Fundado em 2009, o Partido Trabalhista Português chegou a ser a quarta maior força política na Madeira, e concorre às actuais eleições legislativas com esperança em eleger representação na Assembleia da República. Por ‘inactividade’ política do ainda presidente, Amândio Madaleno, quem dá voz ao PTP é o seu vice, José Manuel Coelho, um ex-membro do PCP e antigo autarca e deputado na Madeira, que ficou conhecido pelas suas acções mediáticas e pelos vários processos em tribunal por difamação, que já lhe valeram condenações. Crítico da “censura” que diz ser exercida através dos tribunais e de um Código Penal “fascista”, avisa que Portugal vive uma fase de “recuo” da Revolução de Abril devido à corrupção. Também acusa os grandes grupos de comunicação social de estarem capturados pelo grande capital e que a informação que produzem é “domesticada”. Esta é a 13ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE JOSÉ MANUEL COELHO, VICE-PRESIDENTE DO PARTIDO TRABALHISTA PORTUGUÊS, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Aderiu ao Partido Trabalhista Português em 2011. Em 2015, o partido concorreu às legislativas numa coligação com o Movimento Alternativa Socialista, na coligação AGIR. Agora em 2024, quais são os objetivos do seu partido para estas eleições?
O objetivo do Partido Trabalhista Português (PTP) é fortalecer as forças democráticas do 25 de Abril. Todos os partidos e movimentos que se identificam com Abril, apoiar todos esses movimentos. Digamos que é mais um reforço às forças democráticas já existentes. Porque toda a minha vida e a minha militância política após o 25 de Abril foi no Partido Comunista Português. Estive 30 anos no partido. Depois saí porque havia a necessidade de outros democratas na área da esquerda reforçarem a luta.
Como é que vê, hoje, a esquerda, em Portugal, sobretudo aquela que tem assento no Parlamento?
A esquerda tem duas componentes. Tem o Partido Comunista Português (PCP), que é a espinha dorsal da esquerda em Portugal. Foi o único partido que resistiu à ditadura ‘salazarista’. Porque, quando o regime do Estado Novo se instaurou em 1926, a ditadura acabou com todos os partidos da Primeira República. Nenhum resistiu, foi só o Partido Comunista. Até que chegou a altura, na longa noite salazarista, em que só existia o Partido Comunista.
Com a vinda da democracia, com a revolução de Abril, apareceu cerca de uma dezena de ‘partidos comunistas’, como o MRPP, que surgiu em 1973. Depois surgiram todos os outros, após o 25 de Abril, quando a luta era fácil. O Partido Comunista, a espinha dorsal da esquerda, tinha dois adversários: um à direita; e um à esquerda. O da direita era caracterizado pelo oportunismo de direita e o da esquerda era o oportunismo de esquerda. O que era o oportunismo de direita era o Partido Socialista (PS). O Partido Socialista aparece no pós-25 de Abril, quando já não havia perigo nenhum. Aparece, e eles dizem: “não precisamos derramar sangue de ninguém; não precisamos de fazer nenhuma revolução, nem precisamos de matar fascistas; nós, através das reformas, vamos conseguir os objetivos socialistas e fazer de Portugal um país socialista”. O “socialismo em liberdade”, como dizia Mário Soares.
Mário Soares fundou o Partido Socialista junto com os amigos que estavam exilados em França e na Alemanha. Fundaram-no no exílio. O Partido Comunista, lutava cá, estava dentro do país. Lutava dentro do país, de forma clandestina, e tinha muita gente presa nas prisões fascistas. O que dizia Mário Soares, após o 25 de Abril, o tal oportunismo de direita? “Não precisamos de tirar a liberdade ao povo. O país é um país livre, de liberdade. Vamos conseguir um socialismo em liberdade. Não é preciso derramamento de sangue, nada”. Surge aqui o oportunismo de direita.
Mas o oportunismo de esquerda é todos os partidos esquerdistas: o UDP, o MRPP, o partido marxista leninista, o FEC, todos aqueles que apareceram, as brigadas revolucionárias, tudo isso… E eles então diziam que o Partido Comunista Português se tinha afastado do verdadeiro socialismo. Tinha feito revisionismo da doutrina comunista, que já não eram os verdadeiros comunistas. Então, os verdadeiros comunistas, os puros, eram, eles eram o MRPP, a FEC, eram o UDP, e todos aqueles esquerdistas. Diziam que eles iam restaurar a doutrina comunista e fazer a revolução e que a revolução tinha de ser violenta. Tinha de haver derramamento de sangue, tinha de haver prisões, os fascistas tinham de ser presos. Era aquele oportunismo de esquerda. E ambos eram inimigos do Partido Comunista Português. Eram adversários, pretendiam derrubá-lo.
O esquerdismo pequeno-burguês, que tinha origem na pequena burguesia, que não aceitava a hegemonia da classe operária, que estavam todos com o Partido Comunista, criaram os seus ‘partidos comunistas’. Mas atenção, numa altura que já não havia perigo. Já não era perigoso.
Já era seguro.
Já era seguro trabalhar. E aparece o Partido Comunista, que realmente é um grande partido da esquerda é dos valores do socialismo. Como eu, mais tarde, acabei por ver na Ilha da Madeira… Devido ao caciquismo, ao atraso cultural do povo, o Partido Comunista tinha muita dificuldade em avançar. Nós já estávamos lá a lutar há 40 e tal anos e o partido não elegia nem uma junta de freguesia, nem nada. Só conseguiu um deputado no parlamento regional, com muita dificuldade, e ainda hoje mantém, que foi um antigo sacerdote católico que aderiu ao Partido Comunista através de umas lutas sociais que ele fez. Foi perseguido e depois aderiu ao PC. Graças a ele, temos um deputado. Mas é muito difícil porquê? Porque existe o anticomunismo primário, aquelas ideias estereotipadas que são falsas e que os caciques põem em circulação. Como: “os comunistas ainda como criancinhas”.
Desinformação.
Desinformação. Como as pessoas não têm formação política e são enganadas pela comunicação social da Madeira.
E muitas nem sabiam ler.
