O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), tutelado pelo ministro do Ambiente Duarte Cordeiro, contratou a Impresa, detentora do Expresso e da SIC, para garantir a cobertura mediática de um evento. A SIC Notícias disponibilizou uma pivot para ser mestra-de-cerimónias e o Expresso publicou uma notícia sobre a iniciativa conforme contratado, escrita por um jornalista que trabalha numa empresa de comunicação. Com este contrato fica-se a saber que por 19.500 euros consegue-se uma cobertura mediática favorável no Caderno Principal do Expresso. “Em nada as parcerias do Grupo Impresa condicionaram alguma vez a liberdade do Expresso”, garantiu ao PÁGINA UM não o director do Expresso, mas sim uma agência de comunicação que representa a empresa fundada por Pinto Balsemão.
Para os leitores do semanário Expresso, a página 24 da edição da passada sexta-feira do Primeiro Caderno continha apenas uma notícia. Neste caso, sobre Áreas Protegidas e mais em concreto abordando um certamente meritório plano do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF): o Missão Natureza 2022. A notícia surgia assinada como todas as restantes notícias daquela edição do semanário do Grupo Impresa. Por um jornalista, portanto.
Normal e natural, por isso, conter o artigo as declarações do presidente do ICNF, Nuno Banza, de um investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, de um biólogo da Associação Natureza Portugal, de uma engenheira florestal da União da Floresta Mediterrânica e até do ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro.
Na notícia, o governante aparecia a reconhecer que seria “bastante difícil” cumprir o desígnio [de reverter a tendência negativa de conservação de espécies selvagens”, mas a comprometer-se a “trabalhar nesse sentido”. E garantindo também: “Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade.”
Poderiam os leitores mais exigentes questionar a pertinência deste assunto nas páginas do mais importante semanário do país – o lançamento da Missão Natureza 22, uma iniciativa do ICNF a desenvolver até 2027 –, mas compreenderiam lendo uma pequena caixa: “O Expresso associou-se à iniciativa e à realização do primeiro evento”.
Porém, em abono da verdade, a associação do Expresso não foi por amor à causa ambientalista: custou 19.500 euros ao ICNF. Ou, noutra perspectiva, o Expresso vendeu uma página do seu jornal para publicitar – sem fazer referência a ser publicidade – uma iniciativa de um instituto de um ministério do Governo.
Com efeito, a notícia da página 24 da edição do Expresso foi a concretização de um compromisso da Impresa previsto em contrato assinado no próprio dia do lançamento do evento público (20 de Maio) com o ICNF.
Assinado por via de uma decisão do vice-presidente do ICNF, Paulo Salsa, neste contrato – cujo caderno de encargos o PÁGINA UM não conseguiu ainda obter, por não constar no Portal Base e o instituto não o ter ainda disponibilizado –, no contrato ficaram definidas as obrigações do Expresso para a prestação de “serviços de apoio” e a “organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022”. Nesse âmbito terá estado também incluída a transmissão do evento público de 20 de Maio nas redes sociais do Expresso, que contou com a pivot da SIC Notícias Ana Patrícia Carvalho como mestra-de-cerimónia.
Por outro lado, para a escrita da notícia (encomendada), o Expresso decidiu não destacar a habitual jornalista que trata as temáticas ambientais (Carla Tomás), tendo optado por “contratar” um colaborador, Francisco de Almeida Fernandes.
Apesar de acreditado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CP 7706), Almeida Fernandes trabalha na Mad Brain, uma empresa de comunicação e produção de conteúdos, que, entre outras empresas, tem a Galp no seu portefólio.
Tanto este jornalista como uma outra jornalista, Fátima Ferrão (CP 6197), através da Mad Brain, escrevem também regularmente para diversos órgãos de comunicação social da Global Media (Diário de Notícias, Dinheiro Vivo e Jornal de Notícias), umas vezes como jornalistas, outras como produtores de conteúdos comerciais, numa promiscuidade impedida pela Lei da Imprensa e pelo Estatuto do Jornalista.
No entanto, até agora, nem a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e nem a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista intervieram para estancar esta situação.
O PÁGINA UM contactou o Ministério do Ambiente para saber se o ministro Duarte Cordeiro tinha conhecimento e concordava com este modus operandi do ICNF – compra de notícias com garantia de uma boa cobertura –, mas o seu gabinete de imprensa disse que o governante participou no evento do ICNF por “convite”, acrescentando que “todas as questões relativas à organização do evento devem ser colocadas ao Instituto [ICNF]”.
Ontem, o PÁGINA UM contactou o presidente do ICNF, Nuno Banza, questionando-o sobre os pressupostos que levaram à decisão do Conselho Directivo em contratar uma empresa de media para garantir cobertura mediática, se foram ou serão contratados outros media para o mesmo efeito, e se considerava que este tipo de contratações não desvirtua a necessária independência que se espera da comunicação social.
Até agora, Nuno Banza respondeu apenas que “tratando-se de um pedido de informação relativo a um procedimento administrativo, encaminhei nesta data [ontem] aos serviços para que sejam recolhidos os documentos que fazem parte integrante deste [contrato] e que serão disponibilizados logo que reunidos”, prometendo ainda partilhar “a informação assim que possível”.
Sobre este contrato, o PÁGINA UM colocou também diversas questões ao director do Expresso, João Vieira Pereira.
Nessa missiva, perguntou-se se considerava que os leitores do Expresso conseguiriam compreender de imediato que o texto da página 24 do Caderno Principal não se tratava de um artigo noticioso com liberdade editorial, mas antes da concretização de um dos compromissos estabelecidos num contrato com uma compensação financeira.
Perguntou-se também se tinha conhecimento de que o jornalista que assina a peça, e colabora com alguma regularidade no Expresso, trabalha também para uma agência de comunicação (Mad Brain), que tem entre outros clientes, a Galp Energia.
E, por fim, perguntou-se se considerava lícito que um jornal possa fazer notícias de eventos que tenham na sua génese contratos de prestação de serviços com entidades públicas ou mesmo empresas privadas, usando jornalistas com carteira profissional.
João Vieira Pereira não respondeu ao PÁGINA UM, mas o Grupo Impresa, através da empresa de comunicação JLM & Associados, comunicou, por escrito, que “a Impresa, tal como grande parte dos grupos de media nacionais e internacionais, tem parcerias com instituições no sentido de criar projetos de interesse geral”, anotando ainda que “em nada as parcerias do Grupo Impresa condicionaram alguma vez a liberdade do Expresso”.
Quanto ao jornalista do artigo contratualizado, Francisco de Almeida Fernandes, a JLM & Associados diz que aquele “não trabalha para uma agência de comunicação, mas sim para uma empresa produtora de conteúdos.”
Convém acrescentar que no Portal da Justiça consta o seguinte objecto social da Mad Brain: “Atividades de edições e publicações. Organização de eventos e animação turística. Formação. Serviços de comunicação e produção de conteúdos. Arrendamento e gestão de alojamento local.”