Recensão: A guerra dos chips

Um pé de guerra pelo “novo petróleo”

por Maria Afonso Peixoto // Julho 30, 2023


Categoria: Cultura

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Título

A guerra dos chips

Autor

CHRIS MILLER (tradução: Diogo Freitas da Costa)

Editora

Dom Quixote (Julho de 2023)

Cotação

16/20

Recensão

Muito se tem dito sobre o fim da hegemonia dos Estados Unidos, e o início de uma nova era onde outras potências adquirem destaque internacional, sobretudo a China, o seu principal adversário. Teme-se, digamos assim, que o verniz mais do que estale entre estas duas nações, em grande parte devido às tensões envolvendo Taiwan.

Contudo, como Chris Miller demonstra em A guerra dos chips, por enquanto, se “guerra" há, esta vai-se travando com outras armas: os chips. 

Professor de História Internacional na Tufts University’s Fletcher School, e investigador convidado no think-thank American Enterprise Institute, o autor deste best-seller do New York Times ocupa também o cargo de director para a Eurásia no Foreign Policy Research Institute. Eis, portanto, um verdadeiro especialista nas relações entre os Estados Unidos e a Rússia, a política externa russa e a história das relações norte-americanas com o estrangeiro, como se vê por algumas das suas obras, como The Struggle to Save the Soviet Economy: Mikhail Gorbachev and the Collapse of the USSR e ainda Putinomics: Power and Money in Resurgent Russia.

A narrativa desta sua obra, agora publicada em Portugal, assemelha-se ao enredo de um filme de acção, em que os protagonistas se debatem pela vitória, enquanto os acontecimentos se vão adensando e tornando cada vez mais imprevisíveis, fazendo-nos colar ao ecrã. E o propósito será mesmo esse, uma vez que A guerra dos chips mostra ser uma espécie de thriller de não-ficcão e, por isso, o autor confere-lhe uma boa dose de intensidade dramática. Nesta história da vida real, o que está em causa é a cobiça pelo lugar cimeiro na indústria dos semicondutores – e é isso que assegurará a consolidação e manutenção do poder, a nível global, a quem o alcance. 

Ao longo de cerca de 450 páginas, Chris Miller recua até às origens desta tecnologia, que diz ser o “novo petróleo”, e explica em detalhe como se tem desenrolado, neste campo de autêntica batalha, a luta entre os Estados Unidos e a China. Fala do caso das sanções à Huawei, que fizeram manchetes no início deste ano, mas que foram apenas uma das medidas que os Estados Unidos já tomaram para tentar evitar, ou atrasar, a ascensão da China neste sector. 

Os chips, como se sabe, são uma peça fundamental de variados equipamentos, e o autor lembra-nos como uma grande parte da nossa existência está profundamente alicerçada nesta tecnologia. Desde os micro-ondas, smartphones, frigoríficos, computadores, à Bolsa de Valores e ao armamento, o Mundo como o conhecemos hoje não existiria sem estes minúsculos objectos. Na verdade, “grande parte do PIB Mundial é produzido com máquinas que só funcionam com semicondutores. Para um produto que não existia há 75 anos atrás, esta é uma evolução extraordinária”. (pág. 34)

Não é, assim, de espantar que a China esteja tão apostada em destronar os Estados Unidos, gastando já mais dinheiro a importar chips anualmente do que em petróleo. No caminho, tem tentado fintar as duras restrições aplicadas pelos Estados Unidos, como a Lei dos Chips, e outros entraves à sua capacidade de produção, como os controlos à exportação de materiais necessários.  

Para sabermos se será, ou não, bem-sucedida, teremos de esperar pelos próximos capítulos, mas aquilo que Chris Miller salienta é que se pode estar na iminência de uma mudança abissal no panorama geopolítico, alterando o equilíbrio das relações económicas internacionais e do poder militar. O seguinte trecho resume o seu argumento: “A Segunda Guerra Mundial foi decidida pelo aço e pelo alumínio, logo seguida pela Guerra Fria, que foi definida pelo armamento atómico. A rivalidade entre os Estados Unidos e a China pode muito bem ser decidida pela capacidade computacional”. (pág 29)

Até a famosa Sillicon Valley, que é também central nesta indústria, deve ao seu nome ao material com que se fabricam os chips. Como Chris Miller destaca pertinentemente, a Internet e as redes sociais, de que hoje estamos tão dependentes, só existem graças à genialidade de alguns cientistas, e “porque os engenheiros aprenderam a controlar o mais diminuto movimento dos eletrões na sua corrida através de superfícies de silício. A 'Big Tech' não existiria se o custo de processar e memorizar 0 e 1 não tivesse caído um bilião de vezes nas últimas cinco décadas”. (pág. 32)

Mas se é inegável a relevância desta tecnologia neste nosso Mundo globalizado, também é verdade que a sua importância assume contornos mais delicados, tendo em conta que a produção se concentra num reduzido número de companhias, que, ainda por cima, se localizam em países vulneráveis a conflitos bélicos ou até a desastres naturais, como terramotos – como é o caso de Taiwan e do Japão. 

No entanto, o "fantasma" mais assustador, que paira sobre a gigante indústria dos chips e, acima de tudo, sobre o Ocidente, é a de uma Terceira Guerra Mundial entre os Estados Unidos e a China. 

A guerra dos chips “troca por miúdos”, assim, tanto quanto é possível num assunto deste calibre, as dinâmicas perigosas entre as duas potências que continuarão, previsivelmente, a digladiar pelo "domínio" do Mundo, num verdadeiro duelo de titãs. 

No final desta colossal e fascinante obra, Chris Miller confessa que “escrever este livro foi só ligeiramente menos complexo do que fazer um chip” (pág. 451), o que, passando o humor ou ironia, acaba por mostrar, com justiça, o grau de minúcia, investigação e de esforço de simplificação que ele colocou num tema tão complexo mas tratado com mestria.

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