E ainda é assim. Portanto, saí do Partido Comunista. Foi quando aderi a este partido. O Partido Trabalhista tem uma sigla diferente e temos mais sucesso. Por exemplo, eu tive sucesso de eleger três deputados à Assembleia Legislativa da Madeira.
Chegaram a ser a quarta força política na Madeira.
Na Madeira, sim. Depois, é claro que não conseguimos segurar essa vantagem. Entretanto, apareceram outros protagonistas, nomeadamente o Paulo Cafôfo do Partido Socialista lá da Madeira e roubou-nos o nosso eleitorado.
Mas agora a cena política na Madeira está em convulsão.
Pois está em convulsão. Porque o grande problema da ilha da Madeira, ou da Região Autónoma da Madeira, é os oligarcas. Quem manda no governo e mesmo no principal partido da oposição, são 4 oligarcas que existem lá na região. É Dionísio Pestana, que é o maior hoteleiro da ilha. É o senhor Avelino Farinha, que é o dono da maior empresa de construção de obras públicas e também é um grande hoteleiro. Construiu o maior hotel do país, o Hotel Savoy, no Funchal.
Depois tem outros protagonistas. Tem o magnata dos portos, que é o Luís Miguel de Sousa. É o homem que domina os portos da Região Autónoma. Toda a mercadoria que entra na Região Autónoma e sai, é através daquele grupo económico. E é curioso porque o grupo funciona sem pagar um cêntimo pelo uso do porto e dos equipamentos de descarregar navios. É um favoritismo que tem ali.
Depois existe um grupo do Jaime Ramos, que tem várias empresas, tem um gripo económico que também vive à sombra do orçamento regional da Madeira. Eles não precisam de ter clientes privados. As empresas do Jaime Ramos e as empresas do Avelino Farinha, têm clientes privados, mas não precisam. Porque basta o governo para lhe dar as obras que eles querem – eles mandam no governo – para ter emprego todo o ano para as suas empresas, para a sua facturação anual. Existe ali uma oligarquia, um grupo de grandes empresários que domina o aparelho político e que domina o aparelho judicial. Eles compram toda a gente. O dinheiro compra toda a gente.
E afecta também a cena política?
Na cena política, o que é que eles fazem? O maior partido da oposição é controlado pelo oligarca dos portos e pelo Avelino Farinha. As rádios são controladas pelo grupo do senhor Jaime Ramos. E o outro senhor, Dionísio, dos hotéis, é que domina o Centro Internacional de Negócios. É que orienta o Centro Internacional de Negócios da Madeira. Portanto, a economia está toda na mão daqueles senhores oligarcas. Depois, pela influência que têm, também controlam o aparelho de Justiça. O que é o aparelho de Justiça? A Polícia Judiciária, o Ministério Público e os tribunais da comarca. Todos os juízes, ou quase todos, são subservientes. Estão no bolso destes senhores.
Mas agora as coisas estão a mudar?
Não estão a mudar nada. Eles têm sempre as rédeas. Porque foi preciso a procuradora-geral, Lucília Gago, mandar para a Madeira uma expedição num avião da Força Aérea, cento e tal agentes da Polícia Judiciária, inspetores e especialistas em contabilidade pública para aprisionar os documentos, os computadores, os discos rígidos, …
Então, não acredita que vá acontecer algo? Que vai sair dali…
Não, não vai. Porque eles têm tanto poder que já compraram o juiz, o tal juiz Melo. Embora o juiz não gostasse da procuradora que estava a conduzir o processo. Ele não gostava por causa daquelas denúncias que ela tinha feito, de assédio sexual e que molestava as senhoras que trabalhavam lá no tribunal. Ele foi castigado. Não gostava da senhora, mas a par disso, ele foi comprado. Porque estava ali em mãos, com os dois maiores empresários da Madeira.
Portanto, diz que não vai dar em nada.
Não dá. Porque eles prenderam o Avelino Farinha, o maior empresário de obras públicas na Madeira – e não tem só o império dele lá, já tem em vários países, já se internacionalizou. E tem um outro senhor que é o Custódio Correia, que é um grande empresário de Braga, que enriqueceu meteoricamente à sombra do regime madeirense. Eles tiveram ali 20 dias. Foi tempo mais que suficiente para, através dos seus advogados e homens de mão, subornar os juízes. Não os vi darem o dinheiro, mas a minha convicção é a mesma convicção de milhares de madeirenses que têm a pestana aberta. Pedro Calado e o Miguel Albuquerque foram acusados – e provou-se isso – de desviarem milhões para dar um empresário e recebem luvas, através de quintas que o grupo começou a construir na Ponta Delgada para o presidente do governo. Há as conversas telefónicas – eles a fazerem os negócios. Foram apanhados com dinheiro.
Mas, mesmo assim, não vai sair um resultado.
Não, não vai, porque o juiz diz que não há matéria criminal.
Não vai haver condenação?
Não vai. Vai ficar inconclusivo, vai avançar para a prescrição. Mas, para os portugueses, para os madeirenses que têm os olhos abertos, temos a convicção de que o juiz foi comprado.
A nível nacional, como é que vê estas situações quase 50 anos cumpridos do 25 de Abril? Aliás, hoje, teve convocada uma conferência de imprensa aqui, em Lisboa, precisamente sobre a questão do 25 de Abril. Quer falar um bocadinho sobre isso?
Exatamente. O que quero aos nossos ouvintes [e leitores] do PÁGINA UM é que eu tive a felicidade de assistir ao 25 de Abril. Em 1973, em Dezembro, vim aqui para o exército tirar a especialidade de transmissões de infantaria. Fui para o quartel BC5, Batalhão de Caçadores 5, em Campolide, que era onde se davam os cursos. Então, foi quando se deu a Revolução, na noite de 24 para 25. Começou assim: nas casernas dos militares, havia dois batalhões operacionais e havia os instruendos. Nós, que éramos instruendos, não sabíamos que se ia dar o 25 de Abril, porque eles não nos diziam. Só quem sabia era as tropas operacionais. Cerca da uma hora da madrugada, chega o corneteiro à caserna e começa a tocar a alvorada. Pensávamos que eram 6 horas da manhã e que tínhamos de nos levantar para tomar banho e tomar o pequeno-almoço para ir para as aulas. Mas não. Era uma hora da manhã. Era para nos pormos a pé, irmos buscar as armas, vestirmos a roupa de trabalho, e irmos para a ferramentaria para receber as munições. Não sabíamos o que era. Nos corredores do quartel, começámos a receber as munições, as cartucheiras com que as munições, e a equiparmo-nos. Fomos ajudar as tropas operacionais – o operacional é o soldado, já tem a formação de soldado. Nós não tínhamos a formação de soldado, estávamos a aprender.
