Contemplar uma mãe que amamenta é repousar o olhar num acto de beleza incomparável. A naturalidade com que uma mulher o faz, não sugere qualquer tom sexual. Trata-se, aliás, de uma imagem bastamente romanceada que inspirou artistas de todo o Mundo e faz parte do leque de sonhos que muitas jovens desejam concretizar.
Na constante tensão entre o que consideramos ser bom, porque nos dá prazer, e o que tem de ser feito, porque é nosso dever, está o eixo em torno do qual se desenvolve o nosso carácter.
Se o egoísmo produz um efeito deletério sobre o desenvolvimento da sociedade, o altruísmo evoca o que de melhor existe no ser humano para viver em comunidade.
Atente-se na imagem da mãe que amamenta. Para lá da ideia redutora da amamentação como um acto romântico, pode estar um cenário de dor, repulsa e ansiedade.
Esta experiência de sacrifício dá lugar à comunhão entre dois seres. Esta conversão de dor em alimento é regeneradora e estabelece laços. Porque a Humanidade é uma família, é dever de cada um preocupar-se com o bem-comum e com a felicidade coletiva.
Compete-nos, por isso, libertar a nossa sociedade materialista da idealização romântica da vida, revendo comportamentos e critérios a fim de se saber julgar o que é o bem, o bom e o dever.
O gesto filantrópico arrasta consigo um mundo de beleza, que é vivido individualmente, e que se distingue de pessoa para pessoa. Importa, porém, recordar que uma coisa é viver para solidariedade e outra é viver à custa da solidariedade. Aquela manifesta-se uma extensão do bem, enquanto esta – perversa – se revela de natureza suspeita.
O que não falta são associações de cariz solidário. As motivações distinguem-se particularmente não pelos seus estatutos, que se regem por uma lei geral e comum, mas pela forma como os sócios e respectivos órgãos sociais fazem a justa gestão dos bens que lhes são confiados.
Se alguns o fazem para merecer o céu, outros há que enchem o seu coração por ver a felicidade de quem se alegra com tão pouco. Uns matam a solidão pelo envolvimento social, e outros ainda esperam o reconhecimento do alheio. Tudo isto faz parte desta missão que tanto tem de belo como pode ter de perverso.
Numa interpretação diferente da que se popularizou, Rómulo e Remo, fundadores de Roma, teriam sido alimentados por uma prostituta, e não por uma loba, já que “lupa” tem duplo significado. Quem sabe se o leite desta mulher pertencia ou não a algum filho que nunca tenha chegado a ver a luz do dia. Deu-lhes tudo quanto tinha, confortou-os com o alimento do corpo e da alma. Contudo, talvez por ser mais poética, a imagem de uma loba veio a vingar.
Hoje, tal como passado, continuam a surgir as meretrizes da caridade alheia. Apenas, em vez de alimentarem os que têm fome, estas enfartam-se até lamberem os próprios dedos, julgando assim esconder os vestígios da sua imundície.