Recensão: Carlos Antunes - Memórias de um Revolucionário

O inconformado

por Elisabete Tavares // Setembro 19, 2024


Categoria: Cultura

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Título

Carlos Antunes Memórias de um Revolucionário

Autor

ISABEL LINDIM

Editora

Oficina do Livro (Abril de 2024)

Cotação

13/20

Recensão

Um homem pode ser um herói ou um vilão, dependendo de quem relata a sua história. Neste livro de memórias relatadas na primeira pessoa e recolhidas pela sua enteada (Isabel Lindim), Carlos Antunes sai, sobretudo, com a imagem de alguém que nunca se conformou com as coisas.

Sem dúvida, que Carlos Antunes, que liderou com outra dissidente do PCP, Isabel do Carmo, a criação das Brigadas Revolucionárias (BR), será um vilão para muitos, ou mesmo um terrorista. A organização esteve por detrás de vários atentados e assaltos. Também para a PIDE, a polícia política do Estado Novo, era visto como um delinquente perigoso. 

Para muitos da extrema-esquerda, Carlos Antunes, será um herói, bem como todos os que participaram nas acções da BR.  As actividades da BR mantiveram-se mesmo após o 25 de Abril e acabaram por ser seguidas e ainda mais radicalizadas pelas FP-25. 

Carlos Antunes não queria ir para a tropa. A clandestidade salvou-o do serviço militar. O seu caminho ficou traçado. Acreditava ser um pacifista ("e ainda hoje tenho essa mania", afirmou, citado na obra). 

Para mim, nascida em Abril de 1974, é surreal (e aterrador) ler os relatos de  quem fez testes a bombas na serra da Arrábida, em preparação para assaltos e atentados. Mas ler este livro é isso: ver, por dentro, como foi que actuaram alguns destes militantes de extrema-esquerda na luta contra a ditadura e mesmo depois da chegada da democracia. O que sentiam, como viviam, com quem falavam e se relacionavam.

Ler esta obra pode causar indigestão a alguns. Pode deixar outros inspirados. Será útil para investigadores e historiadores. Permite ter um vislumbre, a partir de dentro, de um movimento que se radicalizou na busca de uma sociedade que queria que fosse mais justa e solidária, nomeadamente com os povos das antigas colónias ultramarinas. 

Numa altura em que políticas e ideologias de raiz totalitária renascem nos governos no poder de países do Ocidente, nomeadamente na Europa, esta pode ser uma obra para se reflectir. Vivemos, actualmente, numa era em que regressam a censura, a eliminação da liberdade de expressão, a perseguição a "dissidentes". Hoje, os meios de censura e perseguição são as leis e o silenciamento das opiniões no espaço digital. A cultura de cancelamento e ostracização laboral, económica e social. A propaganda nos media está em níveis máximos. Vivemos in loco a obra distópica '1984', de George Orwell. Por isso, o conhecimento da História é cada vez mais relevante. Para que não se caia nos mesmos erros. Nem no lado dos governantes e ditadores, nem do lado de quem combate as ditaduras. Para que o futuro possa ser moldado, não por ditadores nem por extremistas e radicais, mas por inconformados moderados. 


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