Então, fomos ajudar as tropas operacionais. Quem os comandava era o Major José Fontão. Ele já estava de oficial dia, nessa noite. Fomos destacados para ir para o Parque Eduardo VII para acompanharmos as tropas operacionais para o Rádio Clube português, para fazer a segurança do Rádio Clube Português, que ia dar a senha da Revolução. Outro batalhão nosso foi ao quartel-general do governo militar de Lisboa, que fica em São Sebastião da Pedreira, tomar o quartel. O resto dos efectivos, ficaram distribuídos pelo Parque Eduardo VII, Rua da Artilharia, as Amoreiras, Rua do Salitre até metade da Avenida da Liberdade. E então, qual era a missão? Era prender a PSP. A PSP representava um perigo, um perigo sério, porque eram homens treinados no manuseio de armas. Podia ser perigoso para a Revolução. O nosso trabalho consistia também em prender a polícia.
Para os desarmar.
Desarmar. Tirávamos a pistola e trazíamo-los presos nos jipes. Tínhamos um jipe, íamos transportando-os para a sala do soldado, um oficial de dia metia-os na sala do soldado. É preciso ver, nessa altura, a cidade de Lisboa, não era como hoje, era muito policiada. A polícia, nessa altura, estava por todo o lado. Era a polícia e os guardas nocturnos. A polícia, não só percorria todas as ruas de Lisboa durante a noite e durante o dia para combater a criminalidade – era a capital do país –, mas também para reprimir e ver se havia alguém que se ‘mexesse’ contra o Estado Novo. Porque na altura até era proibido haver um grupo mais de 4 pessoas. Não podia estar junto. Se a polícia interceptasse, mandava as pessoas dispersar. A polícia era muito presente nas ruas de Lisboa. Por isso prendemos a polícia. Por volta do meio-dia já tínhamos na sala do soldado para aí com 200 homens presos. Não tínhamos comida para eles. Porque, entretanto, não os soltámos porque o comando-geral da PSP não se rendia, estava fiel ao Salazar. Assim como a GNR, que depois foi cercada no Largo do Carmo. Mas não fomos nós. Do nosso quartel só se cingia àquela área. Desempenhou esse papel importante.
E nós tínhamos um comandante, que era o tenente-coronel Vinhas. O tenente-coronel não dormia no quartel, dormia fora. Tinha a família em Lisboa, dormia fora. E quando chegava de manhã, todos os dias, era da praxe lhe prestarem as honras militares. O praça da guarda gritava “às armas”. Depois, saíam os praças da guarda todos, em corrida, apresentavam as armas e havia uma banda de música que tocava marcha para o fascista entrar. Nesse dia, o motorista que trazia o comandante parou, ali onde está a Universidade Nova agora, tem aquele portão.
Onde tinha convocada hoje a conferência de imprensa.
Chega o carro do comandante, ele sai do jipe e pôs-se de pé à espera das honras. Quando o guarda dá um passo em frente, apresenta a arma e diz-lhe que o senhor oficial de dia vinha falar com ele. E ele disse: “e as honras”? Ninguém saiu para lhe prestar as honras. O senhor oficial de dia já lhe dá voz de prisão. Ficou preso.
Mais tarde, foi motivo de chacota outra coisa. Havia lá um senhor velhote, que era o sargento Vasconcelos. Ele já tinha 80 anos e era o dirigente do serviço postal militar, porque o exército tem os seus serviços postais separados. E o senhor geria o serviço postal militar, mas ele era agente da PIDE. Era informador. Estava lá metido para espiar os militares, ver o que é que os oficiais diziam, os praças. Porque muita malta falava contra a guerra colonial, havia panfletos clandestinos que apareciam nos corredores e ele estava ali para espiar, para saber. E então, de manhã, o tal senhor Vasconcelos, chega de manhã ao serviço. Chegava de manhã cedo para o SPM- serviço postal militar. Foi preso também. Achámos caricato, pobre homem já velhote. Mas era mau, porque ele não prestava, informava tudo.
Mas pensa que se esqueceu de tudo isso. De qual era o objetivo precisamente da revolução? Quando olha para este panorama e de tudo o que estava a falar há pouco da Madeira, olhando para o Continente, olhando para a vida dos portugueses, para aquilo que é a vida hoje dos português… Cumpriu-se a Revolução? Existe democracia?
Existe. As conquistas do 25 de Abril, só não vê quem não quer e quem nem sabe o que era antigamente. Antigamente, nem se podia falar, entrar num café ou num botequim, e falar à vontade em política mesmo. Não se podia nem sequer comentar a guerra do Vietname. Comprar um jornal, comprar O Século, os grandes jornais, na altura, traziam notícias da guerra do Vietname, os comunistas que os americanos mataram… Nem isso podíamos comentar num botequim, porque algum informador da PIDE podia informar que estavam ali uns tipos a falar de política. Homem ou mulher, não podia comentar isso.
Mas olhe que hoje existe cesura, um bocadinho mais sofisticada, com as novas tecnologias.
A maior censura que existe atualmente são os tribunais fascistas. Porque o maior inimigo que temos na democracia portuguesa é o quarto poder, dos tribunais. Dizem que são órgãos de soberania, a Constituição diz. Mas não são eleitos. O Presidente da República é um órgão de soberania eleito. A Assembleia da República é um órgão de soberania eleito pelo povo. O Governo. também é um órgão de soberania, porque tem os poderes que os deputados lhe dão na Assembleia da República. E o governo pode legislar. Tem uma autorização da Assembleia da República para fazer certas leis, portanto, é um órgão de soberania.
