Título
A fera na selva
Autor
Henry James (tradução: Ana Maria Pereirinha)
Editora (Edição)
Dom Quixote (Janeiro de 2023)
Cotação
18/20
Recensão
Publicada há 120 anos, Uma fera na selva mantém-se, nem que seja metaforicamente, jovial, no sentido de ser uma novela actual na sua complexidade psicológica e nas suas inúmeras subtilezas, que tão bem retratam a natureza humana: a vida, em si mesma, o tempo, as ânsias e as obsessões, as oportunidades (perdidas também) e a própria decadência e morte.
Retratando a vida, ou a vida desaproveitada, de John Marcher – um homem que (sobre)vive na expectativa de um evento extraordinário que o tornará diferente dos demais (não se sabe se para melhor, se para pior) –, nesta novela Henry James cruza-o com May Bartram, uma mulher que, confidente inicial de um “segredo”, o acompanha pacientemente nas suas inseguranças e ânsias, numa estranha dinâmica que não permite nem avanços nem recuos para qualquer relação, que parece estar ali a gritar entre os dois. Ambos aguardam assim, mais ele que ela, mas ambos aguardam.
“A forma real que esta relação o deveria ter tomado, tal como se apresentava, era o casamento de ambos. O diabo era que, justamente porque se apresentava assim, tornava o casamento impossível. A convicção, a apreensão, a obsessão dele, em suma, não era um privilégio que pudesse pedir a uma mulher para partilhar; e essa consciência era justamente o que o atormentava. Alguma coisa estava à sua espera, entre as circunvoluções dos meses e dos anos, como uma Fera agachada na Selva, a preparar o salto. Se a Fera estava destinada a matá-lo ou a ser morta por ele, era irrelevante” (pg. 34).
Enfim, os dois personagens passam pelas respectivas vidas, de forma lenta e com a "fera", omnipresente mas invisível, até que, efectivamente, algo sucede, mas, quando sucede, na verdade, a sua apreensão é já tardia e irremediável para John Marcher.
Notável pela maneira e estilo da narrativa e seus diálogos ambíguos e subtis– que tornam a novela bastante complexa e aberta a várias leituras, daí que ser obra conhecida pela dificuldade de tradução –, Henry James explora magistralmente a natureza da vida, do amor e da perda (ou do não-ganho), onde uma selva metafórica – a vida e a sua imprevisibilidade – estão sujeitas (ou não) à ameaça de uma também metafórica fera, temida por ser desconhecida e imprevisível (embora certa, pelo menos para Marcher; não tanto, talvez, para May).
Novela de múltiplas interpretações, A fera na selva pode ser entendida também como uma metáfora sobre a nossa constante luta interna sobre o sentido da vida, sobre as nossas opções e sobretudo sobre as hesitações que, se se mantiverem ao longo da vida – como sucedeu com John Marcher – nos surpreende apenas, à laia de saldo final, com uma terrível perda sem qualquer ganho. Na verdade, nem sempre quem espera sempre alcança. Pode apenas perder-se, sem glória.