No próximo dia 25 de Abril de 2022, o actual regime irá completar 17.532 dias, ultrapassando o Estado Novo, que durou 17 499 dias.
Pela semelhança de duração, julgo estar na hora de realizar um balanço; no fundo, aquilatar os resultados obtidos em cada período. Sem pruridos. A democracia, ser democrata, devia significar não ter medo de comparações.
Esta avaliação política seguramente não irá ocorrer nas próximas comemorações do 25 de Abril, onde os nossos representantes, por razões óbvias com uma fralda a tapar-lhes a cara – em 2020 não podia haver mascarados –, irão proferir discursos encomiásticos à nossa insigne democracia, por contrapartida às misérias e desgraças do Estado Novo.
A incessante entoação de panegíricos ao regime também conta agora com uma comissão organizadora dos 50 anos, presidida por um apaniguado, que terá direito a uma sinecura de seis anos, com um salário mensal de cerca de 4.500 euros brutos e um préstito de assessores.
Uma das bandeiras do actual regime é o desenvolvimento económico. Será mesmo assim?
Será que a economia portuguesa tem convergido com economias desenvolvidas ao longo dos últimos 170 anos?
Se analisarmos a evolução do produto interno bruto (PIB) per capita de Portugal, corrigido pela paridade do poder de compra (PPC), em relação a uma média simples de 12 países desenvolvidos para os últimos 170 anos, podemos constatar que o período do Estado Novo foi aquele de maior enriquecimento dos portugueses.
A 1ª República deu continuidade à divergência económica que ocorreu durante todo o século XIX, em que Portugal ficou completamente relegado à irrelevância, com uma queda de 7,6 pontos percentuais. Em 1974, o PIB per capita de Portugal era de 57,5% da média aritmética do PIB per capita de 12 países desenvolvidos, uma subida de mais de 30 pontos percentuais.
O que logrou o presente regime?
Para além de três bancarrotas – seguramente virá aí a quarta –, apenas uma convergência positiva de 4,8 pontos percentuais ao longo de 46 anos. No entanto, com uma agravante: a dívida pública encontra-se agora na estratosfera. Nunca na História de Portugal tivemos uma dívida desta dimensão.
No final de 1974, a dívida pública em percentagem do PIB era de apenas 13,9%; actualmente, situa-se acima em 127,4%. Ou seja, enquanto o Estado Novo reduziu-a em 60 pontos percentuais, o presente regime presenteou-nos com uma subida de 114 pontos percentuais.
Para elevar a dívida pública ao Olimpo, o actual regime serviu-se do seu carácter frascário: estádios sem espectadores, duas e três auto-estradas para o mesmo trajecto, parcerias público-privadas sem risco e com retorno assegurado para os amigos, aeroportos sem passageiros e aviões, comboios de alta velocidade que nunca saíram do papel, clientelas em casa sem trabalhar enquanto decorria uma “pandemia” anunciada por uma imprensa obnóxia.
Em resumo, esta mísera convergência económica foi alcançada com uma dívida pública astronómica, que se agravou substancialmente a partir de 2000 com a adesão ao Euro, esse projecto, anunciado na altura pelo actual possidónio que lidera a ONU, que nos ia retirar das profundezas do atraso económico.
No que respeita ao mercado de capitais, em lugar de melhorarmos, simplesmente estamos muito pior, apesar de um autêntico exército de reguladores e polícias de mercado. O actual mercado de capitais vale apenas 38% do PIB, enquanto em 1974 valia 66%.
Quem não se recorda da equipa do ex-vendedor de PCs Magalhães, aquele que recebeu um milhão de contos num cofre da sua mãe – até hoje ainda não descobrimos como os converteu em euros -, e que se encarregou de destruir várias empresas cotadas na bolsa de Lisboa, em conluio com o então DDT do regime?
O que tem acontecido nas últimas décadas desde a adesão ao Euro?
Não parámos de descer na ordenação descendente do PIB per capita.
Entre 1999 e 2020, passámos de 15ª posição, num conjunto de 25 países da União Europeia, para o 19ª. Em 2021, fomos ultrapassados pela Hungria; agora, corremos o risco de sermos ultrapassados pela Roménia: um país que viveu durante décadas um pesadelo comunista!