Depois, aparece o polícia desses órgãos, que é também chamado órgão de soberania, mas não é. São uma organização corporativa que se regem a si próprios. Os juízes são inimputáveis, são inamovíveis nos seus negócios. São independentes. Não derivam da vontade popular nem do voto popular. E aqui é que está o grande problema, porque na realidade são organizações corporativas que vieram do tempo do fascismo. Vieram com armas e bagagens do Estado Novo e implantaram-se na nova realidade democrática. Ainda não foram intervencionadas. As Forças Armadas, o manifesto do MFA, intervém em tudo na sociedade portuguesa. Na parte económica, nacionalizou os bancos nacionais, acabou com os grandes latifúndios no Alentejo, as grandes empresas dos monopolistas foram nacionalizadas. Nacionalizar a banca foi uma coisa muito importante por causa da fuga de capitais. Houve intervenção em todas as áreas da administração pública em Portugal. Menos essa, da Justiça.
Mas, em todo o caso, hoje também tem, por exemplo, Bruxelas. Estamos inseridos no espaço comunitário europeu e muitas das políticas em Portugal nem sequer são decididas aqui.
A Assembleia da República, praticamente, atualmente não tem poder de legislar, embora tenha o poder de co-legislar com o que recebe das directivas. E as leis têm de ser feitas de acordo com aquelas directivas da União Europeia. Vêm todas de lá. É um espaço económico. Aqui está uma perda de soberania que nós temos de ter. Somos obrigados a ter uma perda de soberania e as leis são feitas realmente através da co-legislação. Depois, é preciso não esquecer que os deputados apenas votam de ‘cruz’ aquilo que o chefe do grupo parlamentar diz. Quem faz as leis são os grupos, são os grandes escritórios de advogados ligados aos capitalistas. Mas eles estão inseridos em grupos económicos e então as leis são feitas nos escritórios de advogados. Depois, chegam ali à Assembleia da República, são votadas cegamente, porque o chefe do grupo parlamentar do PS diz.
Não existe liberdade de voto. E pensa que essas leis já vêm feitas ou para favorecer certos interesses?
Acho que as leis são cozinhadas.
Ou são feitas para favorecer os portugueses?
Não. Embora favoreçam os portugueses, são sempre a pensar nos grandes interesses económicos, são sempre para favorecer os grandes grupos económicos. E os deputados votam de ‘cruz’. Aí é importante, nas eleições, que o povo ‘abra a pestana’, e vote em deputados independentes.
É isso que pretende este partido político?
É. Eleger senhores deputados não sejam subjugados à disciplina de voto, deputados que votem segundo a sua consciência e os anseios do povo.
Uma das suas batalhas tem sido a luta contra a corrupção. Já falámos na Madeira, mas aqui também no Continente, vê que existe uma epidemia de promiscuidade, de conflitos de interesses, de corrupção? Ou foi sempre foi assim e não se via?
Isso sempre foi assim só que agora se tornou mais visível graças à comunicação social e também à Internet. Porque agora a informação corre mais, não está tão confinada, está mais espalhada. Mesmo no aparelho salazarista, no Estado Novo, havia corrupção. Mas como não havia liberdade de imprensa, tudo era censurado. Não se sabia e agora sabemos.
O que é que acontece? O grande capital domina os grandes jornais: o Expresso, domina a SIC, domina a TVI. São grandes grupos económicos. A CMTV também é um grande grupo económico. O Público, que é do senhor da Sonae. São grandes órgãos de informação, eles até são bastante liberais e dão notícias. Porque há muitos, se não for um a publicar, outro publica. Mas todos eles têm comentadores e jornalistas que são servis ao grande poder económico.
Sente isso?
Sim. Eles estão ali para escrever artigos de opinião e dar opinião, escrever para denegrir as forças democráticas.
Aliás, esses grupos, essas televisões, têm comentadores também que são políticos. Vimos o caso do Pedro Nuno Santos, que esteve antes a ser comentador.
Exactamente. São comentadores, mas são tendenciosos. Dizem parte da verdade ou deturpam a própria verdade e fazem opinião. E, então, ao fazerem opinião deturpam a opinião dos portugueses, enganam os portugueses.
Porque fazem isso?
Porque são todos seus subservientes ao poder económico. Porque, hoje, um diretor de um jornal pode ganhar 5.000 euros por mês, dirigindo um jornal. Um redactor principal ganha os 5.000 euros. Quem é que pagou? O capitalista da Sonae ou o senhor do Expresso, o Balsemão. O jornalista que está ali a ganhar 5.000 euros por mês ou 4.000 euros, está bem. Não vai arriscar a sua vida e a sua carreira profissional tentando fazer uma reportagem que o patrão não goste.
Fazendo um trabalho que é jornalismo.
Fazem autocensura e essa autocensura leva a ser uma informação domesticada, controlada. Toda aquela informação que não é domesticada, que não é controlada, já tem um inimigo principal, que é os tribunais, que têm o Código Penal fascista. Foi introduzido em 1982. O Código Penal fascista foi introduzido e tem um artigo, o 184, que é o da pelo crime de difamação, injúria, ofensa ao bom nome. Depois tem um artigo sobre a ofensa a pessoa colectiva. Se o jornalista for denunciar uma junta de freguesia que está a ter uma atitude suspeita, a junta de freguesia pode pôr o processo. Se um jornalista for denunciar uma empresa, um hoteleiro rico que não paga aos trabalhadores ou que não paga as horas extras, há um processo de difamação. Os juízes, que são na sua maioria reacionários e fascistas, também ganham bem. Eles condenam o jornalista, o ativista político. “Você está condenado a pagar a indemnização àquele senhor empresário, por difamação e ofensa ao bom nome”. A pessoa está em maus lençóis. Se não tiver sucesso no recurso, acaba sendo condenado e fica sem os bens.
Paulo Morais, que também tem sido uma voz em Portugal na luta contra a corrupção, tem muitos processos, sempre por essas questões, que é uma forma também de perseguir as pessoas e intimidar.
E Ana Gomes também. Por isso é que começam a surgir em Portugal blogues e jornais clandestinos, tal como havia no tempo da ditadura.
Mas estamos em 2024.
