Ainda não estão disponíveis dados de Portugal, mas os registos de alguns países europeus sobre as mortes por covid-19 em 2020 reportados ao Eurostat mostram desvios colossais. Terá a pandemia sido pior do que o reportado ao público? Ou houve um empolamento da covid-19 como causa porque os médicos legistas foram pressionados a atribuir ao SARS-CoV-2 a morte sempre que houvesse teste positivo?
Quase todos os países que já reportaram ao Eurostat dados sobre as causas de morte ocorridas em 2020 indicaram valores substancialmente superiores àqueles que foram divulgando oficialmente durante o primeiro ano da pandemia.
De acordo com a consulta do PÁGINA UM à base de dados internacional daquele gabinete de estatística da União Europeia – que, agrega, além dos 27 Estados-membros, os países candidatos e da EFTA –, já houve nove países que, para a totalidade das doenças, indicaram as causas registadas nos certificados de óbitos em 2020, seguindo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial da Saúde (CDI). Ou seja, passa-se a saber, formalmente, qual foi causa principal da morte atribuída pelos médicos legistas aos distintos óbitos, incluindo por covid-19, durante o primeiro ano da pandemia que atingiu a Europa naquele ano.
De entre os nove países já com informação no Eurostat para o ano de 2020 – Alemanha, Espanha, Lituânia, Holanda, Polónia, Islândia, Liechtenstein, Sérvia e República Checa –, apenas neste último o número de mortes por covid-19 (código U07.1 da CDI, com vírus identificado) ou por suspeita (código U07.2, com vírus não identificado) é inferior ao que foi indicado pelas autoridades sanitários no final daquele ano.
Com efeito, a 31 de Dezembro de 2020, a República Checa reportou a ocorrência de 12.017 óbitos atribuídos à covid-19, mas agora na base de dados do Eurostat encontram-se contabilizados 10.397 óbitos com o código U07.1 e mais 173 com o código U07.2. Saliente-se que este país do Leste da Europa encontra-se actualmente no top 10 dos mais atingidos pela covid-19, com 3.751 óbitos por milhão de habitantes, embora a esmagadora maioria das mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 tenham, oficialmente, ocorrido em 2021.
Esta é, porém, de facto, a única excepção, por agora, porque todos os outros oito países reportaram em “tempo real”, no decurso dos relatórios diários divulgados ao longo de 2020, muito menos óbitos do que aqueles que agora os Governos enviaram ao Eurostat.
Se houve óbitos inicialmente escondidos (para inicialmente subestimar a pandemia) ou se houve exageros e pressões para que os médicos legistas atribuíssem mortes ao SARS-CoV-2 com base apenas num teste positivo, uma coisa parece, desde já, evidente: as estatísticas oficiais da primeira doença com um desmesurado acompanhamento informático informativo, mostra afinal um rigor das estatísticas oficiais muito sofrível. No mínimo.
O caso mais flagrante sucede na Espanha, onde o desvio entre os dados do Eurostat e os inicialmente apontados no final de 2020 é colossal. No Worldometers surgem, para o país-vizinho, 50.955 óbitos a 31 de Dezembro de 2020, mas no Eurostat as autoridades espanholas indicaram agora, apenas para aquele ano, 60.358 mortes por covid-19 (U07.1) e mais 14.481 com suspeitas (U07.2). Ou seja, somando os dois códigos há um desvio de 23.884 óbitos a mais, representando uma diferença de 47%.
Em termos relativos, o desvio maior – e extremamente suspeito – surge na Sérvia. Neste país, que tal como a República Checa oficialmente não teria sofrido a primeira vaga da pandemia na Primavera de 2020, as autoridades de saúde indicaram, segundo o Worldometers, 3.250 óbitos até final daquele ano. Afinal, para o Eurostat, durante 2020 os médicos legistas sérvios registaram 8.866 óbitos por covid-19 (U07.1) e mais 1.490 mortes suspeitas por esta doença (U07.2). Portanto, no Eurostat aparece mais do triplo (218%) das mortes por covid-19 do que as indicadas inicialmente pelas autoridades sérvias.
O desvio da Holanda também foi significativo: 75%. Para este país, no Worldometers contabilizam-se, no final do primeiro ano da pandemia na Europa, 11.565 óbitos por covid-19, enquanto no Eurostat estão agora 17.527 mortes confirmadas (U07.1) e mais 2.685 suspeitas (U07.2). Portanto, há uma diferença de 8.647 mortes por esta causa directa.
Na Polónia, por sua vez, o desvio também é relevante: 12.530 óbitos (entre confirmados e suspeitos) na base de dados do Eurostat face aos números que constam em 2020 no Worldometers, o que representa, em termos relativo, uma diferença de 43%. Já na Alemanha, conhecida por ser um país de grande rigor, as estatísticas também não batem certo: o Governo apontou inicialmente que tinham morrido, até 31 de Dezembro de 2020, um total de 34.639 pessoas por covid-19; agora, entre casos confirmados e suspeitos, informou o Eurostat que foram 39.886.
Apenas os números da Islândia batem certo, mas porventura devido à sua dimensão demográfica (cerca de 370 mil habitantes). No Worldometers surgem 29 óbitos até 31 de Dezembro de 2020, tantos quantos os que surgem agora no Eurostat. No entanto, acresce ainda um óbito suspeito (U07.2).
Nas próximas semanas será previsível que mais países surjam na base de dados do Eurostat, incluindo Portugal. Até agora, a Direcção-Geral da Saúde mantém segredo sobre toda a informação estatística existente no Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos – razão pela qual o PÁGINA UM intentou um processo de intimação contra o Ministério da Saúde no Tribunal Administrativo de Lisboa – e o Instituto Nacional de Estatística não divulga informação detalhada sobre a covid-19 nas estatísticas da mortalidade de 2020 que tem vindo a revelar nas últimas semanas.