A Grécia, o país que nos tem acompanhado na vida de mendicante, com uma dívida pública colossal, acima de 220% do PIB, e que tem passado a vida a solicitar perdões de dívida, está agora em risco de ser ultrapassada pela Bulgária!
Já não falta muito para nos tornarmos junto com a Grécia um dos países mais envelhecidos do mundo e a caminho de ser o carro-vassoura da Europa: vamos seguramente disputar o pódio com os gregos em breve.
Somos agora, além de tudo isto, um país envelhecido, resignado, manietado e que aceita sem qualquer assuada todas as directrizes do poder, independentemente de as mesmas terem qualquer base constitucional. O que importa é a reforma, o subsídio ou a sinecura junto do Estado; esse é o desejo de qualquer jovem licenciado que deseja ter uma “vida sossegada”.
Aqueles que desejam alcançar algo na vida, nada mais lhes resta do que emigrar, atendendo que a produção de riqueza é tributada com enorme violência. Em 2018, a receita fiscal em percentagem do PIB era de 37,1%, quando no Estado Novo não superava os 15%, apesar de ter enfrentado uma guerra colonial a decorrer em várias frentes.
Estamos agora sem qualquer soberania. A soberania monetária foi entregue há muitos anos ao Banco Central Europeu (BCE). A partir de então temos passado a viver de mão estendida, à espera de que esta entidade nos adquira a nossa dívida pública para que possamos pagar as contas.
A soberania política também não existe, a maioria das nossas leis é aprovada em Bruxelas sem qualquer controlo democrático.
O nosso Parlamento apenas serve para ratificar o que lá se aprova, e enviar comitivas a Bruxelas para suplicar a mutualização da dívida pública europeia, que aconteceu como uma medida de “combate à crise pandémica”.
Os líderes do regime não cabiam em si de contentes, quando a grande líder, eleita ao melhor estilo de uma ditadura comunista, nos visitou para anunciar que não só iria haver dívida mutualizada, mas também a bazuca europeia estaria a caminho.
Apenas se esqueceu de dizer que a Europa não tem dinheiro, e que irá utilizar a impressora do BCE para “produzir” aquele que nos faz falta. Ao mesmo tempo, todos vão assobiar para o ar e acusar a Rússia pela inflação desta loucura monetária que estamos a viver.
E para que servirá o dinheiro da bazuca? Enquanto a inflação dispara e destrói o poder aquisitivo da população, os hábitos dissipadores dos nossos líderes vão continuar de boa saúde.
Podem continuar a vencer eleição atrás de eleição com a maior das felicidades, anunciando promessas com o dinheiro dos outros, alimentando clientelas eleitorais – reformas, pensões e subsídios – e pagando à imprensa para se manter submissa e incapaz de qualquer escrutínio.
Com uma população submissa e envelhecida, incapaz de compreender o empobrecimento contínuo e a riqueza de uns poucos, tudo será cada vez mais fácil.
Em conclusão, a ópera-bufa que irá ter lugar daqui a uns dias, acompanhada de panegíricos sem qualquer sentido, será o símbolo perfeito da decadência a que chegámos.
De um país que foi a moeda reserva do mundo entre 1450 e 1530; que foi pioneiro da globalização; que realizou um dos maiores desembarques anfíbios da História – a tomada de Ceuta, em 1415 –; que possuía a quarta capital europeia mais populosa no início do século XVIII; que enfrentou sozinho a esquadra do império otomano em 1717; que foi, até ao final do século XVIII, um dos países mais ricos do Mundo, é agora o gracejo da Europa.
O seu supremo prócere máximo até liga agora para um programa em directo para felicitar a senhora que o realiza aos guinchos e aos berros.
O actual regime faz bem em manter a estátua colossal do facínora no topo da Avenida da Liberdade, pois partilha com o Estado Novo o desprezo absoluto pelas liberdades dos portugueses, e a homenagem a tal tirano. Nisso estão juntos com Salazar!
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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