Mas é necessário porque o poder fascista dos tribunais não foi erradicado. O sistema fascista dos tribunais funciona pior do que os juízes do futebol. A Comissão Central de Arbitragem tem um organismo que fiscaliza os árbitros nos jogos importantes. Tem uma comissão de observadores que vai analisar os erros. Se forem grosseiros, aquele árbitro não tem condições de exercer, de arbitrar jogos importantes. Vai para as regionais ou vai para os jogos menos importantes. Não pode arbitrar um jogo de importância da Primeira Liga. Ora, não existe esse sistema no aparelho judicial. No aparelho judicial, cada juiz é um órgão de soberania. Ele pode cometer a maior alarvidade, a maior injustiça. Aliás, eles não fazem justiça, eles aplicam a Lei. O juiz não está para fazer justiça, está para aplicar a lei.
Mas quem faz a lei?
São os políticos. Os juízes funcionam como os juízes do tempo de Hitler. No tempo de Hitler, a Gestapo, os juízes nazis, eles, o que é que diziam? Estamos a cumprir a lei. Um judeu tem de fechar a loja, não pode ter a loja aberta. Porque há uma lei que diz que o judeu não pode ter a porta aberta.
O que diz é que podem ser cometidas barbaridades quando se diz que se cumpre a lei.
Exatamente. Um judeu não podia ter carro, até não podia ter bicicleta.
Se ele fosse reclamar no tribunal, o juiz fascista dizia: está na lei. Foi aprovada e estamos a cumprir essa lei. Você não pode ter e está preso, está confiscado. A lógica do sistema judicial é essa.
E têm sido feitas mais leis até ao nível da União Europeia, inclusive para condicionar a liberdade de imprensa também.
Exatamente, para condicionar. Porque, para o grande capital, a liberdade de imprensa é uma ameaça.
Mas agora dizem que é para o combate à desinformação.
A desinformação é um facto, mas o leitor, o ouvinte também consegue sempre distinguir o trigo do joio. Como é que conseguimos saber a verdade? Através da comparação.
Mas, hoje, o que dizem os políticos é que só é verdade o que vem nos grandes meios de comunicação social, dos grandes grupos.
Dizem isso, mas não é verdade. No passado não era verdade e actualmente também não é verdade. Muitas vezes, só os órgãos independentes, até semi-clandestinos ou clandestinos, trazem informação verdadeira. No tempo do Salazar, aqui, em Portugal, se quiséssemos saber o que passava o que se passava no país, tínhamos de ir a um hotel comprar os jornais franceses ou ingleses. Tínhamos de comprar o Times de Londres, o Daily Telegraph, Le Figaro, Paris Match. Tínhamos de comprar aqueles jornais e revistas para saber o que se passava cá. Porque, em Lisboa, havia os correspondentes da imprensa estrangeira que sabiam o que se passava e faziam as notícias. O português que queria estar bem informado – e isso não estava ao alcance de todas as pessoas, só ao alcance das pessoas mais cultas e endinheiradas – iam aos hotéis que recebiam os jornais ingleses, recebiam os jornais franceses para os turistas. As pessoas compravam e viam notícias que nós não sabíamos.
Hoje, para se estar informado como é que se deve fazer?
Como dizia o grande ensaísta António Sérgio: “não leiam obras de uma só escola ou tendência”. É ler todas, ver. E comparar. E a verdade descobre-se pela comparação, pela análise do que eles, os factos. E a comparação das notícias. Isto prova, aquele não prova. E aí chegamos à verdade.
Hoje, há também um mecanismo que tem sido utilizado para perseguir e tentar difamar algumas pessoas, condicionar, que é toda a gente – seja camionista, seja agricultor, seja jornalista, seja ativista – é de extrema-direita. Se diz qualquer coisa que não vem em linha com aquilo que sai nas notícias dos grandes grupos de comunicação social, é de extrema-direita ou isto ou aquilo. Também é uma forma de intimidar.
Exatamente, mas isso insere-se na campanha das forças reacionárias, as forças retrógradas que querem fazer isto andar para trás. Mas isto não vai andar para trás. A Revolução tem recuos e estamos agora numa fase de recuo. Devido à corrupção, que é mais que muita, e que os órgãos de informação difundem amplamente, depois não tem consequências nos tribunais, na punição. Acabam os processos a serem inconclusivos.
Prescrevem.
Veja o caso da ‘Operação Marquês’.
Andam anos, nunca mais acaba.
Leva ao descrédito da democracia e do sistema político. Mas aquilo é propositado para depois as forças da direita surgirem: “isto é uma anarquia; isto não chega a lado nenhum; isto são só ladrões; vamos acabar com a corrupção”. As pessoas aderem porque estão a ver que a corrupção é visível. Queremos é o Salazar. Imagine o que é o André Ventura e aquele senhor da Iniciativa Liberal governarem o país. Proíbem logo a greve, proíbem as actividade cívicas.
Mas uma das questões que estava na mesa no anterior governo do PS era precisamente a questão de proibir até manifestações em determinadas situações, não é?
Sim, exatamente, situações de excepção que ponham em causa a segurança coletiva do país. A pouco e pouco vêm beber a doutrina de Salazar.
Existe, hoje, esquerda e direita neste mundo, em que os grandes grupos económicos têm tanto poder?
Existe. As forças do capital estão acantonadas, aqui, em Portugal, nos dois grandes partidos. O PSD e o PS são partidos do grande capital. Acontece que o PS não é a mesma coisa que o PSD, tem muitos democratas, pessoas que são contra o capital, são anticapitalistas, que são pessoas do proletariado. E essas pessoas não são fascistas, nem são de direita. São enganadas, no entanto as pessoas sabem o que querem. No caso do PS… As forças à esquerda, como o PCP, o Bloco, o Partido Trabalhista – que pode ser um desses, dar o seu contributo –, têm força, expressão, deputados eleitos, então o PS não se desvia. O PS, nesse caso, é puxado por essas forças, é aglutinado. Se for o PS sozinho, cai em derivas.
Até já está a falar-se de haver ali um apoio também com o PSD, eventualmente.
Pois, exatamente, cai em derivas, resvalam para a direita. São os desvios.
Estamos nessa altura em que pode haver mais desvios?
