise, o conteúdo desta campanha é bastante suave em comparação com a proposta programática deste partido que propõe um corte radical, colocando uma gestão privada no serviço público da Educação à Saúde.
Num país onde a pobreza ou exclusão social ameaçam agora 2,1 milhões de portugueses e onde a taxa de risco de pobreza, antes de qualquer transferência social, atinge 41,8%, conforme indicado pelo estudo do Observatório das Desigualdades divulgado em Novembro de 2023, os princípios da IL parecem ser bem mais disruptivos do que a sua campanha de comunicação.

Sara Battesti é estratega e especialista em Comunicação


Avaliação do cartaz

Design: 4/5

Impacto: 4/5

Eficácia: 5/5

Média: 4,33/5


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.