Pode. Se o Partido Socialista tiver nova maioria, ele vai resvalando para a direita. Ou se a esquerda não tiver força suficiente, o PS pode chegar a entendimentos do género bloco central, com o PSD. Resvala para a direita. Mas se as forças democráticas que estão no PCP, que estão no Bloco, que estão no Livre, por exemplo, no Partido Trabalhista –, se elegermos deputados – tivermos força, se tivermos pressão, conseguimos puxar o Partido Socialista para os ideais de Abril.
Costuma falar-se do voto útil, e há também, depois, a questão da abstenção. O que pode dizer aos nossos ouvintes, aos nossos leitores de porque é que deveriam votar no seu partido, no Partido Trabalhista? Que propostas têm, o que é que pode trazer?
Uma melhoria das condições de vida dos portugueses. Pertencemos à União Europeia, mas temos salários baixos. Na maioria das pessoas, o salário não ultrapassa os mil euros e uma boa parte dos trabalhadores e trabalhadoras recebe o ordenado mínimo. As pensões são miseráveis, há pessoas a receber 280 euros, a receber o rendimento de inserção [social], que nunca descontaram, a receber reformas que não ultrapassam os 500 euros. Vão à farmácia e gastam uma parte. As rendas são elevadas. A pessoa já não tem dinheiro para comer. O reformado, assim como a pessoa que ganha o ordenado mínimo, chega a meio do mês e já está a contar os tostões.
Há portugueses a viver sem dignidade.
A viver abaixo do limiar da pobreza. As pessoas andam já não comem o seu bolo na pastelaria, passam fome em casa.
E temos muitos sem-abrigo.
A nossa luta é para essas pessoas. Fazer com que eles tenham reformas decentes, fazer com que tenham salários decentes. Não se pode aceitar que um cidadão que trabalha todos os dias, empobreça. Ele não pode andar sem dinheiro, não se pode aceitar isso. Se a pessoa não tem trabalho, se vive do subsídio de desemprego, aceitamos que essa pessoa recebe uma quantidade muito fraca de apoio, que seja pobre. Mas não se pode admitir que uma pessoa que trabalha todos os dias, que sai todos os dias de casa para ir trabalhar, chegue a meio do mês e não tenha dinheiro para pagar contas.
Muitos jovens estão a ir embora do país.
Muitos jovens emigram. Porque tem estudos. Hoje, graças ao 25 de Abril, a juventude estuda. Antes, só estudavam os filhos dos ricos. Têm estudos, vão para fora. Porquê? Porque vão ganhar três vezes mais do que em Portugal. Depois falta mão-de-obra aqui e recebemos os imigrantes, como os que vêm do Bangladesh, que vêm dos países lusófonos. Os portugueses emigram, saem daqui, e essa mão-de-obra tem de ser substituída.
Também, infelizmente, às vezes ficam em condições sem dignidade.
Não têm. Mas isso é consequência também dos baixos salários que se praticam cá. Na óptica do imigrante, ele recebe o ordenado mínimo e aceita qualquer trabalho. Vai ganhar o ordenado. Ou vai dormir numa barraca ou vai dormir de boa forma improvisada com 3 ou 4 companheiros no mesmo quarto ou no mesmo apartamento, porque não pode pagar mais que 200 euros de renda, precisa dos outros 600. Os outros 600, gasta 350 para comer, consegue guardar 200 euros. Manda 200 euros para o Paquistão ou para o Bangladesh e é uma fortuna. Manda para Cabo Verde e é uma fortuna. Manda para o Brasil e multiplica-se cinco vezes.
Mas o objetivo do partido é trabalhar muito para as pessoas vulneráveis, para as pessoas que mais precisam, com políticas para aumentar os seus rendimentos?
Os seus rendimentos, sobretudo, por exemplo… há pessoas que vivem já no submundo da sociedade. É aquele tipo de pessoas que o sistema capitalista rejeita. Digamos que é como um escape do motor de um carro. Aqueles gases que saem são nocivos para o motor e o motor expulsa-os para a atmosfera. São aquelas pessoas que o mercado capitalista não aceita porque não têm formação, porque são toxicodependentes, alcoólicos, são pessoas consideradas inaptas para o sistema e ficam abandonadas, doentes, etc. Essas pessoas nem sequer constituem uma força de reserva. O capitalismo costuma ter uma força de reserva, que são os desempregados, que vai buscar. Mas há as pessoas marginalizadas que já desceram tanto na escala social que o sistema não aproveita e elas vivem na rua. Ou vivem a mendigar, vivem de subsídios, do subsídio de inserção, completamente abandonadas. São presas fáceis para a toxicodependência. Essas pessoas, ninguém se importa com elas. Quando cometem crimes, são detidas na prisão. Quando vendem drogas, são detidas na prisão. Ora, aí não existe uma política de recuperação dos cidadãos, que é o que nós defendemos.
E o alcoolismo, que também não se fala muito no alcoolismo, mas que…
Corrói a sociedade e destrói as pessoas. O que pretendemos fazer é fazer com que o próximo governo tenha um Ministério só para cuidar das pessoas que vivem em situação de pobreza, abaixo do limiar da pobreza, que se dedique a isso, a criar programas de reinserção social. As pessoas que estão à margem têm de ser tratadas, têm de ser cuidadas, têm de ser recuperadas. Uma boa parte delas são recuperadas para a economia. Não podemos aceitar que haja prisões cheias de delinquentes – por vezes por crimes que não são graves, roubos, tráfico de drogas – e que aquelas pessoas estejam ali, fechadas, quando deviam ter, através de um programa de reinserção social, uma formação académica, uma formação profissional. E desintoxicação, quando eles já estão doentes pela droga. Essas pessoas têm de ser recuperadas para, quando acabam de cumprir pena, serem restituídas à sociedade com condições para trabalhar. P quando soltam as pessoas cumprem as penas, abandonam-nas. O cidadão chega cá fora desamparado, com o estigma de ter estado preso e depois ninguém lhe dá trabalho. E tem de voltar outra vez à mesma prática, à mesma vida. Cria-se um círculo vicioso. Não se gasta dinheiro nisso. Gasta-se dinheiro em tanta coisa, menos nisso, na reinserção das pessoas.
Não têm capacidade depois de entrar no mercado de trabalho.
Não, porque o mercado rejeita. Olham para a pessoa, a pessoa tem mau aspecto, não faz a barba. Se é uma, não vai ao cabeleireiro, não tem dinheiro, tem os dentes por arranjar. Olham vêm, na cara da pessoa, que está marginalizada e não dão trabalho. A pessoa está estigmatizada e é ostracizado e fica no abandono, entregue a si própria, e tem de voltar a fazer a mesma coisa.
Portanto, o partido defende políticas para essas pessoas, um Ministério específico.
Tem de haver um Ministério que só se ocupe disso, como existe o Ministério do Ambiente para tomar conta do ambiente, dos rios.
Porque entende que é uma emergência social?
É uma urgência porque uma sociedade não pode sã quando uma parte dela vive estigmatizada, vive abandonada. Numa sociedade democrática, não se pode aceitar que haja homens e mulheres, cidadãos, a dormir nas ruas.
E crianças, jovens…
Não se pode aceitar. Hoje, não se pode fazer como a avestruz, que põe a cabeça na areia, o corpo todo ao vento e a cabeça na areia para não ver a tempestade de vento. A avestruz faz um buraquinho na areia, mete a cabeça lá e espera que a tempestade passe. Não podemos fazer isso. Nós temos de ter uma atitude pró-ativa.
Mas nas eleições, é típico os portugueses ouvirem, seja nas eleições presidenciais, sejam legislativas ou outras, promessas de acabar com os sem-abrigo, arranjar programas de apoio. Mas o que é certo é que continuamos a não ver isso, parece que há uma dificuldade.
Não, não se dedicam as verbas suficientes. Geralmente, os partidos políticos e os governos passam para a Polícia de Segurança Pública resolver isso. A polícia prende, mas a polícia não pode dar formação profissional, não pode tratar psicologicamente, as pessoas que estão ‘agarradas’ a droga tem de se recuperar com psicólogos, porque muitos são doentes mentais, têm de vistos do domínio da psiquiatria.
Aliás, as próprias forças de segurança têm estado nas ruas e elas próprias têm carências.
Os governos empurram para a polícia. A polícia prende, pronto. Os tribunais não aprendem com eles, cometem muitos crimes e depois não faz mais.
É uma questão de curar e tratar aquele ser humano, não é?
Exatamente. Muitas vezes, aquele ser humano, é um doente, é uma pessoa que está doente mentalmente, tem uma doença mental, precisa ser tratado ao nível da psiquiatria, é impossível. Biologia tem de ser recuperado na verdade.
Nos últimos anos, houve também uma epidemia em termos de saúde mental, sobretudo nos jovens que ficaram muito tempo fechados em casa, confinados, houve abandono escolar, etc. E muitos jovens, e a população em geral, não tem acesso a psicólogos ou psiquiatras, ou até dentistas.
Não tem. O problema do jovem precisa de ser encaminhado para atividades sadias. Hoje, vão para as discotecas, para os bares noturnos, onde consomem muito álcool e depois também se iniciam nas drogas.
Mas o álcool não é visto em Portugal com uma questão de drogas que não é, não é tão levado a sério, não é pesar dos acertos rivais.
Não, mas é perigoso porque traz a juventude para maus caminhos, iniciam-se na droga e começam aí, no convívio uns com os outros. O Estado tem de restringir a venda de bebidas alcoólicas. Não pode fazer como nos Estados Unidos fizeram na lei seca, mas pode dizer: “todos estes bares noturnos encerram à meia-noite, não podem estar abertos até às 4 da manhã, onde as pessoas, os jovens, andam bêbados às 4 horas da manhã. Vão para casa, vão todos jogar garrafas para um lado e outro, não pode ser. Tem de haver fiscalização.
Se houvesse fiscalização, não havia esse abuso.
Não haveria, porque não há aí… Depois, os bares têm de fechar mais cedo. O Estado não pode estar a ganhar dinheiro com álcool. Os narcóticos que eles licenciam ou os estabelecimentos nocturnos e ganham dinheiro com isso aos impostos das bebidas, tabaco, os impostos de porta aberta, o Estado não pode estar a lucrar dinheiro, a tirar de impostos de atividades ilícitas que são más para os jovens, para o ser humano. Tem de haver uma restrição ao funcionamento dos bares nocturnos.
Até para prevenir aquelas situações, depois de marginalidade, temos já aqui ainda temos alguns minutos de entrevista, mas já não temos muitos e para também continuarmos aqui focados nas vossas propostas, temos vivido. Já falámos uma crise na habitação, mas também no Serviço Nacional de Saúde. Temos os agricultores nas ruas, as forças de segurança, já tivemos os professores. Enfim, em termos de propostas, como é que vê algumas destas áreas? Se têm algumas soluções e o que é que nos pode dizer?
A saúde é importante. Nós avançámos muito porque, antes do 25 de Abril a saúde era só para quem tinha dinheiro. Hoje, ser tratado de graça, ir a umas urgências e ser tratado de graça, ser atendido, 24 horas por dia, a pessoa adoece em casa, vêm os bombeiros buscar. Isso é um luxo. Antes do 25 de Abril não era assim. Era só para quem tinha dinheiro. Quem não tinha dinheiro morria em casa com tratamentos paliativos.
Ou seja, chora-se de barriga cheia.
É claro que o Serviço Nacional de Saúde, tendencialmente gratuito, tem carências. Obviamente, tem carências, precisa de mais médicos, mais profissionais e eles não abundam. Por que muitos vão para a reforma e outros vão trabalhar para o estrangeiro? Mas temos de criar condições económicas atractivas para atrair os profissionais. Também haver fiscalização do acto médico, porque há muitos hospitais no Serviço Nacional de Saúde em que o médico trata de arranjar clientes para a sua clínica privada, faz concorrência desleal. Há hospitais em que o médico não tem controlo biométrico. Chega lá e umas horas depois vai-se embora e ninguém controla. Ganha as horas todas.
Também tinha de haver um acompanhamento.
Tem de haver acompanhamento ou intervenção, senão a corrupção também está no aparelho de saúde.
E alguns hospitais têm gastos que não estão assim tão bem justificados, em alguns casos, como noticiou recente o PÁGINA UM, relativamente a um hospital em Braga.
Muitas vezes, há um médico do Serviço Nacional de Saúde que manda fazer exames que não são precisos. São precisos dois e ele manda fazer 4 ou 5 e eu depois não dá para fazer os exames no hospital público, manda fazer num laboratório privado, tem de ter dinheiro para pagar, se não tem não faz. Há uma concorrência desleal e isso tem que ser fiscalizado.
E na Habitação, tem alguma proposta a que possa falar? Como é que vê esta atual crise? Acha que é passageira? Já está aqui há algum tempo em todo o caso…
A crise não é passageira. É permanente. Como a Constituição garante esse direito, o Estado tem que fazer habitação social, construir. Como se fez nos anos 90 para se acabar com as barracas que havia em Lisboa. Ao haver oferta de habitação do Estado, o preço do privado baixa.
Mas tem muitos estrangeiros também a comprar casas para investimento.
Pois tem, mas há lugar para todos. Tem de haver habitação social e cooperativas de habitação, o Estado tem de criar institutos de habitação, construir, fazer habitações a custos controlados que a pessoa possa pagar para ter o seu apartamento a sua. Essa é uma forma de acabar com a crise da Habitação. Porque tentamos alugar uma casa, os preços estão empolados, muitos imigrantes endinheirados, muitos turistas vêm para cá e compram. Ora, não podemos impedir o funcionamento do mercado, mas podemos intervir, equilibrar a balança. Se houver uma oferta pública muito grande de habitação, os próprios imóveis privados, os senhorios, são obrigados a baixar o preço porque não tem clientes. Isto é a lei da oferta e da procura.
Portanto, vai equilibrar?
Os outros tendem a baixar, porque tem de se igualar, tem que seguir as regras do mercado, se não, se não.
Orador 1
Estamos a aproximar-nos do final da entrevista. Além das legislativas, há depois as europeias. O vosso partido tem ambições também nas eleições europeias?
Temos ambições. Se não tivermos ambição, a nossa luta acaba, na verdade. Temos de sonhar. O nosso partido é um partido de utopia, é tornar o impossível possível. Não aceitar como natural aquilo que se vê todos os dias. O revolucionário é isso. Não aceita como natural aquilo que vê todos os dias.
Não se conforma.
Não se conforma, como diz Bertolt Brecht. Vivermos um pedaço de utopia e transformá-lo em realidade. Por exemplo, para eleger um deputado ao Parlamento Europeu é preciso para a 200.000 votos. É claro que é utópico conseguir essa votação toda, mas não se perde a esperança. É possível, basta os portugueses quererem. Aqui, através do PÁGINA UM, é uma maneira de chegar a centenas de milhares de portugueses e eles podem muito bem acreditar em nós e na nossa luta e votar. É difícil, mas não é impossível.
E no caso de José Manuel Coelho, também já tem 71 anos. O que é que o move para querer continuar a intervir?
O que me move é o sonho. Sou levado pelo sonho, pela tal utopia. E a utopia não conhece idade. É um sonho, que é imaterial, que se apodera da mente da pessoa.
E que sonho é esse?
É uma sociedade sem classes, é uma sociedade onde não haja exploração do homem pelo homem. Esse é o objetivo principal. Mas nós não podemos cair no erro do Partido Socialista. O Partido Socialista canta a Internacional, depois não levam à prática. Quando vai à prática, há um desfasamento, um afastamento do ideal comunista socialista.
Vão à missa, mas não praticam.
Exatamente, não praticam. O nosso objetivo, como partido de esquerda e partido de Abril é recentrar a luta nos ideais do socialismo, o fim da exploração do homem pelo homem, a construção científica da sociedade, onde não haja exploradores nem explorados. Ainda há pouco referiu o flagelo dos sem-abrigo, as pessoas marginalizadas. Uma sociedade sem pessoas exploradas. Porque as pessoas que caem na indigência, são marginalizadas pelo sistema, o sistema cria.
E era sobre isso que acha que se deveria falar agora, quando vierem as grandes comemorações do 25 de Abril, os 50 anos era sobre isso que se devia falar?
Devia-se falar, sim. Porque ainda hoje estive em Caçadores (BC5), exactamente para voltar a isso. Porque esses valores estão esquecidos. Os jovens, hoje, não sabem o que é o 25 de Abri. O 25 de Abril, para a maior parte dos jovens, é uma marca de cigarros. Não sabem.
Já há correntes e há alguns artigos publicados que dizem que, para aplicar determinadas políticas – das alterações climáticas, etc –, se calhar, a democracia não é muito boa. Se calhar é preciso repensar a democracia.
A democracia faz-se todos os dias e é passível de aperfeiçoamento, pode ser repensada, é revisível. Porque é como diz o Gaston Bachelard, o grande filósofo francês: a ciência é revisível e a política é uma ciência. Descartes tinha a ideia que, quando uma coisa é demonstrada cientificamente, torna-se uma verdade universal. É aquela verdade. Gaston contraria um pouco essa teoria. Descartes foi o pai da ciência moderna e Gaston aperfeiçoou-a. Ele dizia: a Ciência é revisível.
Não há dogma.
Não há dogma. Pode ser reestudado para um quadro melhor. E a política também é uma atividade científica. Para nós, no Partido Trabalhista, a política é uma ciência e é revisível e, portanto, é passível de aperfeiçoamento, de ajustamentos e isso é uma forma constante. Antigamente, quando começou a democracia, as mulheres, por exemplo. não podiam votar. A Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar. O voto era censitário. Tínhamos de ter certa quantidade de propriedades em nosso nome. Tinha de ser um proprietário. O pobre não votava, era só os senhores. Depois, as mulheres também não votavam, passaram a votar, passaram a ter os seus direitos, a sua liberdade, graças também ao 25 de Abril, que libertou a mulher. Hoje, a mulher trabalha com um homem. Trabalho igual, salário igual. Tem direito aos seus direitos, é um cidadão.
Portanto, é para aperfeiçoar, continuar a aperfeiçoar.
É para aperfeiçoar.
N.D.
No caso do PTP, o PÁGINA UM acedeu a entrevistar o vice-presidente do partido, em substituição do presidente, Amândio Madaleno, por este se encontrar indisponível para entrevistas por motivos pessoais.
Não colocamos aqui link para o PTP, pois o partido não dispõe de página na Internet com o seu programa.